TENTÁCULOS ALGORÍTMICOS DO SUBMUNDO SOBRE A SUPERFÍCIE

Data:

I CIBERCULTURA E IDEOLOGIA

A cibercultura é a cultura contemporânea estruturada pelas tecnologias digitais marcada pela dominação ideológica. Neste horizonte epocal, o ciclo da ideologia se cumpre com a necrose do pensamento crítico em prol da subserviência de corpos dóceis. O ódio ao pensamento é expresso pela ausência de questionamento da realidade. O drama silencioso da época em curso abarca a zona de conforto dos tiranos: as discussões,  disputas e conflitos estão no lodo da invisibilidade. A perversão foi naturalizada como modelo de mundo.

De acordo com a pesquisadora Marilena Chauí (2023), a ideologia é a expressão da dominação de uma classe sobre outra. Trata-se de um sistema de ilusões que desliza sobre a superfície da sociedade cujo objetivo principal é tornar a dominação invisível.

A lógica em questão está no fato de que caso a dominação de uma classe sobre a outra for diretamente percebida há risco dos oprimidos se revoltarem contra os opressores. Portanto, é tarefa da ideologia ocultar suas intenções políticas e econômicas, promovendo uma narrativa homogênea de que todos os indivíduos são livres e iguais, e que se relacionam espontaneamente dentro de um sistema completamente abstrato.

Para tanto, as ideias aparecem como se tivessem vida própria, e não como se estivessem sido estrategicamente embutidas. Essas “ideias sem autor” (CHAUÍ, 2023) surgem como uma explicação da realidade, que orientam os atores sociais sobre a vida cotidiana. Esse conjunto articulado de ideias é encarregado de silenciar os discursos de oposição, implodindo sobre o social um único discurso: o da classe dominante.

Posto isso, o artigo objetiva refletir sobre a gravidade histórica da expansão dos tentáculos do submundo sobre a superfície das redes interativas.

II SUBMUNDO E MEIOS DE COMUNICAÇÃO

O oligopólio cibercultural do submundo é compreendido pelos sites de pornografia (1996), webcamming (1998), e packs eróticos (2016). Tratam-se de grandes estruturas de poder, controladas por proprietários ocultos, com operações invisíveis de mercado, que sobrevivem a base da violência contra a mulher.

Na atualidade, os meios de comunicação (de massa, híbridos e interativos) influenciam diretamente valores e comportamentos, individuais e coletivos. A sedução fabricada pela mídia produz um efeito hipnótico sobre a perspectiva crítica do sujeito, limitando a exuberância da realidade para recortes estratégicos. Assim, estereótipos de consumo são confundidos como representativos da totalidade de determinando fenômeno.

Considerando a visibilidade mediática (TRIVINHO, 2007) como parte intrínseca do processo civilizatório vigente, a proposta do submundo consiste em negociar com os meios de comunicação, e assim utilizar o espaço público da rede para modelagem de um simulacro de submundo.

Para tanto, a comunicação empresarial do submundo utiliza-se do desvio semântico proposital entre sobrevivência financeira (poder de compra) e “empoderamento feminino” (poder de escolha). Assim, controle do outro é vendido como “interação com o outro”.

Essa ideologia atende a interesses econômicos e políticos cuja intenção é a manutenção do status quo, e não uma fotografia da realidade — insalubre — do submundo. A eficácia do curto-circuito do submundo sobre o imaginário social depende deste esquema. Portanto, a estrutura é bem organizada. Para tanto, é essencial que os meios de comunicação digitais sejam cúmplices da barbárie e propaguem a desinformação (fake news). Sendo assim, o ciclo da reprogramação do imaginário envolve uma relação direta entre o poder das empresas do submundo e o controle dos meios de comunicação pelos feeds algorítmicos em tempo real.

