É comum ver candidatos de Concurso Público questionando: “fui aprovado no concurso e não me chamaram”. Nesse texto aqui, vamos explicar o que é a preterição de candidatos em Concursos Públicos e qual é o posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o direito à nomeação.
Muitas vezes a Administração Pública abre um concurso que prevê determinado número de vagas e acaba não chamando os candidatos aprovados ou convoca candidatos fora da ordem de classificação dos candidatos.
Em outros casos o candidato é aprovado, mas fica fora das vagas previstas, passando para o que se chama de “cadastro reserva”. Ainda assim, existem hipóteses que a administração terá o dever de nomeá-los, como quando abre novas vagas para aqueles cargos ou abre um novo concurso para as mesmas vagas.
Essas situações são denominadas de preterição de candidatos e já foram motivo de uma série de decisões do Poder Judiciário. Assim, o Supremo Tribunal Federal (STF) pacificou entendimentos que devem ser aplicados pelos demais órgãos do Poder Judiciário.
Prioridade de nomear candidatos aprovados em Concurso Público.
A primeira decisão do Supremo Tribunal Federal no sentido de reconhecer o direito à nomeação de candidato aprovado é de 1963 e foi consolidada através do enunciado nº 15, da sua Súmula de Jurisprudência e está assim redigida:
STF. Súmula 15. Dentro do prazo de validade do concurso, o candidato aprovado tem o direito à nomeação, quando o cargo fôr preenchido sem observância da classificação.
Desde então, o Supremo vinha reconhecendo que caso a Administração Pública convocasse outro candidato em desrespeito à ordem de classificação, o candidato melhor aprovado teria direito à nomeação.
Acontece que só esse enunciado não respondia uma série de outras questões que acabaram sendo melhor abordadas quando da análise do Recurso Extraordinário nº 598.099 em regime de Repercussão Geral.
Preterição de candidato aprovado dentro das vagas.
Nos casos em que o candidato é aprovado dentro do número de vagas há, segundo o Supremo Tribunal Federal, direito subjetivo a ser convocado. Nestes casos, só em hipóteses excepcionais é que a Administração Pública pode optar em não chamar.
A decisão do STF neste sentido foi proferida em regime de Repercussão Geral, nos autos 598.099, em 10/08/2011. A decisão tomada em regime dessa natureza, exige que essa orientação seja seguida pelos demais órgãos do Poder Judiciário.
O acórdão está assim ementado:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. CONCURSO PÚBLICO. PREVISÃO DE VAGAS EM EDITAL. DIREITO À NOMEAÇÃO DOS CANDIDATOS APROVADOS. I. DIREITO À NOMEAÇÃO. CANDIDATO APROVADO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTAS NO EDITAL. Dentro do prazo de validade do concurso, a Administração poderá escolher o momento no qual se realizará a nomeação, mas não poderá dispor sobre a própria nomeação, a qual, de acordo com o edital, passa a constituir um direito do concursando aprovado e, dessa forma, um dever imposto ao poder público. Uma vez publicado o edital do concurso com número específico de vagas, o ato da Administração que declara os candidatos aprovados no certame cria um dever de nomeação para a própria Administração e, portanto, um direito à nomeação titularizado pelo candidato aprovado dentro desse número de vagas. II. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. BOA-FÉ. PROTEÇÃO À CONFIANÇA. O dever de boa-fé da Administração Pública exige o respeito incondicional às regras do edital, inclusive quanto à previsão das vagas do concurso público. Isso igualmente decorre de um necessário e incondicional respeito à segurança jurídica como princípio do Estado de Direito. Tem-se, aqui, o princípio da segurança jurídica como princípio de proteção à confiança. Quando a Administração torna público um edital de concurso, convocando todos os cidadãos a participarem de seleção para o preenchimento de determinadas vagas no serviço público, ela impreterivelmente gera uma expectativa quanto ao seu comportamento segundo as regras previstas nesse edital. Aqueles cidadãos que decidem se inscrever e participar do certame público depositam sua confiança no Estado administrador, que deve atuar de forma responsável quanto