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APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS (ARTIGO 33 DA LEI Nº 11.343/06). IRRESIGNAÇAO DEFENSIVA.
1.PRELIMINARES.
1.1.ILICITUDE DA PROVA POR FALTA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA ACESSAR CONTEÚDO DO WHATSAPP EM CELULAR APREENDIDO.
Segundo consta dos autos a autoridade policial, após prévia investigação, representou pela expedição de mandado de busca e apreensão a ser cumprido na residência do réu, sendo acolhida pela magistrada de origem. Constou do mandado de busca e apreensão que a sua finalidade era a apreensão de (…) armas, munições, drogas e objetos de origem ilícita, notadamente de tráfico de drogas (…). Cumpriu-se, então, na data de 11DEZ2015, o respectivo mandado, ocasião em que foi apreendido, entre outros objetos, um aparelho celular. Acessado o aparelho celular pelos policiais, no ato, foi constatada a existência de mensagens relacionadas ao comércio ilícito de entorpecentes. Não se desconhece, por certo, o entendimento já consolidado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça no sentido de considerar ilícita a prova obtida diretamente pela polícia em celular apreendido, sem prévia autorização judicial. No caso em epígrafe, contudo, a apreensão do aparelho celular decorreu do cumprimento de mandado de busca e apreensão expedido pelo juízo competente, após prévia investigação e que tinha como objetivo reprimir o tráfico de drogas na Comarca de Triunfo, e não por mero flagrante. Nessas circunstâncias, era desnecessária a autorização judicial para acessar o conteúdo do whatsapp no celular apreendido. Precedentes. Quanto à suposta ofensa ao artigo 240, § 1º, do Código de Processo Penal, impende registrar que as letras e e h do mencionado dispositivo permitem, quando houver fundadas as razões, a apreensão de objetos necessários à prova da infração ou colher qualquer elemento de convicção. Trata-se, portanto, de comando genérico e que tem como objetivo a descoberta da verdade real. Doutrina. Assim, sendo notório que, na atualidade, o aparelho celular é usualmente utilizado nas práticas ilícitas, era plenamente admissível a sua apreensão como instrumento do crime destinado ao fim delituoso, sem que isso macule os meios de obtenção da prova.
1.2.NULIDADE DA PROVA PRODUZIDA POR AUSÊNCIA DE CONDUÇÃO DO RÉU PRESO PARA AUDIÊNCIA DE INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS
Compulsando os autos verifica-se que o Parquet, quando do oferecimento da denúncia, arrolou cinco (05) testemunhas, todas residentes em Comarcas distintas daquela do local dos fatos. Na primeira solenidade, realizada na data de 05ABR2016, na Comarca de São Jerônimo, o réu não foi conduzido pela SUSEPE. Não obstante isso, as testemunhas Marco e Jesus foram ouvidas, embora a discordância da defesa, que teve o seu pedido de adiamento da audiência indeferido. Na data de 21JUN2016, também na Comarca de São Jerônimo, procedeu-se a oitiva da testemunha Miguel, independentemente da presença do réu, que não foi conduzido pela SUSEPE. A defesa, segundo se observa do termo de audiência, não protestou quanto à oitiva da referida testemunha, embora ausente o réu. Alega a defesa, então, que os depoimentos das testemunhas de acusação devem ser inutilizados, já que colhidos em solenidades em que o réu não estava presente, em face da sua não condução pela SUSEPE. Conquanto recomendável a presença do acusado na audiência de inquirição das testemunhas realizada por carta precatória, essa não é imprescindível, sendo indispensável a comprovação do prejuízo, tempestivamente. Precedente. In casu, embora a defesa tenha protestado tempestivamente contra a realização da solenidade, sem que o réu estivesse presente, não conseguiu demonstrar, no meu sentir, eventual prejuízo acarretado pelo não deferimento do pleito. Com efeito, a oitiva das testemunhas foi acompanhada tanto pelo Parquet, como pelos advogados que patrocinam a Defesa do réu desde a sua prisão em flagrante, que tiveram, no ato, a oportunidade de contraditar, perguntar e reperguntar. Vale destacar, ainda, que quando do protesto, o nobre defensor não apontou qual o prejuízo, in concreto, que o acusado teria sem a sua participação na solenidade, tendo afirmado, apenas, de forma abstrata e genérica, lesão ao contraditório e à ampla defesa. Precedente. Impende registrar, ainda, que os policiais apenas descreveram as circunstâncias fáticas quando do cumprimento do mandado de busca e apreensão, já que não participaram da investigação que precedeu a execução da determinação judicial. Outrossim, M.R. F. não nega a apreensão de entorpecentes na sua residência. O alegado prejuízo sustentado pela defesa, em seu arrazoado, estaria relacionado, tão somente com a quantidade de maconha que pertenceria ao réu, já que a testemunha Rodrigo disse que era proprietário de parte da droga localizada na casa do ora recorrente. Tal circunstância, contudo, não tem o condão de macular a instrução do feito, já que não foi apreendida expressiva quantidade de entorpecente, sendo certo, portanto, que não foi a abundância do estupefaciente apreendido que caracterizou o delito de tráfico de drogas.
2.MÉRITO.
