Adoção do sistema atributivo para obtenção do registro de propriedade de marca e sua relativização
O Superior Tribunal de Justiça entende que a legislação brasileira observa o sistema atributivo para obtenção do registro de propriedade de marca, considerando-o como elemento constitutivo do direito de propriedade (art. 129 da LPI). Porém, a Corte reconhece que também há previsão de um sistema de contrapesos. Nesse sentido, existem situações que originam direito de preferência à obtenção do registro, lastreadas na repressão à concorrência desleal e ao aproveitamento parasitário. Jurisprudência em Teses – Edição nº 24[1].
Este posicionamento se expressa no seguinte julgado:
PROPRIEDADE INDUSTRIAL. RECURSO ESPECIAL. MARCA. NOTORIAMENTE CONHECIDA. DECLARAÇÃO. PROCEDIMENTO. CONTROLE PELO PODER JUDICIÁRIO. LIMITES. CONVENÇÃO DA UNIÃO DE PARIS. NOME COMERCIAL.
- Inexiste violação do art. 535 do Código de Processo Civil quando o Tribunal de origem se pronuncia de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos, nos limites do seu convencimento motivado. O magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão.
- Compete ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial- INPI avaliar uma marca como notoriamente conhecida, ensejando malferimento ao princípio da separação dos poderes e invadindo a seara do mérito administrativo da autarquia digressão do Poder Judiciário a esse respeito.
- O artigo 124, XIX, da Lei da Propriedade Industrial expressamente veda o registro de marca que imite outra preexistente, ainda que em parte e com acréscimo “suscetível de causar confusão ou associação com marca alheia”. Todavia, o sistema de proteção de propriedade intelectual confere meios de proteção aos titulares de marcas ainda não registradas perante o órgão competente.
- Conforme decidido no REsp 1.105.422 – MG, relatado pela Ministra Nancy Andrighi, a finalidade da proteção ao uso das marcas é dupla: por um lado protegê-la contra usurpação, proveito econômico parasitário e o desvio desleal de clientela alheia e, por outro, evitar que o consumidor seja confundido quanto à procedência do produto (art. 4º, VI, do CDC).
- Tratando-se, depois da cisão levada a efeito, de pessoas jurídicas e patrimônios distintos, não há como permitir a coexistência das marcas HARRODS da recorrente e da recorrida, sem atentar contra os objetivos da legislação marcária e induzir os consumidores à confusão.
- A legislação observa o sistema atributivo para obtenção do registro de propriedade de marca, considerando-o como elemento constitutivo do direito de propriedade (art. 129 da Lei n. 9.279/1996); porém também prevê um sistema de contrapesos, reconhecendo situações que originam direito de preferência à obtenção do registro, lastreadas na repressão à concorrência desleal e ao aproveitamento parasitário.
- A Lei da Propriedade Industrial reprime a concessão de registros como marcas de: a) nome comercial, título de estabelecimento ou insígnia alheios (art. 124, V e 195, V); b) sinais que reproduzem marcas que o requerente evidentemente não poderia desconhecer em razão de sua atividade, cujo titular seja sediado em país com o qual o Brasil mantenha acordo, se a marca se destinar a distinguir produto idêntico semelhante ou afim suscetível de causar confusão ou associação com aquela marca alheia (art. 124, XXIII); c) marca notoriamente conhecida em seu ramo de atividade nos termos do art. 6º bis (I) da Convenção da União de Paris para Proteção da Propriedade Industrial.
- A Convenção da União de Paris, de 1883, deu origem ao sistema internacional de propriedade industrial com o objetivo de harmonizar o sistema protetivo relativo ao tema nos países signatários, dos quais fazem parte Brasil e Reino Unido (<http://www.wipo.int/treaties/en>). O Tribunal de origem, ao asseverar que, após a criação da Harrods Buenos Aires, houve acordo, em 1916, para que Harrods Limited atuasse como agente de compras daquela, deixa claro que, na verdade, a pretensão da Harrods Buenos Aires incide na vedação inserta no art. 6º septies da Convenção da União de Paris.
- Independentemente do negócio firmado no passado, não havendo expressa autorização da sociedade anterior criadora desta, a obtenção e a manutenção de direitos marcários deverão respeitar os princípios e a finalidade do sistema protetivo de marcas, bem como o princípio da livre concorrência, um dos pilares de ordem econômica brasileira, previsto no art. 170, inc. IV, da Constituição da República Federativa do Brasil.