às normas do edital e observar o princípio da segurança jurídica como guia de comportamento. Isso quer dizer, em outros termos, que o comportamento da Administração Pública no decorrer do concurso público deve se pautar pela boa-fé, tanto no sentido objetivo quanto no aspecto subjetivo de respeito à confiança nela depositada por todos os cidadãos. III. SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS. NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO. CONTROLE PELO PODER JUDICIÁRIO. Quando se afirma que a Administração Pública tem a obrigação de nomear os aprovados dentro do número de vagas previsto no edital, deve-se levar em consideração a possibilidade de situações excepcionalíssimas que justifiquem soluções diferenciadas, devidamente motivadas de acordo com o interesse público. Não se pode ignorar que determinadas situações excepcionais podem exigir a recusa da Administração Pública de nomear novos servidores. Para justificar o excepcionalíssimo não cumprimento do dever de nomeação por parte da Administração Pública, é necessário que a situação justificadora seja dotada das seguintes características: a) Superveniência: os eventuais fatos ensejadores de uma situação excepcional devem ser necessariamente posteriores à publicação do edital do certame público; b) Imprevisibilidade: a situação deve ser determinada por circunstâncias extraordinárias, imprevisíveis à época da publicação do edital; c) Gravidade: os acontecimentos extraordinários e imprevisíveis devem ser extremamente graves, implicando onerosidade excessiva, dificuldade ou mesmo impossibilidade de cumprimento efetivo das regras do edital; d) Necessidade: a solução drástica e excepcional de não cumprimento do dever de nomeação deve ser extremamente necessária, de forma que a Administração somente pode adotar tal medida quando absolutamente não existirem outros meios menos gravosos para lidar com a situação excepcional e imprevisível. De toda forma, a recusa de nomear candidato aprovado dentro do número de vagas deve ser devidamente motivada e, dessa forma, passível de controle pelo Poder Judiciário. IV. FORÇA NORMATIVA DO PRINCÍPIO DO CONCURSO PÚBLICO. Esse entendimento, na medida em que atesta a existência de um direito subjetivo à nomeação, reconhece e preserva da melhor forma a força normativa do princípio do concurso público, que vincula diretamente a Administração. É preciso reconhecer que a efetividade da exigência constitucional do concurso público, como uma incomensurável conquista da cidadania no Brasil, permanece condicionada à observância, pelo Poder Público, de normas de organização e procedimento e, principalmente, de garantias fundamentais que possibilitem o seu pleno exercício pelos cidadãos. O reconhecimento de um direito subjetivo à nomeação deve passar a impor limites à atuação da Administração Pública e dela exigir o estrito cumprimento das normas que regem os certames, com especial observância dos deveres de boa-fé e incondicional respeito à confiança dos cidadãos. O princípio constitucional do concurso público é fortalecido quando o Poder Público assegura e observa as garantias fundamentais que viabilizam a efetividade desse princípio. Ao lado das garantias de publicidade, isonomia, transparência, impessoalidade, entre outras, o direito à nomeação representa também uma garantia fundamental da plena efetividade do princípio do concurso público. V. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. (RE 598099, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 10/08/2011, REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-189 DIVULG 30-09-2011 PUBLIC 03-10-2011 EMENT VOL-02599-03 PP-00314 RTJ VOL-00222-01 PP-00521)
A decisão foi catalogada como o Tema nº 161, das teses do STF que ficou assim definida: “O candidato aprovado em concurso público dentro do número de vagas previsto no edital possui direito subjetivo à nomeação“.
Assim, vamos imaginar a seguinte situação: o edital do concurso previa 2 vagas, assim, os candidatos aprovados até o segundo lugar, possuem o direito subjetivo a serem convocados. Em regra, portanto, o edital faz lei entre as partes e vincula a administração e se previu duas vagas, deverá nomear dois candidatos.
