Perda da nacionalidade brasileira por naturalização voluntária (em especial, a naturalização portuguesa)

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Perda da nacionalidade brasileira por naturalização voluntária (em especial, a naturalização portuguesa) | Juristas
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1. Introdução

É habitual encontrar casos de brasileiros que manifestam interesse em obter outra nacionalidade, seja porque residem no exterior, seja porque estão casados com cônjuges estrangeiros. Após certo tempo, e preenchidas as exigências legais para se naturalizar cidadão do Estado estrangeiro, a sedução em ter dois passaportes e, com isso, obter mais oportunidades num mundo cada vez mais globalizado é grande. Mas como fica a nacionalidade brasileira depois disso?

Inúmeras são as discussões e artigos publicados. A questão primordial é, particularmente, sobre uma eventual perda da nacionalidade brasileira. A página da Internet do Itamaraty informa:

Não há qualquer restrição quanto à múltipla nacionalidade de brasileiros. A nacionalidade brasileira não exclui a possibilidade de possuir, simultaneamente, outra nacionalidade. A perda de nacionalidade brasileira somente ocorrerá no caso de vontade formalmente manifestada pelo indivíduo. Em suma, ao tornar-se cidadão estrangeiro, por processo de naturalização, o cidadão brasileiro não perde automaticamente a cidadania brasileira, mas sim, passa a ter dupla cidadania: brasileira, por nascimento, e a estrangeira, por naturalização”. (Disponível em: http://www.portalconsular.itamaraty.gov.br/outros-servicos/nacionalidade-brasileira Acesso em 28 de janeiro de 2017).

A informação acima parece clara, mas não é tanto assim. Pode produzir equívocos, uma vez que não esclarece o ponto crucial: a naturalização voluntária não prevista nas exceções do artigo 12, parágrafo 4º, inciso II, b, da Constituição Federal de 1988, por si só, acarreta a perda da nacionalidade brasileira?

 

  1. Analisando a informação da página da Internet do Itamaraty

Vamos analisar a afirmação do Itamaraty em seu pormenor:

“Não há qualquer restrição quanto à múltipla nacionalidade de brasileiros. A nacionalidade brasileira não exclui a possibilidade de possuir, simultaneamente, outra nacionalidade”.

Brasileiros podem ter outras nacionalidades, sobretudo quando são nacionalidades originárias reconhecidas pelo Estado estrangeiro, mesmo que isso implique uma conduta ativa do cidadão (por exemplo, quando brasileiro solicita a nacionalidade originária portuguesa, por ser filho de portugueses. Essa solicitação é meramente formal, não é um ato de vontade em se tornar estrangeiro. É apenas um pedido para se declarar um direito que já é da pessoa em razão do seu nascimento).

Outros casos de múltipla nacionalidade podem ocorrer nas hipóteses em que o cidadão brasileiro seja obrigado a se naturalizar como condição para permanência ou para o exercício de direitos civis no território estrangeiro. Nessa hipótese, o brasileiro adquire uma outra nacionalidade e permanece com a brasileira, nos termos do artigo 12, parágrafo 4º, inciso II, b da CF/88. Ou seja, não há restrição quanto à múltipla nacionalidade de brasileiros. A nacionalidade brasileira não exclui a possibilidade de possuir, simultaneamente, outra nacionalidade, desde que estas nacionalidades sejam requeridas nas condições supracitadas impostas pela Constituição Federal.

“A perda de nacionalidade brasileira somente ocorrerá no caso de vontade formalmente manifestada pelo indivíduo. Em suma, ao tornar-se cidadão estrangeiro, por processo de naturalização, o cidadão brasileiro não perde automaticamente a cidadania brasileira, mas sim, passa a ter dupla cidadania: brasileira, por nascimento, e a estrangeira, por naturalização”.

(Reparem que esse parágrafo do site do Itamaraty está abaixo daquele que acabamos de comentar. E a interpretação deve ser feita de forma sistemática).

Os casos de perda da nacionalidade brasileira estão previstos na Constituição Federal. A regra é clara: adquiriu outra nacionalidade, perde a brasileira, salvo nos casos de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira ou de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis.

