Em função do tamanho do processo e, principalmente por se tratar de um embate antigo, o ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem adiado – já foram três sessões em que o processo entraria em pauta, mas não foi – a discussão entre o Banco Renner e a Lojas Renner, que têm uma disputa por causa da marca “Renner”. A queda-de-braço traz à tona o princípio da especialidade, que é quando a empresa titular da marca detém o direito exclusivo de uso da marca para identificar todos os serviços por ela assinalados. Mas o que traz a questão aos tribunais é o fato de que a discussão pode resultar no direito de as duas empresas manterem a marca para um mesmo segmento de mercado. Isso porque a instituição bancária permitiu o uso da marca por meio da assinatura de “Carta de Consentimento” especificamente para determinados fins restritos, fins esses que a rede de lojas teria extrapolado.
“O Banco Renner permitiu o uso da marca pela Lojas Renner, mas a permissão não abrangeu o serviço financeiro que a Lojas Renner pretende explorar porque, na época, ela não atuava nesse segmento, e isso gerou toda a demanda na Justiça. Empresas que fazem esse tipo de acordo devem se esforçar ao máximo para prever, nos instrumentos contratuais, eventuais atos futuros que possam gerar interpretações equivocadas, dando margem ao uso não autorizado da marca e a consequente judicialização da questão”, disse a advogada Marina Flandoli, do Flandoli Ajzen Advogados. “Temos muitos casos de acordos no escritório e sabemos da importância de documentos claros e bem redigidos”, completou.
Para entender melhor o caso envolvendo a marca Renner, o processo chegou à Justiça em 2008 e de lá para cá são diversos recursos e um número incontável de folhas de recursos e decisões. Tanto que o caso deveria ter entrado na pauta do STJ na semana passada e em função do tamanho da discussão, foi adiado. Os últimos passos dão conta de que a varejista perdeu nas instâncias inferiores da Justiça e foi proibida de oferecer determinados produtos financeiros com a marca, mas não foi obrigada a pagar danos materiais que o Banco Renner diz ter tido. Segundo dados do processo, o Banco Renner é detentor da marca na classe que abrange serviços financeiros e autorizou em favor à varejista para que ela utilizasse a marca para alguns serviços de crédito voltado aos seus clientes.
“O banco, porém, entrou com ação judicial alegando que a varejista extrapolou os limites da autorização e estaria vendendo outros produtos financeiros que também são por ele oferecidos”, explica Marina Flandoli que, apesar de não ser advogada das partes, acompanha o desenrolar do caso há anos por ter casos semelhantes. Há o conflito de duas empresas para a venda de produtos similares identificados pela mesma marca. Em primeira instância, o banco teve ganho parcial para que a Loja Renner se abstenha de usar a marca para identificar esses produtos e, em segunda instância, a sentença foi confirmada. No Tribunal de Justiça (RS), a Lojas Renner ganhou por maioria, no julgamento da apelação.
Mas como a decisão não foi unânime, abriu a possibilidade de o Banco Renner interpor embargos infringentes para fazer valer o voto vencido. Nesta oportunidade, a instituição bancária levou a melhor (6×2), mas a briga foi parar no STJ. A Renner de roupas recorre para reverter a decisão do TJ/RS e poder ofertar serviços de crédito com a marca. O banco recorre para ser indenizado pelos danos materiais, cujo valor não foi divulgado.
“Segundo o princípio da especialidade, as marcas registradas gozam de proteção exclusivamente perante os ramos de atividade para os quais o registro foi reivindicado. Por esse motivo, foi adotada a Classificação de Nice que separa atividades e produtos em 45 classes distintas e reconhecidas internacionalmente. No caso, a discussão gira em torno da Classe 36, que abrange serviços financeiros. A Loja Renner, pertencente ao mercado varejista de moda, não tem direito ao uso da marca para serviços de crédito ao consumidor. Ela tem autorização dada pelo banco permitindo o direito de usar a expressão “Renner” para identificar serviços de crédito ao consumidor voltado especificamente aos produtos da rede de lojas. É necessária uma interpretação restritiva a acordos envolvendo a convivência entre duas marcas idênticas”, explica Paula Ajzen, do escritório Flandoli Ajzen, especializado em Propriedade Intelectual.