A administração pública para não efetuar a nomeação, terá que justificar de maneira coerente a não nomeação, baseada em critérios específicos como superveniência, imprevisibilidade, gravidade e necessidade tudo decorrente de situações posteriores ao Edital do Concurso Público.
Preterição de candidato aprovado em cadastro reserva.
Após a fixação da tese citada acima, outras discussões surgiram no âmbito do Supremo Tribunal Federal, que resultaram na ampliação do escopo da tese, que passou a pontuar hipóteses em que o candidato aprovado fora das vagas também pode sofrer preterição do seu direito.
A tese firmada pelo Supremo, também na sistemática de Repercussão Geral, foi consolidada através do Tema 784:
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. TEMA 784 DO PLENÁRIO VIRTUAL. CONTROVÉRSIA SOBRE O DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO DE CANDIDATOS APROVADOS ALÉM DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTAS NO EDITAL DE CONCURSO PÚBLICO NO CASO DE SURGIMENTO DE NOVAS VAGAS DURANTE O PRAZO DE VALIDADE DO CERTAME. MERA EXPECTATIVA DE DIREITO À NOMEAÇÃO. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS. IN CASU, A ABERTURA DE NOVO CONCURSO PÚBLICO FOI ACOMPANHADA DA DEMONSTRAÇÃO INEQUÍVOCA DA NECESSIDADE PREMENTE E INADIÁVEL DE PROVIMENTO DOS CARGOS. INTERPRETAÇÃO DO ART. 37, IV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988. ARBÍTRIO. PRETERIÇÃO. CONVOLAÇÃO EXCEPCIONAL DA MERA EXPECTATIVA EM DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. PRINCÍPIOS DA EFICIÊNCIA, BOA-FÉ, MORALIDADE, IMPESSOALIDADE E DA PROTEÇÃO DA CONFIANÇA. FORÇA NORMATIVA DO CONCURSO PÚBLICO. INTERESSE DA SOCIEDADE. RESPEITO À ORDEM DE APROVAÇÃO. ACÓRDÃO RECORRIDO EM SINTONIA COM A TESE ORA DELIMITADA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. O postulado do concurso público traduz-se na necessidade essencial de o Estado conferir efetividade a diversos princípios constitucionais, corolários do merit system, dentre eles o de que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (CRFB/88, art. 5º, caput). 2. O edital do concurso com número específico de vagas, uma vez publicado, faz exsurgir um dever de nomeação para a própria Administração e um direito à nomeação titularizado pelo candidato aprovado dentro desse número de vagas. Precedente do Plenário: RE 598.099 – RG, Relator Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJe 03-10-2011. 3. O Estado Democrático de Direito republicano impõe à Administração Pública que exerça sua discricionariedade entrincheirada não, apenas, pela sua avaliação unilateral a respeito da conveniência e oportunidade de um ato, mas, sobretudo, pelos direitos fundamentais e demais normas constitucionais em um ambiente de perene diálogo com a sociedade. 4. O Poder Judiciário não deve atuar como “Administrador Positivo”, de modo a aniquilar o espaço decisório de titularidade do administrador para decidir sobre o que é melhor para a Administração: se a convocação dos últimos colocados de concurso público na validade ou a dos primeiros aprovados em um novo concurso. Essa escolha é legítima e, ressalvadas as hipóteses de abuso, não encontra obstáculo em qualquer preceito constitucional. 5. Consectariamente, é cediço que a Administração Pública possui discricionariedade para, observadas as normas constitucionais, prover as vagas da maneira que melhor convier para o interesse da coletividade, como verbi gratia, ocorre quando, em função de razões orçamentárias, os cargos vagos só possam ser providos em um futuro distante, ou, até mesmo, que sejam extintos, na hipótese de restar caracterizado que não mais serão necessários. 