No entanto, a questão problemática é o caso da naturalização não englobada nas exceções: aquela pessoa que tem o visto de residência permanente, mas mesmo assim quer se naturalizar estrangeira ou o brasileiro que é casado com um estrangeiro e já preencheu os requisitos para se nacionalizar, se assim o quiser (e requerer).

Em se tratando de perda da nacionalidade brasileira por naturalização, nos termos do artigo 12, parágrafo 4º, inciso II, da Constituição Federal de 1988, a questão controversa é o que se pode interpretar como sendo ‘vontade manifestamente expressa’ de perder a nacionalidade brasileira. O Itamaraty afirma: “A perda de nacionalidade brasileira somente ocorrerá no caso de vontade formalmente manifestada pelo indivíduo”.

Essa ‘vontade formalmente manifestada’:

Seria uma declaração formal específica dizendo que quer perder a nacionalidade brasileira, entregue às autoridades do país no qual se naturalizou ou enviada ao Brasil?

Seria o mero juramento de lealdade à bandeira do país no qual se naturalizou (procedimento de praxe durante o processo de naturalização em alguns países, como os EUA e a Suíça)?

Ou o próprio pedido de naturalização, por si só, destituído de qualquer declaração específica de intenção de perda da nacionalidade brasileira, pode ser entendido como vontade manifestamente expressa?

Sabe-se que a naturalização constitui um ato de aquisição de nacionalidade derivada. A pessoa requer que lhe seja concedida a nacionalidade estrangeira. Em regra, tal ato é voluntário: a pessoa pede por livre vontade. Francisco Resek cita um caso hipotético, mas bastante elucidativo:

Se, ao contrair matrimônio com um francês, uma brasileira é informada de que se lhe concede a nacionalidade francesa em razão do matrimônio, a menos que, dentro de certo prazo, compareça ela ante o juízo competente para, de modo expresso, recusar o benefício, sua inércia não importa naturalização voluntária. Não terá havido, de sua parte, conduta específica visando à obtenção de outro vínculo pátrio, uma vez que o desejo de contrair matrimônio é, por natureza, estranho à questão da nacionalidade. Nem se poderá imputar procedimento ativo a quem não mais fez que calar. 

No caso acima, não houve ato volitivo, não houve pedido para se naturalizar. Não houve nenhuma vontade manifestamente expressa (nem no sentido de se naturalizar, tão pouco no sentido de perder a nacionalidade brasileira).

Pode haver hipóteses onde a naturalização seja concedida automaticamente à pessoa, sem que essa tenha manifestado sua vontade em adquirir a nacionalidade estrangeira (no caso de nacionalidades originárias, por exemplo). Se o brasileiro adquire outra nacionalidade pelo fato de o Estado estrangeiro reconhecer a nacionalidade originária (ex.: brasileiro filho de portugueses, por exemplo, é português, pois Portugal reconhece a nacionalidade originária pelo critério do jus sanguinis), não perde a nacionalidade brasileira. E nem deveria, pois a pessoa não tem ‘culpa’ de o outro Estado reconhecê-la como nacional.

Já no caso de aquisição derivada, voluntária (a pessoa pede para se naturalizar), a Constituição Federal de 1988 determina que só não haverá perda da nacionalidade se o Estado estrangeiro impuser que a pessoa se naturalize para que ela possa permanecer em seu território ou que haja imposição  da naturalização para que a pessoa exerça os direitos civis. Quaisquer outros casos implicaria na perda na nacionalidade brasileira.

Francisco Resek explica que, para que acarrete a perda da nacionalidade brasileira, a naturalização voluntária, no exterior, deve necessariamente envolver uma conduta “ativa e específica”, e cita o exemplo do casamento:

“Outra seria a situação se, consumado o matrimônio, a autoridade estrangeira oferecesse, nos termos da lei, à nubente brasileira a nacionalidade do marido, mediante simples declaração de vontade, de pronto reduzida a termo. Aqui teríamos autêntica naturalização voluntária, resultante do procedimento específico – visto que o benefício não configurou efeito automático do matrimônio –, e de conduta ativa, ainda que consistente no pronunciar de uma palavra de aquiescência”.