- O INPI, na decisão que declarou nulos os registros n. 812.227.786 e 812.227.751 em nome da recorrente, asseverou que a marca HARRODS é notoriamente conhecida, além de nome comercial da recorrida, estabelecendo, deste modo, a proteção dos arts. 6º bis e 8º da Convenção de Paris. O objetivo de tais dispositivos é, justamente, reprimir o benefício indireto que ocorreria para um dos concorrentes, quando consumidores associassem os sinais deste com a marca notoriamente conhecida atuante no mesmo segmento mercadológico, como é o caso dos autos. Constitui, assim, exceção ao princípio da territorialidade, gozando a marca de proteção extraterritorial nos países signatários da Convenção da União de Paris.
- Mesmo que não fosse a marca de Harrods Limited admitida pelo INPI como notoriamente conhecida, esbarraria a pretensão da recorrente na proibição do art. 124, inc. XXIII, segundo o qual não é registrável o sinal que reproduza ou imite marca que o depositante evidentemente não poderia desconhecer, especialmente em razão de sua atividade, desde que o titular desta seja domiciliado em país com o qual o Brasil mantenha acordo ou assegure reciprocidade de tratamento.
- A tutela ao nome comercial no âmbito da propriedade industrial, assim como à marca, tem como fim maior obstar o proveito econômico parasitário, o desvio de clientela e a proteção ao consumidor, de modo que este não seja confundido quanto à procedência dos produtos comercializados.
- A confusão e o aproveitamento econômico, no caso, parecem inevitáveis, se admitida a coexistência das marcas HARRODS da recorrente e da recorrida no Brasil, tanto mais quando se observa que estas sociedades, embora hoje estejam completamente desvinculadas, já apareceram no passado ora como filial ora como agente de compras uma da outra, atuando no mesmo segmento mercadológico.
- Recurso especial não provido.
(REsp 1190341/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 05/12/2013, DJe 28/02/2014)
Informações Complementares à Ementa
(VOTO VISTA) (MIN. MARIA ISABEL GALLOTTI)
Não é possível a manutenção do registro de marca notoriamente conhecida em nome de empresa independente sediada na Argentina, ainda que tenha sido fundada pela matriz sediada na Inglaterra, na hipótese em que se operou a cisão entre as companhias e não houve expressa autorização da matriz para a manutenção de direitos marcários em relação à empresa independente. Isso porque, em se tratando de registro de marcas, o que deve preponderar é o interesse público e, no caso, a manutenção do registro de marca notória em nome da empresa independente causaria confusão ao consumidor que poderia pensar estar adquirindo produtos com a proveniência e chancela da empresa matriz, quando na verdade estaria adquirindo um produto de outra empresa.
(VOTO VENCIDO) (MIN. RAUL ARAÚJO)
É possível a manutenção do registro de marca notoriamente conhecida em nome de empresa independente sediada na Argentina, que fora fundada pela matriz sediada na Inglaterra, ainda que se tenha operado a cisão entre as companhias, não tendo havido deliberação em sentido contrário ao uso da marca pela empresa independente. Isso porque se trata de hipótese sui generis que não enseja propriamente a aplicação de dispositivos de proteção marcária, devendo a questão ser resolvida de forma contratual entre as próprias litigantes.
Não se pode olvidar o relacionamento existente entre as duas demandantes, já que uma foi criada pela outra, tendo elas, em dado momento de sua história, usado justamente o mesmo nome e marca, por fazerem parte do mesmo grupo econômico. No caso, a matriz optou por vender a empresa independente, permitindo que continuasse a existir nas mãos de outros titulares, operando regularmente, não podendo requerer a exclusividade do uso de uma marca que compartilhou com aquela que criou e deixou continuar existindo paralelamente. Acrescente-se que a manutenção do registro não implicará confusão para o consumidor, já que poderá ser facilmente instruído a esse respeito.
[1] O Superior Tribunal de Justiça considera que vige no Brasil o sistema declarativo de proteção de marcas e patentes, que prioriza aquele que primeiro fez uso da marca, constituindo o registro no órgão competente mera presunção, que se aperfeiçoa pelo uso. Jurisprudência em Teses – Edição nº 24.
Considerações gerais
A propriedade industrial, regulada basicamente pela lei nº 9.279/1996, é um dos ramos da propriedade intelectual.
