União e Funai têm 36 meses para concluir a demarcação da Terra Indígena Boca do Mucura (AM)

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FunaiA Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) confirmou sentença que determinou que a União Federal e a Fundação Nacional do Índio (Funai) concluam, no prazo de 36 meses, o processo administrativo para a demarcação da Terra Indígena Boca do Mucura, localizada no Município de Fonte Boa (AM), ocupada por índios da etnia Kokama. O Tribunal Regional Federal da 1ª Região retirou, entretanto, a pena de multa diária de R$ 10 mil imposta pelo Juízo da 1ª Vara da Subseção Judiciária de Tefé (AM) em caso de descumprimento.

União Federal e a Fundação Nacional do Índio (Funai) recorreram ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região. A primeira sustentou que a dinâmica do processo de demarcação de terra indígena passa por diversas e complexas etapas, de modo que a fixação de prazo para sua finalização mostra-se temerário, já que os estudos necessários para a correta resolução da questão não podem ser realizados de forma atropelada, sob pena, inclusive, de se por em risco o próprio direito dos indígenas.

União e Funai têm 36 meses para concluir a demarcação da Terra Indígena Boca do Mucura (AM)
Créditos: Mikali / Pixabay

A segunda também defendeu a temeridade da fixação de prazo para a conclusão do processo de remarcação. Ponderou que a sentença sob comento não apontou a origem dos recursos necessários para o cumprimento de suas determinações. “O Poder Judiciário vem impondo condenações resultantes de pedidos formulados pelo Ministério Público Federal sem que se defina como se expandir o seu orçamento com vistas ao cumprimento de tais comandos”, sustentou.

Para o relator do caso no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), juiz federal convocado Roberto Carlos de Oliveira, os argumentos de ambos os recorrentes de que a definição de prazo para a conclusão da demarcação das terras indígenas é temerária não merece prosperar. “O Estado não tem espaço para recusas ou esquivas, devendo se esforçar e se esmerar para que as decisões políticas fundamentais incertas na Norma Matriz sejam concretizadas a partir da determinação do constituinte originário para que assim viesse a ser feito”, destacou.

O juiz federal convocado também destacou que, diferentemente do foi dito por um dos recorrentes, “a atuação jurisdicional provocada tem como causa a alegada mora do Estado na adoção das medidas necessárias à concretização de uma política pública que já foi pregressamente concebida e normativamente operacionalizada. Inexistente, portanto, a alegada violação ao princípio da separação dos poderes”.

O juiz federal convocado finalizou seu voto destacando que a fixação antecipada da multa pelo Juízo da origem não guarda harmonia com a orientação do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), no sentido de ser descabida a imposição prévia desse gravame contra a Fazenda Pública, uma vez que inexiste notícia ou indicativo de que o comando judicial viria a ser desrespeitado.

A decisão foi unânime.

Processo nº 0000624-56.2015.4.01.3202/AM

(Com informações da Tribunal Regional Federal da 1ª Região)

Ementa:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEMARCAÇÃO DE TERRA INDÍGENA. ÁREA DENOMINADA “BOCA DO MUCURA”. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA REJEITADA. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE À RESOLUÇÃO DA CONTROVÉRSIA. OMISSÃO ESTATAL CONFIGURADA. INÉRCIA SUPERIOR A DEZ ANOS PARA A DEFLAGRAÇÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO. RECONHECIMENTO DA NATUREZA FUNDAMENTAL DO DIREITO À POSSE DA TERRA PELOS POVOS INDÍGENAS. OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. INEXISTÊNCIA. INAPLICABILIDADE DA CLÁUSULA DA RESERVA DO POSSÍVEL. PRECEDENTES.

1. Trata-se de apelações interpostas pela União e pela FUNAI, em desfavor da sentença pela qual o MM Juízo Federal da 1ª Vara Subseção Judiciária de Tefé/AM julgou parcialmente procedentes os pedidos veiculados na inicial, para condená-los “a ultimar o processo administrativo para a demarcação da Terra Indígena Boca do Mucura, localizada no Município de Fonte Boa/AM e ocupada por indígenas da etnia Kokama, consoante as etapas e prazos fixados no Decreto nº 1.775/96 e para que conclua no prazo máximo de 36 meses, sob pena de multa diária de R$10.000,00 por mês, a ser revertido em favor da própria comunidade organizada.”

2. Segundo a documentação presente nos autos, o pleito de reconhecimento e demarcação da referida área indígena remonta pelo menos ao ano de 2005, sendo certo, por outro lado, que depois de decorridos mais de dez anos do referido requerimento, a Coordenação-Geral de Identificação e Delimitação da FUNAI emitiu a Nota Técnica nº 20, de 29 de fevereiro de 2016, informando que “até o presente momento não existe procedimento de demarcação em curso no âmbito desta Fundação para realizar estudos na área reivindicada pelo povo Kokama na área denominada Boca do Mucura e se encontra atualmente em qualificação.”