Ou seja, para Resek, o simples fato de se requerer a nacionalidade estrangeira, nesse caso, configura vontade formalmente manifestada pelo indivíduo. E, portanto, haveria perda da nacionalidade brasileira conforme estabelecido pelo Itamaraty: “A perda de nacionalidade brasileira somente ocorrerá no caso de vontade formalmente manifestada pelo indivíduo”.

Valério Mazuolli corrobora esse entendimento. A solicitação voluntária de nacionalidade estrangeira nos casos não previstos na exceção constitucional (alíneas a e b, do § 4º, II, do art. 12, da CF/88) acarreta a perda da nacionalidade brasileira. E, para o autor, não importam os motivos pelos quais se adquiriu outra nacionalidade (se decorrente de casamento ou do fato de já residir por bastante tempo num país estrangeiro). O que importa é que o brasileiro que esteja nessas condições, ao solicitar de forma voluntária a naturalização, o fez por livre vontade e, portanto, perderá a nacionalidade brasileira:

É indiferente que o brasileiro queira continuar tendo a nossa nacionalidade, uma vez que a perda do vínculo com o Estado brasileiro se dá como punição pela deslealdade com o nosso país”.

Entende-se que a aquisição de nacionalidade portuguesa por brasileiro que casa com um português é uma declaração expressa da vontade de perder a nacionalidade brasileira, pois decorreu de uma conduta ativa e específica do requerente em se tornar nacional de outro Estado, portanto, uma vontade formalmente expressa.

Assim sendo, o mero requerimento para se naturalizar, o simples pedido de naturalização nos casos não previstos no artigo 12, § 4º, II, alíneas a e b, da CF/88 é entendido como uma vontade manifestamente expressa.

‘Mas eu só pedi a nacionalidade estrangeira, nunca desejei perder a brasileira! Aliás, não perdi. Tenho os dois passaportes’.

Essa afirmação é bastante alegada. Aliás, os debates sobre esse tema são bastante acalorados, sobretudo por aqueles já naturalizados, que desconhecem ou se recusam a admitir a real intenção do constituinte, preferindo acreditar no que desejam que seja a verdade.

O Supremo Tribunal Federal, em recente Acórdão referente ao Mandado de Segurança 33.864, decidiu que um brasileiro pode perder a nacionalidade e até ser extraditado, desde que venha a optar, voluntariamente, por nacionalidade estrangeira (Acórdão disponível em: http://s.conjur.com.br/dl/acordao-ms-33864.pdf). Tratou-se de uma brasileira que adquiriu nacionalidade norte-americana voluntariamente, perdendo a brasileira.

O Acórdão estabelece: “muitos Estados concedem nacionalidade pelos mais variados critérios, como pela religião, como honraria, e em razão do casamento com nacional. Não é o caso dos Estados Unidos da América, ou mesmo do Brasil, em que o casamento, quando muito, possibilita a obtenção do visto de permanência... Como se vê do que admitido na própria impetração, tendo a impetrante se casado com nacional norte-americano em 1990, o senhor Thomas Bolte, foi-lhe concedida, naquele país, autorização para permanência, trabalho, e gozo de direitos civis, tornando-se, assim, absolutamente desnecessária a obtenção da nacionalidade norte-americana, requerida em 1999. Após tornar-se residente de forma permanente nos Estados Unidos da América, não se lhe exigia naturalização para fins de permanecer no país... Assim, desnecessária a obtenção da nacionalidade norte-americana para os fins que constitucionalmente constituem exceção à regra da perda da nacionalidade brasileira (alíneas a e b, do § 4º, II, do art. 12, da CF), sua obtenção só poderia mesmo destinar-se à integração da ora impetrante àquela comunidade nacional, o que justamente constitui a razão central do critério adotado pelo constituinte originário para a perda da nacionalidade brasileira, critério este, repise-se, não excepcionado pela emenda 03/94, que introduziu as exceções previstas nas alíneas a e b, do § 4º, II, do art. 12, da CF. Por outro lado, de se ressaltar que não se cuida, nestes autos, de outra nacionalidade concedida pelo Estado estrangeiro, com fundamento em seu próprio ordenamento jurídico, independentemente de pedido formulado pelo naturalizado, o que, acaso ocorresse, não poderia, a toda evidência, provocar o efeito constitucionalmente previsto no ordenamento brasileiro. Trata-se, pelo contrário, de naturalização efetivamente requerida pela impetrante... Em outras palavras: trata-se de manifestação de vontade inequívoca de adquirir outra nacionalidade”.

