Confirmada condenação por importação de aeronave sem pagamento de tributo

Data:

Avião ingressou no território nacional pelo regime aduaneiro de admissão temporária para não pagar impostos

A Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) confirmou decisão da Justiça Federal em Jales/SP que condenou, pelo crime de descaminho, um empresário brasileiro que deixou de pagar tributos de importação de uma aeronave.  Com o objetivo de iludir os impostos devidos, o avião foi mantido em depósito e exposto à venda, após ingressar no território brasileiro por regime aduaneiro especial de admissão temporário.

A aeronave de Tipo BE 58 entrou em território nacional pela primeira vez em 4 de junho de 2003 pelo regime de admissão temporário, segundo o qual a internalização do bem não corresponde a uma operação de importação. O sistema especial é utilizado, em regra, quando os proprietários ou usuários vêm do exterior e se encontram em solo pátrio para fins de turismo ou negócios.

Neste caso, é expedido Termo de Admissão Temporária, com prazo de permanência previsto de forma taxativa. No processo em questão, foi concedido o prazo de 60 dias para a permanência da aeronave em território nacional. O ingresso não poderia se dar com finalidade comercial, o que acarretaria regime diverso, nem de permanência definitiva ou revenda, o que caracterizaria o ingresso como importação do bem.

Por não respeitar os dispositivos da legislação, o Ministério Público Federal (MPF) ofereceu denúncia contra o empresário, afirmando que houve fraude ao regime especial de suspensão do imposto de importação e dano ao erário. “Restou caracterizado que o denunciado utilizou-se do instituto da admissão temporária para reforma da aeronave, por meio de importação irregular, quando na verdade se pretendia a comercialização dela”, alegou o MPF.

Em primeira instância, a denúncia foi recebida e o empresário condenado pelo crime do artigo 334, parágrafo 1º, letra c, do Código Penal (na redação anterior à Lei 13.008/14). No TRF3, o relator do processo, desembargador federal José Lunardelli, ressaltou que a aeronave fez diversas viagens/trechos nacionais e internacionais, no período descrito na denúncia.

Para o magistrado, a sequência de entradas e saídas registradas pelas autoridades fiscais e aeroportuárias brasileiras denota que a operação realizada foi de internalização definitiva do bem em território nacional. “Nota-se que há uma tentativa de mascarar a verdadeira natureza da operação por meio de várias operações de saída do território nacional”, disse.

No acordão, o desembargador federal declarou que ficou claro que o empresário importou a aeronave com ilusão total dos tributos devidos. Utilizou-se, para isso, de artifício que consistia na simulação de seguidas “admissões temporárias” da aeronave, como se tratasse de diversos usos desta para fins de negócios ou turismo dos proprietários ou utilizadores do bem. Tudo teria sido feito com o intuito de revender o bem sem o pagamento anterior dos tributos incidentes sobre sua internalização efetiva e com intuito de permanência no território pátrio.

“O dolo exsurge cristalino nesse contexto, tendo em vista a sequência deliberada e cuidadosamente planejada de atos, praticados pelo réu ou por ele comandados, que visavam a garantir a permanência da simulação de que a aeronave se enquadrava em condições de admissão temporária, tudo com o intuito específico de iludir impostos que incidiriam caso se descobrisse que houve, na verdade, internalização do bem na qualidade jurídica de importação”, ressaltou.

Para ele, o argumento da defesa de que não houve dolo não se sustenta, porque se trata justamente do oposto. Pelo contrário, os seguidos pedidos do empresário foram para garantir a importação, manutenção em depósito e exposição à venda do bem descaminhado em território nacional sem o pagamento dos impostos devidos. Isso faria as autoridades crerem que se tratava de mera permanência temporária, admitida pelo ordenamento sob requisitos específicos, em ato que não configuraria importação.

“A prática visou a legitimar falsamente sua conduta, descaracterizando aos olhos dos órgãos competentes (mediante o expediente fraudulento descrito) a verdadeira natureza do ato: a de um ato de importação, seguido de manutenção em depósito e exposição à venda de um produto sabidamente internalizado com ilusão dos impostos devidos”, finalizou.

Leia o Acórdão.

Apelação Criminal 0000743-39.2006.4.03.6124/SP

Autoria: Assessoria de Comunicação Social do TRF3
Fonte: Tribunal Regional Federal da 3ª Região

Ementa:

DIREITO PENAL. DESCAMINHO. AERONAVE. PRELIMINARES. REJEIÇÃO. AUTORIA, MATERIALIDADE E DOLO. COMPROVAÇÃO. DOSIMETRIA. ALTERAÇÕES.
1. Recursos de apelação interpostos pelo réu e pelo Ministério Público Federal contra sentença por meio da qual foi condenado o primeiro apelante pela prática do delito tipificado no art. 334, § 1º, c, do Código Penal (na redação anterior à Lei 13.008/14).
2. Preliminares suscitadas pela defesa. Rejeição.
2.1 Tendo em vista a constituição válida e por procuração de advogados nos autos, que representou o réu e exerceu a plena defesa técnica, tem-se ato de comparecimento espontâneo. Nos casos de comparecimento espontâneo, tem-se o preenchimento material efetivo e completo da função do ato citatório, qual seja, o de dar ciência ao réu a respeito da existência de processo em face dele ajuizado e de seus termos, oportunizando ao acusado a ampla defesa, o que torna despiciendo o ato formal de citação. Precedente do C. STJ. Ainda que assim não fosse, o réu foi citado nos Estados Unidos da América, no âmbito de pedido de cooperação formulado pelo órgão a quo e executado nos termos do Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal Brasil-Estados Unidos.
2.2 Os procedimentos específicos de cumprimento da citação em país estrangeiro, em especial quando isso se dá no âmbito de pedidos de cooperação jurídica internacional, se dão nos termos da legislação de regência do país que cumprirá o pedido de cooperação, desde que tais regras não firam as próprias garantias básicas dos réus conforme estabelecidas pelo ordenamento pátrio, caso em que se teria diligência nula (para fins de sua aptidão probatória em processos sob jurisdição brasileira).
2.3 Inexiste inépcia da denúncia no caso concreto. A peça preenche os requisitos previstos no art. 41 do Código de Processo Penal.
3. Autoria, materialidade e dolo comprovados. Provas documental, testemunhal e interrogatório extrajudicial do réu. Réu que importou aeronave, a manteve em depósito e a expôs à venda, tudo simulando que se tratava de operações submetidas ao regime aduaneiro especial de admissão temporária, de maneira a iludir os impostos devidos.
4. Dosimetria.
4.1 Consequências do crime e culpabilidade negativamente valoradas. Alto valor do bem e, consequentemente, dos impostos iludidos mediante a prática delitiva. Conduta típica executada com grau de elaboração logística e intelectual que fogem ao ordinário. Pena-base majorada.
4.2 Mantido o reconhecimento de incidência da atenuante prevista no art.65, III, d, do Código Penal. Patamar de redução da pena aumentado, de ofício, para a fração de 1/6 sobre a pena-base.
4.3 Mantida a substituição da pena nos mesmos termos previstos na sentença.
5. Recurso ministerial parcialmente provido. Recurso defensivo desprovido.
(APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000743-39.2006.4.03.6124/SP – 2006.61.24.000743-0/SP, RELATOR: Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI, APELANTE: JOÃO LUIZ MALAGO, ADVOGADO: SP053395 WANDERLEY GARCIA e outro(a), APELANTE: Justiça Pública, APELADO(A): OS MESMOS, NÃO OFERECIDA DENÚNCIA: SKYLEADER ASSESSORIA AERONÁUTICA LTDA, No. ORIG.: 00007433920064036124 / 1 Vr JALES/SP)

Wilson Roberto
Wilson Robertohttp://www.wilsonroberto.com.br
Advogado militante, bacharel em Administração de Empresas pela Universidade Federal da Paraíba, MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas, professor, palestrante, empresário, Bacharel em Direito pelo Unipê, especialista e mestre em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa. Atualmente é doutorando em Direito Empresarial pela mesma Universidade. Autor de livros e artigos.

Deixe um comentário

Compartilhe

Inscreva-se

Últimas

Recentes
Veja Mais

Concessionária de energia é condenada a indenizar usuária por interrupção no fornecimento

A 33ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a condenação de uma concessionária de energia ao pagamento de R$ 10 mil por danos morais a uma usuária que ficou sem fornecimento de energia elétrica por quatro dias, após fortes chuvas na capital paulista em 2023. A decisão foi proferida pelo juiz Otávio Augusto de Oliveira Franco, da 2ª Vara Cível do Foro Regional de Vila Prudente.

Homem é condenado por incêndio que causou a morte do pai idoso

A 3ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou a condenação de um homem pelo crime de incêndio que resultou na morte de seu pai idoso. A decisão, proferida pela Vara Única de Conchal, reduziu a pena para oito anos de reclusão, a ser cumprida em regime fechado.

Remuneração por combate a incêndio no Porto de Santos deve se limitar ao valor do bem salvo

A 9ª Vara Cível de Santos condenou uma empresa a pagar R$ 2,8 milhões a outra companhia pelos serviços de assistência prestados no combate a um incêndio em terminal localizado no Porto de Santos. O valor foi determinado com base no limite do bem efetivamente salvo durante a operação.

Casal é condenado por expor adolescente a perigo e mantê-lo em cárcere privado após cerimônia com chá de ayahuasca

A 13ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) confirmou a condenação de um casal pelos crimes de sequestro, cárcere privado e exposição ao perigo à saúde ou vida, cometidos contra um adolescente de 16 anos. A decisão, proferida pela juíza Naira Blanco Machado, da 4ª Vara Criminal de São José dos Campos, fixou as penas em dois anos e quatro meses de reclusão e três meses de detenção, substituídas por prestação de serviços à comunidade e pagamento de um salário mínimo.