Da série quando o réu não se ajuda: audiência de custódia

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Audiência de custódia é um momento tenso e o conduzido deve ser informado sobre o que pode e não pode dizer. Afinal de contas não se trata de um interrogatório, mas sim de uma entrevista, nos termos da Resolução n. 213 do CNJ. Mas quando o conduzido não se ajuda, a coisa complica. Sobre o objeto e função da audiência de custódia, sabe-se que não deveria ser antecipação de provas, muito menos de arrancar uma confissão.

Na entrevista, portanto, não se pode driblar os limites de seu objeto. Mas o conduzido precisa se ajudar. Em audiência de flagrante de tráfico o conduzido ia muito bem, narrando as circunstâncias da prisão e também dizendo que tinha profissão definida e que poderia ser solto, sem maiores riscos. A fala era muito bem articulada, indicativa da ausência de requisitos da prisão, até porque a quantidade de drogas era pequena. Eis que indagado sobre a profissão que exercia, respondeu: olheiro.

Cabe lembrar que o art. 8º da Resolução n 213 estabelece que que “Na audiência de custódia, a autoridade judicial entrevistará a pessoa presa em flagrante, devendo: I – esclarecer o que é a audiência de custódia, ressaltando as questões a serem analisadas pela autoridade judicial; II – assegurar que a pessoa presa não esteja algemada, salvo em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, devendo a excepcionalidade ser justificada por escrito; III – dar ciência sobre seu direito de permanecer em silêncio; IV – questionar se lhe foi dada ciência e efetiva oportunidade de exercício dos direitos constitucionais inerentes à sua condição, particularmente o direito de consultar-se com advogado ou defensor público, o de ser atendido por médico e o de comunicar-se com seus familiares; V – indagar sobre as circunstâncias de sua prisão ou apreensão; VI – perguntar sobre o tratamento recebido em todos os locais por onde passou antes da apresentação à audiência, questionando sobre a ocorrência de tortura e maus tratos e adotando as providências cabíveis; VII – verificar se houve a realização de exame de corpo de delito, determinando sua realização nos casos em que: a) não tiver sido realizado; b) os registros se mostrarem insuficientes; c) a alegação de tortura e maus tratos referir-se a momento posterior ao exame realizado; d) o exame tiver sido realizado na presença de agente policial, observando-se a Recomendação CNJ 49/2014 quanto à formulação de quesitos ao perito; VIII – abster-se de formular perguntas com finalidade de produzir prova para a investigação ou ação penal relativas aos fatos objeto do auto de prisão em flagrante; IX – adotar as providências a seu cargo para sanar possíveis irregularidades; X – averiguar, por perguntas e visualmente, hipóteses de gravidez, existência de filhos ou dependentes sob cuidados da pessoa presa em flagrante delito, histórico de doença grave, incluídos os transtornos mentais e a dependência química, para analisar o cabimento de encaminhamento assistencial e da concessão da liberdade provisória, sem ou com a imposição de medida cautelar”.

Enfim, a audiência de custódia não deve servir para produzir prova contra si mesmo, mas se o “réu não se ajuda”, de fato, a coisa sai do controle. Fica a dica.

Artigo escrito em co-autoria com Ana Luísa Schmidt Ramos, que é Juíza de Direito do TJSC e graduanda em Psicologia (UNISUL).

Alexandre Morais da Rosa
Alexandre Morais da Rosahttp://www.emporiododireito.com.br
Professor de Processo Penal da UFSC e do Curso de Direito da UNIVALI-SC (mestrado e doutorado). Doutor em Direito (UFPR). Membro do Núcleo de Direito e Psicanálise da UFPR. Juiz de Direito (TJSC). Email: [email protected] . Site: www.emporiododireito.com.br

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