E sobre a falta de desejo de perder a nacionalidade brasileira ao se naturalizar estrangeiro, o Acórdão, ainda completa: “Também não encontra guarida o argumento de que, nada obstante tenha postulado outra nacionalidade, nunca desejou, efetivamente, ser privada de sua nacionalidade brasileira, porquanto sempre cumprira suas responsabilidades no Brasil, notadamente as fiscais e eleitorais. A Constituição Federal não cuida da hipótese de quem, sem se enquadrar nas exceções nela previstas, adquire outra nacionalidade sem que, no seu íntimo, desejasse fazê-lo como se se estivesse a tratar de uma reserva mental”. Ou seja: a psiquê humana está fora do alcance constitucional!

Em Portugal, da mesma forma, não há nenhuma exigência de aquisição de nacionalidade portuguesa para que nós, brasileiros, permaneçamos aqui (aliás, há o visto de residência permanente concedido pelas autoridades portuguesas). Para além disso, há o estatuto da igualdade, onde os brasileiros podem exercer todos os direitos civis (inclusive políticos, se desejarem). Ou seja, também não há que se falar em obrigatoriedade de se naturalizar português para exercer os direitos civis, o que descarta a exceção prevista na segunda alínea do Art. 12, § 4o, II CF/88. Nesses casos, valho-me do entendimento do Supremo Tribunal Federal: o brasileiro detentor de autorização de residência permanente em Portugal (seja em consequência de matrimônio, de trabalho ou outro motivo) não possui nenhuma necessidade de obter a nacionalidade portuguesa. Se solicitar a naturalização, fará com o objetivo de obter um vínculo pátrio, com a intenção de se integrar inteiramente na comunidade portuguesa. É essa preferência voluntária por outra nacionalidade que a Constituição Federal pune.

Qualquer ato de vontade do brasileiro em se tornar português por naturalização (em razão do casamento, ou por morar muitos anos em Portugal) faz sim com que haja perda da nacionalidade brasileira, pois não há que se falar em enquadramento nas exceções previstas na Constituição.

Qualquer esforço para defender o contrário é geralmente acompanhado de uma interpretação forçada das exceções previstas na Constituição, geralmente motivadas por interesses pessoais em defender o indefensável: há perda da nacionalidade, sim e, se antes a perda dependia de processo no Ministério da Justiça, o atual entendimento é que agora a perda é automática, com efeitos desde o dia que se obtém a naturalização (a publicação da perda da nacionalidade em Diário Oficial da União é meramente declaratória).

Mas vamos continuar analisando as informações da página da Internet do Itamaraty:

“Perda de Nacionalidade

Em consequência da Emenda Constitucional de revisão nº 3, de 09/06/94, não são mais passíveis de perder a nacionalidade brasileira aqueles cidadãos que adquirirem outra nacionalidade em consequência de imposição de naturalização pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em Estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis.

Assim sendo, somente será instaurado processo de perda de nacionalidade quando o cidadão manifestar expressamente, por escrito, sua vontade de perder a nacionalidade brasileira. Caso contrário não ocorrerá processo de perda de nacionalidade”.

Antes da Emenda Constitucional de revisão no 3, de 1994 qualquer naturalização ensejava perda da nacionalidade brasileira. A Emenda Constitucional de revisão no 3 introduziu duas exceções: não perdem a nacionalidade brasileira aqueles cidadãos que adquirirem outra nacionalidade em consequência de imposição de naturalização pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em Estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis.