III TENTÁCULO DOS SUBMUNDO SOBRE A SUPERFÍCIE

Em regime de colaboração, a cadeia de comando dos sites adultos organiza-se desde 2016 para a expansão dos seus tentáculos para a superfície das redes interativas. Com a epidemia da COVID-19, os sites de vendas de “packs” eróticos invadiram os meios de comunicação com discursos cínicos, tentando implantar no corpo social a ilusão de que a tirania da indústria adulta digital é sinônimo de “empoderamento feminino”, “liberdade” e “empreendedorismo”.

Entre 2020 a 2023 inúmeras notícias “jornalísticas” propagam essas fake news,  apresentando supostos "aspectos positivos" sobre este pântano digital. Todavia, a sociedade normativa não é informada que essas notícias são oriundas de parcerias pagas entre o submundo e a superfície. Trata-se, portanto, de uma prática social planejada pela classe dominante (os proprietários ocultos dos sites adultos) e não de um reflexo da realidade.

A ideologia do submundo está embutida nos textos, imagens e vídeos estrategicamente veiculados na rede. A ameaça é grave para as bases democráticas em escala planetária. No caso do Brasil a questão especialmente preocupante, pois opera-se em monopólio oligárquico. Isto é, há apenas uma plataforma, regida por um proprietário oculto e seus associados invisíveis, no comando de todos os classificados eróticos da rede.

A partir de 2023, o submundo-BR encontra-se em parceria com a superfície dos meios de comunicação digitais. Sabe-se, até o momento, que +1,000 portais jornalísticos do país já estão contaminados por bots do submundo adulto. Isso significa que as matérias publicadas nos portais informativos são viralizadas como chamadas para sites eróticos.

O cenário draconiano envolve a problemática do oligopólio das Big Techs armazenar os dados pessoais da sociedade normativa. Na parceria com o submundo, esses dados passam a ser veiculados na rede em associação a conteúdos eróticos. Como o submundo apropriou-se de parte dos meios de comunicação da superfície, os portais de comunicação alegam que o uso dos dados é para produção jornalísticos, esquivando-se, assim, das responsabilidades jurídicas. A tendência é o caos coletivo, a insalubridade dos meios de comunicação digital, a dissuasão de fake news incalculáveis por meio da violência obliterada das redes.

Neste ponto da argumentação, não é preciso dizer os empresários ocultos evitam tornarem-se foco das atenções. Para tanto, utilizam-se de arranjos societários para se manterem em sigilo.  Todavia, a relação entre sócio e empresa é uma informação pública. Todo nome de domínio de site adulto é um nome fantasia. Para identificar qual é o titular de um site adulto é preciso identificar a razão social e/ou CNPJ de cada empresa (aquele que está no contrato de prestação de serviço), e assim procurá-la em ferramentas de busca (como Google) e a resposta será encontrada. O site de busca revelará informações relevantes, como associação da empresa em outros países do globo, capital envolvido, etc.

IV CONSIDERAÇÕES FINAIS

O submundo da cibercultura é espalhafatoso e, ao mesmo tempo, silencioso. Permeia todas as formas de autoritarismo, inclui a naturalização de condutas criminosas e a invisibilidade dos mandantes das empresas. A apropriação dos meios de comunicação é essencial para irradiar confusões no imaginário social. Assim, o submundo destrona o signo do seu significante até provocar a reprogramação dos fluxos simbólicos da cultura. Não sem motivos, é regido por diversos tipos e níveis de desigualdade, causando uma devastação que entrega o futuro do processo civilizatório ao deleite de uma corrosão irreversível.

Apreciando, com serenidade, todas as cartas elencadas, constata-se que toda sociedade normativa se tornou refém dos tentáculos do submundo. A gravidade do cenário deixa evidente que a indústria adulta digital é um objeto de estudo em constante movimento que retroage na vida cotidiana de todo corpo social. Portanto, é dever da ciência situar-se de modo crítico contra o modus operandi deste pântano digital, chafurdado pelo esgoto do cinismo empresarial e do sombrio da alma.