6. A publicação de novo edital de concurso público ou o surgimento de novas vagas durante a validade de outro anteriormente realizado não caracteriza, por si só, a necessidade de provimento imediato dos cargos. É que, a despeito da vacância dos cargos e da publicação do novo edital durante a validade do concurso, podem surgir circunstâncias e legítimas razões de interesse público que justifiquem a inocorrência da nomeação no curto prazo, de modo a obstaculizar eventual pretensão de reconhecimento do direito subjetivo à nomeação dos aprovados em colocação além do número de vagas. Nesse contexto, a Administração Pública detém a prerrogativa de realizar a escolha entre a prorrogação de um concurso público que esteja na validade ou a realização de novo certame. 7. A tese objetiva assentada em sede desta repercussão geral é a de que o surgimento de novas vagas ou a abertura de novo concurso para o mesmo cargo, durante o prazo de validade do certame anterior, não gera automaticamente o direito à nomeação dos candidatos aprovados fora das vagas previstas no edital, ressalvadas as hipóteses de preterição arbitrária e imotivada por parte da administração, caracterizadas por comportamento tácito ou expresso do Poder Público capaz de revelar a inequívoca necessidade de nomeação do aprovado durante o período de validade do certame, a ser demonstrada de forma cabal pelo candidato. Assim, a discricionariedade da Administração quanto à convocação de aprovados em concurso público fica reduzida ao patamar zero (Ermessensreduzierung auf Null), fazendo exsurgir o direito subjetivo à nomeação, verbi gratia, nas seguintes hipóteses excepcionais: i) Quando a aprovação ocorrer dentro do número de vagas dentro do edital (RE 598.099); ii) Quando houver preterição na nomeação por não observância da ordem de classificação (Súmula 15 do STF); iii) Quando surgirem novas vagas, ou for aberto novo concurso durante a validade do certame anterior, e ocorrer a preterição de candidatos aprovados fora das vagas de forma arbitrária e imotivada por parte da administração nos termos acima. 8. In casu, reconhece-se, excepcionalmente, o direito subjetivo à nomeação aos candidatos devidamente aprovados no concurso público, pois houve, dentro da validade do processo seletivo e, também, logo após expirado o referido prazo, manifestações inequívocas da Administração piauiense acerca da existência de vagas e, sobretudo, da necessidade de chamamento de novos Defensores Públicos para o Estado. 9. Recurso Extraordinário a que se nega provimento. (RE 837311, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 09/12/2015, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-072 DIVULG 15-04-2016 PUBLIC 18-04-2016)
Assim, o STF fixou o entendimento, também por meio de decisão em Repercussão Geral, de que quando o candidato é aprovado fora do número de vagas ele possui direito à nomeação quando a administração pública chamar candidatos piores classificados em detrimento dos melhores classificados ou abrir novas vagas durante o período de validade do Concurso Público.
Quando alegar a preterição?
A regra geral é que a Administração Pública possui discricionariedade para convocar os candidatos aprovados durante a validade do concurso, o que quer dizer é que não pode o Poder Judiciário definir quando a convocação deve ocorrer. O fato é que, que a Administração não pode deixar a validade do Concurso Público expirar sem nomear os candidatos aprovados dentro das vagas ou aqueles que, embora estejam fora das vagas, tenham direito à nomeação.
São tantas questões relativas a concurso público…
Os temas referentes a concurso público são discussões que sempre acontecem na justiça, tendo em vista as inúmeras situações que podem ocorrer e que exige a busca judicial de soluções. Já falei sobre a questão das Cotas Raciais em outro artigo aqui no Juristas.
Se você tem um problema assim, é importante consultar um advogado especializado em Concursos Públicos para que sejam adotas as providências necessárias a assegurar seus direitos.
Na hipótese de edital que previa 1 vaga, o candidato aprovado em 2º lugar tem direito subjetivo à nomeação caso o 1º tenha sido nomeado e exonerado ainda durante a validade do concurso?