A existência do fato delituoso encontra-se consubstanciada nos autos. Em relação à autoria, constata-se do inquérito policial, que os agentes públicos, em cumprimento de mandado de busca e apreensão, expedido no bojo da denominada Operação Revolução , que tinha como objetivo investigar e reprimir o tráfico de drogas no Município de Triunfo, dirigiram-se até a residência do réu e lograram apreender os entorpecentes e os demais objetos descritos no auto de apreensão. Além das declarações dos agentes públicos, consta do inquérito policial que, na ocasião do cumprimento do mandado de busca e apreensão, encontravam-se no interior da residência K.M.B.C., namorada do réu, e R.M.R. O delito de tráfico de drogas trata-se de crime de ação múltipla ou de conteúdo variado, restando consumado com a prática de quaisquer núcleos verbais constantes no artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/06, sendo prescindível para a sua caracterização a prisão do réu no momento em que este esteja comercializando os entorpecentes. Precedente. No caso em comento, viu-se da prova produzida em juízo que o réu manteve a versão de que é usuário de entorpecentes e de que parte da droga lhe pertencia. A testemunha R.M.R., da mesma forma, ratificou, na essência, as suas declarações, no sentido de ser proprietário de parte da droga apreendida e de nunca ter presenciado o réu vendendo drogas. A testemunha K.M.B.C., por sua vez, modificou o seu depoimento, já que afirmou, em juízo, nunca ter presenciado Marcos comercializando entorpecentes. Enfatizou, inclusive, ter sido constrangida pelo Delegado de Polícia a confirmar que o réu comercializava entorpecentes. Já os policiais civis, sob o crivo do contraditório, mantiveram as versões apresentadas na fase administrativa, bem como apresentaram declarações harmônicas e uníssonas quanto às circunstâncias da prisão e à apreensão dos entorpecentes. As demais testemunhas apenas abonaram a conduta do réu. Algumas mencionaram ter conhecimento de que Marcos fazia uso de drogas. Diante desse contexto, dúvida não há quanto à apreensão dos estupefacientes na residência do réu, restringindo-se o debate à destinação dos entorpecentes, que, no presente caso, adianto, é notoriamente diversa do consumo pessoal exclusivo. Com efeito, embora a quantidade de maconha apreendida não seja expressiva, não podemos olvidar que a prisão de M.R.F. não ocorreu de forma aleatória, mas teve origem em prévia investigação, que apontou a residência do réu como ponto de tráfico de drogas. Nesse sentido, conforme já destacado, foram as declarações dos policiais civis. Não podemos olvidar, então, quanto à validade dos depoimentos dos policiais, que os mesmos devem ser considerados aptos para sustentar a condenação, ainda mais quando forem uníssonos, não existindo qualquer indício que possa desabonar os seus testemunhos. Precedente. Paralelamente às declarações dos agentes públicos, temos o relato de Kátia Marie Borst Corcione que, na fase extrajudicial, declarou já ter presenciado o réu comercializando entorpecentes, por telefone. A retratação, por ela apresentada, por sua vez, não produz efeito por si só, devendo ser acompanhada de elementos aptos a elidir a versão anteriormente fornecida, sendo necessário que a testemunha justifique a modificação de sua declaração e faça a prova respectiva. De nada vale a retratação de quem não comprova suas alegações para infirmar anterior depoimento, menos ainda no presente caso, quando não existem provas da alegada coação. Outrossim, sendo a referida testemunha namorada do réu, não é de se admirar que tenha alterado as suas primeiras declarações. Demais disso, cumpre salientar que, durante o cumprimento da ordem judicial, os policiais apreenderam o aparelho celular do réu, do qual extraíram mensagens relacionadas ao comércio ilícito de entorpecentes Lado outro, a condição de dependente químico não elide a conclusão de que o réu se dedicava à narcotraficância, sendo a figura do usuário-traficante situação corriqueira na casuística forense. Precedente.
3.DOSIMETRIA. REDUTORA DO § 4º DO ARTIGO 33 DA LEI 11.343/06. FRAÇÃO MAJORADA, DADA A QUANTIDADE E NATUREZA DA DROGA APREENDIDA.
A togada de primeiro grau, considerando a quantidade e a espécie da droga apreendida, reduziu a reprimenda em 1/2 (metade), tornando a pena definitivamente fixada em 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão. Em relação à natureza da droga apreendida (cannabis sativa), tenho que, sem embargo da nocividade ínsita a qualquer tipo de entorpecente, a droga em questão não está inserida no rol das mais lesivas à saúde pública. Além disso, não se pode ignorar a discussão recorrente sobre a sua legalização, que já conta, inclusive, com o pronunciamento favorável de alguns ministros do Pretório Excelso. A quantidade da droga localizada, por sua vez, não pode ser considerada expressiva, mostrando-se adequada e razoável a incidência da redutora do tráfico em seu grau máximo, 2/3 (dois terços).
4.PERDIMENTO DE BENS. SENTENÇA OMISSA.
Quanto à restituição do bem apreendido, destaque-se que o artigo 63 da Lei nº 11.343/06, ao dispor que, Ao proferir a sentença de mérito, o juiz decidirá sobre o perdimento do produto, bem ou valor apreendido, seqüestrado ou declarado indisponível -, afastou a possibilidade da perda dos referido bens de forma automática, sendo indispensável expressa decisão judicial a este respeito. No caso, a partir da leitura da r. sentença, constata-se que a magistrada sentenciante não cuidou de demonstrar nexo etiológico existente entre a motocicleta apreendida e o crime de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes praticado. Não há, inclusive, uma linha sobre o perdimento da moto Yamaha Fazer placa IRO-6615, que estava na posse do réu. Desta feita, imperiosa a restituição da motocicleta, de modo a evitar uma maior depreciação do bem.
PRELIMINARES REJEITADAS. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
(TJRS – Apelação Crime Nº 70077051498, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Antônio Cidade Pitrez, Julgado em 28/06/2018)