A indústria adulta digital é fundamentalmente caracterizada por um “horizonte de uma realidade programada na qual todas as suas funções — memórias, emoções, sexualidade, inteligência — tornam-se progressivamente inúteis” (BAUDRILLARD, 2001, p.43).
Tendo em vista que todas as funções humanas se tornam progressivamente inúteis no submundo adulto, o oligopólio cartelizado de empresas controla a produção e a circulação das performances eróticas hiper-reais na rede a partir de métricas comerciais.
Isso significa que cada passo da reprogramação algorítmica da sexualidade é cuidadosamente calculado pelos sites de pornografia, webcamming e packs eróticos.
Por isso, todos os dados do usuário são mapeados para serem gerados os feeds algorítmicos hipercustomizados.
Para tanto, as mulheres que trabalham nessas plataformas estão condicionadas ao modelo único de contrato de prestação de serviços, no qual é exigida a licença de uso vitalícia da imagem feminina para comércio entre todos os sites do cartel.
Posto isso, o artigo — de porte reflexivo — dedica-se ao desvelar do passo-a-passo da reprogramação algorítmica da sexualidade pelos sites adultos ordinários (isto é, sites visíveis pelos mecanismos de busca do Google, não se trata da deep/dark web).
DA VISIBILIDADE À INVISIBILIDADE
Assim como ocorre no oligopólio das Big Techs das redes interativas (Instagram, Facebook, YouTube, etc), tudo o que o usuário recebe em seu feed do submundo adulto é hiper-customizado (Ver artigo: Vigilância algorítmica das redes sociais).
Nesse enquadramento, os simulacros e a hiper-realidade são construídos a partir de um dilúvio de imagens, anúncios, textos e stories cuidadosamente selecionados pelas empresas que controlam o setor. A estratégia adotada é a de conduzir o comportamento do usuário na rede. Contudo, é preciso fazer com que este usuário acredite que:
Seguindo a lógica argumentativa, o objetivo dos sites adultos — assim como das redes interativas — é viciar seus usuários para que passem o máximo de tempo possível dentro das plataformas. Mas não somente. É preciso conseguir prever o comportamento, o afeto, o desejo e a identidade do sujeito na rede.
Tal processo é feito com a intenção de motivar, organizar e confirmar o modo pelo qual todo e cada indivíduo vai sentir, pensar e agir na sua vida online e, consequentemente, offline.
Por isso, cada passo dado pelo indivíduo na rede é mapeado e todos os dados armazenados. A finalidade é criar estratégias de mercado com base em métricas comerciais oriundas desses dados. Afinal, a previsibilidade leva ao controle, que, por sua vez, garante estabilidade econômica para essas empresas.
SOLUÇÕES CAPITALIZADORAS DE ANSIEDADE E APAZIGUAMENTO DA CRISE
Percebe-se que tanto o fomento do vício que causa a ansiedade quanto o seu apaziguamento são articulados pelas mesmos atores do mercado. Em outras palavras, quem estimula a doença também controla o antídoto de tal sorte que, quanto mais adoecida estiver a sociedade tecnológica atual, mais antídotos serão consumidos pelas pessoas. A autora Malena Segura Contrera identifica tal fenômeno em sua obra o “Pânico na Mídia” (2002) e nomeia esta proposital manipulação dos meios de comunicação como “fenômeno do Pânico”.
O autor Eugênio Trivinho, em "A ditatura da velocidade", explica que a manobra ocorre mediante operações cuidadosamente planejadas que inicialmente produzem um sentimento de miséria e melancolia no usuário, para, em seguida, ser oferecida uma solução capitalizadora baseada na venda e na compra de estímulos que simulem “felicidade” instantânea. Por consequência, constroem universos de simulacro e de hiper-realidade. Na voz do autor: “Como princípio, consideremos, antes de tudo, para todos os casos, a vigência de uma determinada condição de vida que é transformada num flagelo humano (material ou imaterial) ‘explorável’ e que, por isso, gera um conjunto de soluções capitalizadoras para resolvê-lo” (TRIVINHO, 2017).