A propriedade intelectual é composta pelos estudos dos direitos autorais e da propriedade industrial.
O Direito Autoral compreende, basicamente: as obras literárias, artísticas e científicas (Lei 9.610/98) e os programas de computador ou software (Lei 9.609/98).
A propriedade industrial compreende, basicamente: as patentes (de invenção e modelo de utilidade) e os registros (de marca e de desenho industrial).
Registro de marcas
O registro de marcas está disciplinado nos artigos 122 e seguintes da lei n. 9279/96 (LPI).
Espécies de marcas
a) Marca de produto ou serviço
É a marca usada para distinguir produto ou serviço de outro idêntico, semelhante ou afim, de origem diversa (art. 123, I, da LPI)
b) Marca de certificação
É a marca usada para atestar a conformidade de um produto ou serviço com determinadas normas ou especificações técnicas, notadamente quanto à qualidade, natureza, material utilizado e metodologia empregada (art. 123, II, da LPI)
c) Marca coletiva
É a marca usada para identificar produtos ou serviços provindos de membros de uma determinada entidade (art. 123, III, da LPI).
d) Marca de alto renome
Marca de alto renome é a marca registrada no Brasil com proteção especial, em todos os ramos de atividade (art. 125 da LPI)
Representa uma exceção ao princípio da especialidade.
e) Marca notoriamente conhecida
A marca notoriamente conhecida é a aquela que goza de proteção especial, independentemente de estar previamente depositada ou registrada no Brasil (art. 126 da LPI).
Representa uma exceção ao princípio da territorialidade.
Signos não registráveis como marca
O art. 124 da LPI aponta inúmeras hipóteses de signos não registráveis como marca.
Entre outros, não são registráveis como marca:
a) brasão, armas, medalha, bandeira, emblema, distintivo e monumento oficiais, públicos, nacionais, estrangeiros ou internacionais, bem como a respectiva designação, figura ou imitação;
b) letra, algarismo e data, isoladamente, salvo quando revestidos de suficiente forma distintiva;
c) expressão, figura, desenho ou qualquer outro sinal contrário à moral e aos bons costumes ou que ofenda a honra ou imagem de pessoas ou atente contra liberdade de consciência, crença, culto religioso ou idéia e sentimento dignos de respeito e veneração;
d) designação ou sigla de entidade ou órgão público, quando não requerido o registro pela própria entidade ou órgão público;
e) reprodução ou imitação de elemento característico ou diferenciador de título de estabelecimento ou nome de empresa de terceiros, suscetível de causar confusão ou associação com estes sinais distintivos.
Prazo de vigência do registro de marca
O registro da marca vigorará pelo prazo de 10 (dez) anos, contados da data da concessão do registro, prorrogável por períodos iguais e sucessivos.
O pedido de prorrogação deverá ser formulado durante o último ano de vigência do registro, instruído com o comprovante do pagamento da respectiva retribuição.
Caso o pedido de prorrogação não tenha sido efetuado até o termo final da vigência do registro, o titular poderá fazê-lo nos 6 (seis) meses subsequentes, mediante o pagamento de retribuição adicional.
Perda dos direitos
Nos termos do art. 142 da LPI, o registro de marca extingue-se:
a) pela expiração do prazo de vigência;
b) pela renúncia, que poderá ser total ou parcial em relação aos produtos ou serviços assinalados pela marca;
c) pela caducidade.
Também haverá extinção se não houver observância do art. 217 da LPI.
O mencionado artigo prevê que a pessoa domiciliada no exterior deverá constituir e manter procurador devidamente qualificado e domiciliado no País, com poderes para representá-la administrativa e judicialmente, inclusive para receber citações.
No que se refere à caducidade, o art. 143 da LPI, indica que caducará o registro, a requerimento de qualquer pessoa com legítimo interesse se, decorridos 5 (cinco) anos da sua concessão, na data do requerimento, o uso da marca não tiver sido iniciado no Brasil.
No mesmo sentido, haverá caducidade se o uso da marca tiver sido interrompido por mais de 5 (cinco) anos consecutivos, ou se, no mesmo prazo, a marca tiver sido usada com modificação que implique alteração de seu caráter distintivo original, tal como constante do certificado de registro.
Ação de nulidade
O registro de marca será considerado nulo se for concedido em desacordo com parâmetros indicados na LPI.
