Jurisprudência

Intervenção do Poder Judiciário em ato discricionário do Poder Executivo sobre classificação de risco para enfrentamento da pandemia do Covid-19.

A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que, se não for evidenciada violação de direito líquido e certo, o Poder Judiciário não pode interferir no ato discricionário do Poder Executivo estadual que versar sobre a implantação de plano regional de classificação de risco para enfrentamento à propagação da pandemia do Covid-19.

A orientação foi adotada no seguinte julgado:

ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO PELO MUNICÍPIO DE MARÍLIA CONTRA ATO DO GOVERNADOR DO ESTADO DE SÃO PAULO, CONSUBSTANCIADO NO DECRETO 64.997/2002, EM QUE ESTABELECIDO O REGIME DE QUARENTENA DE CADA UMA DE SUAS REGIÕES. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE, POIS O REGIME DE QUARENTENA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO LEVA EM CONTA APENAS SEUS DADOS LOCAIS, E NÃO OS REGIONAIS. VIOLAÇÃO A DIREITO LÍQUIDO E CERTO NÃO DEMONSTRADA. DESPROVIMENTO DO RECURSO.

  1. Decorre o presente recurso de mandado de segurança impetrado pelo Município de Marília com o objetivo de obter a sua recategorização da cor "laranja" para "verde" dentro dos critérios estabelecidos no Decreto Estadual 64.997/2020, que instituiu o "Plano São Paulo", pelo qual o território estadual foi dividido em macrorregiões epidemiológicas (Departamentos Regionais de Saúde - DRS), classificadas em quatros cores (vermelha, laranja, amarela e verde) representando os graus de restrição à atividade econômica local.
  2. Segundo o impetrante, os índices locais o colocariam na fase 4 de restrição (verde) dentro da DRS IX, mas o impetrado a categorizou em faixa muito mais restritiva, prejudicando a de economia local e o retorno à normalidade, a despeito de não ter agido com o mesmo critério com o Município de São Paulo, que não obstante estar inserto na DRS I, de cor vermelha, foi elevado à categoria isolada "laranja", demonstrando inequívoca arbitrariedade que fere o princípio constitucional da igualdade.
  3. A segurança foi denegada pelo entendimento de que o ato impetrado possui conteúdo tipicamente normativo, dotado de ampla generalidade e abstração, daí a incidência da Súmula 266/STF ("Não cabe mandado de segurança contra lei em tese").
  4. Ocorre que, conforme entendimento do relator do acórdão recorrido (que, em homenagem ao princípio da colegialidade, se curvou a entendimento da Corte paulista em casos idênticos), o Plano São Paulo tem a natureza de norma de efeitos concretos sobre a esfera jurídica das pessoas físicas e jurídicas por ele atingidos, por isso impugnável na via do mandado de segurança. Na mesma linha, o parecer do Ministério Público Federal nos presentes autos, em que defendido o afastamento da Súmula 266/STF.
  5. Não podem ser conhecidos os argumentos do recurso ordinário na linha da inconstitucionalidade dos decretos que tratam da quarentena e da instituição do Plano São Paulo, bem assim os de esvaziamento da autonomia municipal prevista na Constituição Federal, pois não foram apresentados como causa de pedir na inicial do mandado de segurança, constituindo, por isso, indevida inovação recursal.
  6. Quanto ao mérito do mandado de segurança, a autoridade coatora justificou em suas informações os critérios adotados no "Plano São Paulo", merecendo destaque os seguintes trechos: (i) "conforme aponta Nota Técnica do Centro de Contingência do Coronavírus da Secretaria da Saúde (Anexo I do Decreto n° 64.994/2020), o 'Plano São Paulo' é fruto da constatação de que os gestores estaduais da saúde se deparam com uma nova fase de combate à COVID-19"; (ii) "observadas as especificidades regionais e setoriais presentes no vasto território estadual, no qual habitam mais de 44 milhões de pessoas, o Centro de Contingência, impelido pela necessidade de adotar uma abordagem heterogênea resultante de condições epidemiológicas e estruturais díspares, propôs 'nova forma de quarentena' alicerçada em dois critérios estruturantes: a evolução da COVID-19 e a capacidade de resposta do sistema de saúde"; (iii) "recomenda-se uma abordagem específica para a Capital do Estado, em razão de sua dimensão, que comporta, ao mesmo tempo, aproximadamente 12 milhões habitantes, e capacidade estrutural de saúde independente, com características próprias que concentram centros de referência em saúde reconhecidos internacionalmente"; e (iv) "tais características, inclusive, justificam o tratamento diferenciado ao Município de São Paulo, cujo território corresponde a uma subárea específica do DRS I ? Grande São Paulo, a RRAS-06".
  7. É caso de desprovimento do recurso, pois o recorrente não demonstrou a alegada violação ao princípio da igualdade, tendo em vista que o tratamento diferenciado à cidade de São Paulo foi devidamente justificado na Nota Técnica referida nas informações da autoridade coatora, quando ressaltado que a capital possui "aproximadamente 12 milhões habitantes, e capacidade estrutural de saúde independente, com características próprias que concentram centros de referência em saúde reconhecidos internacionalmente".
  8. Não evidenciada violação a direito líquido e certo, não há razão para intervenção do Judiciário em ato emanado do exercício do poder discricionário do Governador do Estado de São Paulo na implantação do "Plano São Paulo" de enfrentamento da gravíssima crise de saúde pública decorrente da propagação da Covid-19. Conforme bem observado pelo TJ/SP no exame de caso idêntico, "em situações dessa natureza, se for possível à Administração adotar duas ou mais medidas igualmente razoáveis, então ao Poder Judiciário é vedado dizer qual delas mais atenderia ao interesse público".
  9. Recurso ordinário a que se nega provimento.

(RMS 65.812/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/04/2021, DJe 19/04/2021)

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