No caso do submundo adulto, a reflexão teórica deste estudo aponta que a exposição do usuário ao jogo de extremos na rede traz como consequência a reprogramação psicoafetiva e sexual da ideologia do imaginário. Nesse entendimento,
REPROGRAMAÇÃO ALGORÍTMICA DA SEXUALIDADE
No contexto desta Pesquisa, a indústria adulta digital está propositalmente degenerando o afeto e radicalizando a sexualidade da época em curso por meio de feeds algorítmicos hipersegmentados de conteudo erótico. Assim, a reprogramação ideológica do imaginário provocada pelos códigos invisíveis do submundo configura-se pela destruição do sistema de símbolos originais e pela sua substituição por um leque limitado de performances hiper-reais. Nesse sentido, toda e qualquer performance erótica, de todo e qualquer site adulto, de toda e qualquer parte do mundo, refere-se à atuação de alguém que performa um simulacro erótico a partir da cessão violação dos seus direitos fundamentais. Trata-se, portanto, de uma relação comercial, de uma prestação de serviço oferecida por uma indústria predatória.
Posto isso, os algoritmos de todos os sites adultos direcionam a pulsão sexual dos homens heterossexuais para o exercício da violência contra as mulheres. Para isso, as empresas levam os homens a acreditarem que as mulheres realmente gostam de serem objetificadas e desumanizadas. A armadilha é feita com anúncios publicitários e mensagens automáticas escritas na primeira pessoa do singular como se a própria mulher estivesse ansiosa para ser desrespeitada.
Assim, a reprogramação algorítmica do submundo recomenda conteúdos hiper-segmentados que encorajam o homem a assistir vídeos adultos nos quais os atores estão humilhando atrizes — ao invés de demonstrando afeto às atrizes nas performances eróticas.
Logo em seguida, os algoritmos recomendam para esses usuários que acessem sites de live cams e de vendas de conteúdo e experimentem tratar da mesma forma violenta e desumana as mulheres ao vivo. Assim, a reprogramação via perversão propriamente dita transforma a interação com o outro em controle do outro. Vende-se aos homens, portanto, a experiência (“prazerosa”) de humilhar uma mulher. O produto é a humilhação da mulher.
O objetivo dessas empresas é o condicionamento do desejo do homem para escolhas de performances mais rentáveis. Isto é, quanto mais simulacro e mais hiper-realidade são consumidos pelos usuários, mais vício e mais lucro são gerados.
Ou seja, em nenhum momento há preocupação nem por parte da empresa e nem por parte do homem com a profissional da indústria adulta, assim como também não há preocupação da empresa com este homem, o consumidor. Todos são produtos, objetos que servem para uma função específica. No caso do homem que consome o conteúdo adulto, a função da mulher é satisfazê-lo imediatamente. No caso da empresa que produz o algoritmo e o feed hiper-segmentado para o homem de performances hiper-reais, lucrar com a reprogramação ideológica do seu imaginário. A desumanização é nítida.
Como exemplo prático da reprogramação via perversão fabricada por essas empresas que controlam a indústria adulta digital podemos mencionar a seguinte experiência:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tendo o lucro como único direcionamento do olhar, o submundo adulto inaugurou um mercado cuja sobrevivência se dá com base na violência inconstitucional contra a mulher.
O rastro de destruição psicoafetiva desse processo não termina aí. Pelo contrário, este é apenas o começo.
As experiências vividas no ciberespaço são muito mais do que simples ações inconsequentes na rede. O acontecimento online retroage na vida offline do sujeito contemporâneo. Quando esta experiência deixa de ser individual e passa a ser coletiva, aquilo que é vivido na rede produz novos referenciais de valores e de atitudes, o que transforma radicalmente o parâmetro social de sentido, for/matando identidades.
Nesse sentido, muitos dos homens que foram estimulados a desenvolver comportamentos sexuais perversos humilhando mulheres através de uma tela de computador online relacionam-se com outras mulheres em suas vidas offline. Assim, questiona-se:
O resultado é a reprogramação propriamente dita, propositalmente fabricada pelos algoritmos e códigos invisíveis do submundo da cultura digital.
Referências
Baudrillard, J. (1991). Simulacros e simulação. Lisboa, Portugal: Relógio d'Água.
Baudrillard, J. (2001). A ilusão vital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
Contrera, M.S. (2002). Mídia e pânico: saturação da informação, violência e crise cultural na mídia. São Paulo: Annablume.
Magossi, P.G. (2023). Vigilância algorítmica das redes interativas. In: Portal Juristas. Disponível em: https://juristas.com.br/2023/05/25/vigilancia-algoritmica-das-redes-interativas/
Trivinho, E. (2017). A ditatura da velocidade. In: Revista Adventista. Disponível em: https://www.revistaadventista.com.br/marcio-tonetti/destaques/a-ditadura-da-velocidade/
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