Nos termos do art. 173 da LPI, a ação de nulidade poderá ser proposta pelo INPI ou por qualquer pessoa com legítimo interesse.
Conforme indicado no art. 174 da LPI, prescreve em 5 (cinco) anos a ação para declarar a nulidade do registro, contados da data da sua concessão.
Sobre este tema, merecem destaque os seguintes enunciados das jornadas de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal:
Enunciado número 1. Decisão judicial que considera ser o nome empresarial violador do direito de marca não implica a anulação do respectivo registro no órgão próprio nem lhe retira os efeitos, preservado o direito de o empresário alterá-lo.
Enunciado número 2. A vedação de registro de marca que reproduza ou imite elemento característico ou diferenciador de nome empresarial de terceiros, suscetível de causar confusão ou associação (art. 124, V, da Lei n. 9.279/1996), deve ser interpretada restritivamente e em consonância com o art. 1.166 do Código Civil.
Enunciado número 60. Os acordos e negócios de abstenção de uso de marcas entre sociedades empresárias não são oponíveis em face do Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI, sem prejuízo de os litigantes obterem tutela jurisdicional de abstenção entre eles na Justiça Estadual.
Enunciado número 107 – O fato gerador do parágrafo único do art. 40 da Lei n. 9.279/96 não engloba a hipótese de mora administrativa havida em concausa ou perpetrada pelo depositante do pedido de patente, desde que demonstrada conduta abusiva deste.
Enunciado número 108 – Não cabe a condenação do INPI em sucumbência, nos termos do art. 85 do CPC, quando a matéria não for de seu conhecimento prévio e não houver resistência judicial posterior.
Enunciado número 109 – Os pedidos de abstenção de uso e indenização, quando cumulados com ação visando anular um direito de propriedade industrial, são da competência da Justiça Federal, em face do art. 55 do CPC.
Enunciado número 110 – Aplicam-se aos negócios jurídicos de propriedade intelectual o disposto sobre a função social dos contratos, probidade e boa-fé.
Enunciado número 111 – Nas ações de nulidade de indeferimento de pedido de registro de marca, o titular do registro marcário apontado como anterioridade impeditiva é litisconsorte passivo necessário, à luz do que dispõe o art. 115 do CPC.
Enunciado número 112 – O termo inicial do prazo de 30 dias previsto no parágrafo único do art. 162 da Lei n. 9.279/96 é o primeiro dia útil subsequente ao término in albis do prazo de 60 dias previsto no caput do mesmo artigo.
Enunciado número 113 – Em ações que visam anular um direito de propriedade industrial, a citação do INPI para se manifestar sobre os pedidos deve ocorrer apenas após a contestação do titular do direito de propriedade industrial.
Enunciado número 114 – A proteção jurídica ao conjunto-imagem de um produto ou serviço não se estende à funcionalidade técnica.
Enunciado número 115 – As limitações de direitos autorais estabelecidas nos arts. 46, 47 e 48 da Lei de Direitos Autorais devem ser interpretadas extensivamente, em conformidade com os direitos fundamentais e a função social da propriedade estabelecida no art. 5º, XXIII, da CF/88.
Para aprofundamento do estudo, confira os seguintes volumes:
CAMPINHO, Sérgio. O direto de empresa à luz do novo código Civil. Renovar. São Paulo, 2003.
MAMEDE, Gladston. Direito Empresarial Brasileiro, Direito Societário: Sociedades Simples e Empresárias, v. 2. Atlas, São Paulo, 2004.
RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Curso de direito empresarial: o novo regime jurídico empresarial brasileiro. 3ª Edição. Salvador: jus Podivm, 2009.
ASCARELLI, Túlio. Iniciação ao Estudo do Direito Mercantil. Sorocaba: Minelli, 2007.
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial, v. 1, 27ª Ed. Saraiva, São Paulo, 2008.
VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Malheiros Editores, 2008.
COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial – volume II. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
FORGIONI, Paula A. A evolução do Direito Comercial Brasileiro: Da mercancia ao mercado. São Paulo: RT: 2009.
MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial. 4ª ed. São Paulo: Forense, 1973.
MENDONÇA, J.X. Carvalho de. Tratado de Direito Comercial Brasileiro v. III. São Paulo: Freitas Bastos s/a, 7ª Edição, 1963.
MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Especial. Tomo XLIX: Contrato de sociedade. Sociedade de pessoas. São Paulo: RT, 2012.