3. Ainda que o decisum sob censura tenha enfrentado a controvérsia enfeixada nos autos sem se debruçar com maior minudência sobre a afirmação de que a escassez de recursos impossibilitaria a FUNAI de dar cumprimento às suas obrigações institucionais com a presteza desejável, a questão foi abordada na sentença de forma suficiente à resolução da controvérsia. Preliminar de nulidade da sentença rejeitada.

4. É uníssona a compreensão de que a posse da terra constitui um direito fundamental dos povos indígenas, forte em que a relação destes com seu habitat transcende a concepção de uma relação eminentemente civil e patrimonialista, constituindo-se em parte integrante de seus chamados direitos imemoriais, dentre os quais também se incluem as suas crenças, línguas, costumes e tradições, como expressamente definido no art. 231 da Constituição Federal.

5. É nesse cenário que o direito à posse da terra se consolida como um direito fundamental e originário, justamente porque era originária e imemorial a sua ocupação e porque ele instrumentaliza a proteção à própria identidade das comunidades indígenas. A garantia à posse da terra, portanto, não é apenas uma medida vertical de proteção do Estado dispensada a quem não se pode autodeterminar, mas, antes, o reconhecimento de um direito àqueles que ao longo do processo secular de colonização foram paulatinamente despojados de seus tradicionais locais de habitação, vendo, também com isso, ser perigosamente comprometida a sua própria identidade cultural.

6. A Constituição Federal garante ao Poder Judiciário a atuação pronta e independente nos conflitos de interesse que substanciem a ocorrência de lesão ou de ameaça de lesão a direito, conforme estabelecido no inciso XXXV do art. 5º do Texto Constitucional, dispositivo que estabeleceu o princípio da inafastabilidade da jurisdição, como um dos muitos mecanismos para a efetivação do Estado de Direito Democrático.

7. A atuação jurisdicional vindicada pelo Ministério Público Federal não objetiva a indevida substituição do Poder Executivo pelo Poder Judiciário na formulação de políticas públicas e na condução dos processos de demarcação das terras indígenas, porque a concepção da política pública em questão já foi previamente definida em suas linhas gerais pela própria Constituição Federal, vindo a ser validamente regulamentada pelo Poder Executivo mediante a edição do Decreto nº 1.775/1996, ditame normativo que em momento algum está sendo afastado ou manietado. Assim, a atuação jurisdicional provocada tem como causa a alegada mora do Estado-administração na adoção das medidas necessárias à concretização de uma política pública que já foi pregressamente concebida e normativamente operacionalizada. Inexistente, portanto, a alegada violação ao princípio da separação dos poderes.

8. Os tribunais pátrios edificaram a compreensão acerca da inaplicabilidade da cláusula da reserva do possível como justificativa para o não atendimento de direitos fundamentais, à conclusão de que, em relação a eles, o Estado não tem espaço para recusas ou esquivas, devendo se esforçar e se esmerar para que as decisões políticas fundamentais insertas na Norma Matriz sejam concretizadas a partir da determinação do constituinte originário para que assim viesse a ser feito.

9. Repetindo a regra presente no art. 128 do CPC de 1973, o legislador ordinário manteve no art. 141 do atual CPC a impossibilidade de o julgador decidir o mérito da lide desbordando dos limites propostos pelas partes, confirmando, assim, o descabimento do julgamento ultra e extra petita. Assim, inexistindo no feito pedido para que a União seja compelida a transferir numerário para a sua longa manus, essa lacuna não pode ser colmatada por ato de ofício do magistrado, sob pena de julgamento extra petita.

10. A fixação antecipada da multa pelo Juízo da origem não guarda harmonia com a orientação desta Corte, no sentido de ser descabida a imposição prévia desse gravame contra a Fazenda Pública, porquanto inexistente notícia ou indicativo de que o comando judicial viria a ser desrespeitado.

11. Apelações e remessa oficial parcialmente providas.

(TRF1 – APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO N. 0000624-56.2015.4.01.3202/AM – RELATOR : JUIZ FEDERAL ROBERTO CARLOS DE OLIVEIRA (CONV.) APELANTE : UNIAO FEDERAL PROCURADOR : MA00003699 – NIOMAR DE SOUSA NOGUEIRA APELANTE : FUNDACAO NACIONAL DO INDIO – FUNAI PROCURADOR : DF00025372 – ADRIANA MAIA VENTURINI PROCURADOR : SP00197436 – LUIZ FERNANDO VILLARES E SILVA APELADO : MINISTERIO PUBLICO FEDERAL PROCURADOR : BRUNO RODRIGUES CHAVES REMETENTE : JUIZO FEDERAL DA 1A VARA DA SUBSECAO JUDICIARIA DE TEFE – AM. Data do Julgamento: 8/11/2017).

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