Nessas duas hipóteses, o brasileiro não tem escolha: ele é obrigado a se naturalizar para permanecer no país estrangeiro e não podendo ser penalizado com a perda da nacionalidade brasileira em razão de uma obrigatoriedade imposta pela lei estrangeira. Entretanto, se o brasileiro que se naturaliza dentro dessas duas hipóteses excepcionais previstas no artigo 12, §4º, II, alínea b da CF/88 quiser perder a nacionalidade brasileira, basta manifestar expressamente, por escrito, sua vontade de perder a nacionalidade brasileira e será instaurado o processo de perda da nacionalidade.

 

  1. Dos efeitos da perda da nacionalidade brasileira

‘Eu sou casado com uma portuguesa, requeri e obtive a nacionalidade portuguesa em razão do matrimônio e não aconteceu nada, ainda voto e tenho o passaporte brasileiro. Portanto, não perdi a nacionalidade brasileira’.

Conforme já explicado, a naturalização voluntária não prevista nas exceções do artigo 12, parágrafo 4º, inciso II, b, da Constituição Federal de 1988, por si só, acarreta a perda da nacionalidade brasileira, uma vez que o mero requerimento da nacionalidade estrangeira é entendido como ato de vontade formalmente manifestada.

Nesses casos, confundem-se os efeitos da perda da nacionalidade brasileira com a perda propriamente dita. É que, na prática, raramente os efeitos dessa perda são sentidos. É comum ver as pessoas exercendo direitos civis e políticos nos dois países; é usual ver pessoas portando os dois passaportes (o brasileiro e o estrangeiro).

Quando o Itamaraty,  informa que o brasileiro que adotar voluntariamente outra nacionalidade não perderá automaticamente a nacionalidade brasileira, está se referindo aos efeitos dessa perda. Entretanto, a perda já ocorreu com a naturalização, conforme estabelece a Constituição Federal de forma inequívoca.

Causa estranheza que essa informação esteja de forma tão dúbia no site do Itamaraty. O informe está impreciso de tal modo que as pessoas, quando lêem o disposto no site, acreditam que não há perda da nacionalidade brasileira nos casos não previstos nas exceções do artigo 12, parágrafo 4º, inciso II, b, da Constituição Federal de 1988. É importante que as informações sobre o tema contidas em páginas da Internet mantidas pelo Governo brasileiro estejam de forma clara e reflitam o que dispõe a Constituição Federal: que há a perda, mas que o brasileiro que adotar voluntariamente outra nacionalidade não sentirá automaticamente os efeitos da perda da nacionalidade brasileira.

Se a perda ocorreu com a naturalização, quando esses efeitos poderão ser sentidos? Esses efeitos poderão ser sentidos, dentre outros motivos, quando, por exemplo, a pessoa precisar do Estado Brasileiro por algum motivo OU quando pretender exercer algum cargo privativo de brasileiro OU quando o Governo brasileiro decidir fazer um controle sobre o assunto OU quando a pessoa naturalizada tiver um problema sério no país onde se naturalizou e precisar invocar a sua nacionalidade brasileira.

Essa última hipótese foi o que ocorreu com a brasileira que adquiriu nacionalidade norte-americana no caso do Acórdão referente ao Mandado de Segurança 33.864. A impetrante do Mandado de Segurança, ao invocar a nacionalidade brasileira, teve a segurança denegada e o Supremo Tribunal Federal reiterou a perda da nacionalidade, autorizando a sua extradição para os Estados Unidos.

O brasileiro que adotar voluntariamente outra nacionalidade não sentirá automaticamente os efeitos da perda da nacionalidade brasileira, mas contra ele poderá ser instaurado, a qualquer tempo, um processo administrativo no âmbito do Ministério da Justiça, e será declarada a perda da nacionalidade brasileira se não restar comprovado que a naturalização ocorreu em uma das hipóteses de exceção previstas no artigo 12, parágrafo 4o, II da Constituição Federal. Tal processo pode ser instaurado pelo próprio brasileiro ou de ofício pela Divisão de Nacionalidade e Naturalização do Ministério da Justiça, quando esta toma conhecimento formalmente da aquisição voluntária de outra nacionalidade por um brasileiro. Comumente, os processos administrativos de declaração da perda de nacionalidade são  encaminhados ao Ministério da Justiça via Consulado/Itamaraty.