 

REFERÊNCIAS

CHAUÍ, M.  AULA MAGNA "O que é ideologia? Entenda a origem, os mecanismos, os fins e os efeitos sociais, econômicos e políticos deste mascaramento da realidade social”. Transmissão no dia 07 de abril de 2023. Disponível em: https://event.webinarjam.com/t/click/m193lanzu2w9u03xprs9yvz5c6v79xc465hg

MAGOSSI, P.G. Tentáculos do submundo sobre a superfície. In: Portal Juristas — ISSN: 1808-8074. Publicado em 10 de julho de 2023. p. 1-4. Disponível em: https://juristas.com.br/2023/07/10/tentaculos-algoritmicos-do-submundo-sobre-a-superficie/

MAGOSSI, P.G. Sites eróticos e crimes digitais: a mulher como vítima do contrato de prestação de serviços do submundo adulto. In: Revista Acadêmica ABRACRIM-MULHER (Associação Brasileira de Advogadas Criminalistas). Edição de comemoração dos 30 anos da ABRACRIM: Defesa da mulher no processo penal: vivências — a mulher como vítima e acusada. Brasília/DF. Publicado em 14 de junho de 2023. p. 100-112. Disponível em: https://web.abracrim.adv.br/revista-abracrim-2023-interativa/

MAGOSSI, P.G. Reprogramação algorítmica da sexualidade. In: Portal Juristas — ISSN: 1808-8074. Publicado em 03 de junho de 2023. p.1-5. Disponível em:https://juristas.com.br/2023/06/03/reprogramacao-algoritmica-da-sexualidade/

MAGOSSI, P.G. Vigilância algorítmica das redes interativas. In: Portal Juristas — ISSN: 1808-8074. Publicado em 25 de maio de 2023. p. 1-6. Disponível em: https://juristas.com.br/2023/05/25/vigilancia-algoritmica-das-redes-interativas/

MAGOSSI, P.G. Combate à violência física contra a mulher: instrumentos de tortura “interativos”. In: Revista Juristas — ISSN: 1808-8074. p.1-5. Publicado em 19 de março de 2023. p. 1-4. Disponível em: https://juristas.com.br/2023/03/19/combate-a-violencia-fisica-contra-a-mulher/?swcfpc=1

MAGOSSI, P.G. Fake news do submundo da cultura digital. In: Revista Juristas — ISSN: 1808-8074. Publicado em 11 de março de 2023. p.1-7. Disponível em: https://juristas.com.br/2023/03/11/fake-news-do-submundo-da-cultura-digital-2/?swcfpc=1

1 COMENTÁRIO

Deixe um comentário

Compartilhe

Inscreva-se

Últimas

Recentes
Veja Mais

Comparação de Processos de Registro de Marcas em Diferentes Países

O registro de marcas é uma prática essencial para a proteção da identidade corporativa e dos direitos de propriedade intelectual. No entanto, o processo de registro de marca pode variar significativamente de um país para outro, dependendo das regulamentações locais e dos sistemas legais. Este artigo compara os processos de registro de marcas em alguns dos principais mercados globais, destacando as semelhanças e diferenças.

Proteja Sua Marca: A Vantagem de Contratar um Advogado Especializado em Registro de Marcas

A proteção da marca é uma etapa crucial para qualquer empresa que deseja garantir sua identidade e se destacar no mercado competitivo. Embora o processo de registro de marca possa parecer simples à primeira vista, ele envolve várias nuances legais e administrativas que podem ser desafiadoras. É aqui que a contratação de um advogado especializado em registro de marcas se torna uma vantagem estratégica. Neste artigo, exploramos os benefícios de contar com um profissional especializado para proteger sua marca.

Os Benefícios do Registro da Marca para Empresas e Startups

Os Benefícios do Registro da Marca para Empresas e...

Benefícios Estratégicos do Registro de Marcas para Startups

No mundo altamente competitivo das startups, onde a inovação e a originalidade são a chave para o sucesso, o registro de marcas se destaca como uma estratégia essencial. Registrar a marca de uma startup não é apenas uma questão de proteção legal, mas também uma alavanca estratégica que pode influenciar diretamente o crescimento e a sustentabilidade do negócio. Neste artigo, exploramos os benefícios estratégicos do registro de marcas para startups e como isso pode contribuir para seu sucesso a longo prazo.