Entretanto, depreende-se da Constituição Federal de 1988, do entendimento do Ministério da Justiça, do Supremo Tribunal Federal e da doutrina constitucional brasileira que a perda da nacionalidade é automática e independe de processo administrativo. A perda da nacionalidade se deu com a própria naturalização e não com a publicação da Portaria que declara a perda (que pode nunca ocorrer, na verdade, uma vez que, na prática, raramente os Consulados e o Itamaraty mandam para o Ministério da Justiça a lista dos brasileiros que se naturalizaram estrangeiros fora das exceções previstas no artigo 12, parágrafo 4o, II da CF/88).

 

  1. Considerações Finais

Quando um brasileiro pede para se naturalizar e não está abrangido nas exceções do artigo 12, parágrafo 4o, II da CF/88, há perda automática da nacionalidade brasileira, pois o pedido para se naturalizar estrangeiro derivou de uma conduta ativa, uma declaração expressa em obter outra nacionalidade.

Todavia, os efeitos práticos oriundos da perda (privação do passaporte brasileiro e do direito de voto, por exemplo) dependem da instauração do processo administrativo no âmbito do Ministério da Justiça e da consequente publicação da perda da nacionalidade do Diário Oficial da União.

A escolha em se naturalizar fora das exceções do artigo 12, parágrafo 4o, II da CF/88 é pessoal. Obviamente, há várias desvantagens na perda da nacionalidade brasileira, sobretudo num mundo com tanta instabilidade política, ameaças de guerras, atentados terroristas. É importante estar informado sobre os possíveis efeitos de uma eventual aquisição da nacionalidade estrangeira fora das exceções constitucionais.

Entretanto, a solução constitucional não é justa. Um brasileiro que se naturaliza estrangeiro fora das exceções do artigo 12, parágrafo 4o, II da CF/88, em regra, não comete nenhuma deslealdade com o Brasil, não quer romper os laços com a nação brasileira, mas pretende somente melhorar suas condições de vida e se integrar melhor à comunidade do país onde está a viver. É urgente que se proceda a uma reforma constitucional no sentido de se admitir a naturalização estrangeira em qualquer hipótese, sendo facultada ao brasileiro que se naturaliza estrangeiro a opção de requerer formalmente a perda da nacionalidade brasileira somente quiser.

 

Notas finais:

 

  1. Quem define os casos de perda de nacionalidade de seus cidadãos é a legislação de cada Estado. Assim, quem define os casos de perda de nacionalidade brasileira é a legislação brasileira, no caso, a Constituição Brasileira. Deste modo, embora a legislação portuguesa estabeleça que o brasileiro que adquirir voluntariamente a nacionalidade portuguesa ainda terá reconhecida a sua nacionalidade originária brasileira, isso somente significa que, para o Estado português, a pessoa continua sendo brasileira, não perde a nacionalidade originária. Mas a interpretação portuguesa não importa, pois, novamente: quem define os casos de perda de nacionalidade de seus cidadãos é a legislação de cada Estado. Para o Estado brasileiro, a pessoa não abrangida nas exceções do art. 12, parágrafo 4°, II da CF/88 que se naturalizar portuguesa perde a nacionalidade

 

  1. Há a possibilidade de reaver a nacionalidade brasileira perdida em virtude do disposto no artigo 12, II da Constituição Federal de 1988. Caso haja dúvidas sobre a perda e a reaquisição da nacionalidade brasileira, contatem formalmente o Ministério da Justiça para melhores esclarecimentos: Ministério da Justiça, Departamento de Nacionalidade – Esplanada dos Ministérios Bloco T – Anexo II – Sala T3 70.064-900 – Brasília-DF.
Helena Telino Neves
Helena Telino Neves
Advogada. Bióloga. Professora Universitária. Investigadora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Doutoranda em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

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