Qual é o contexto desse tipo de criminalidade?
Para que se compreenda porque o Direito Penal se imiscuiu na seara do Direito do Consumidor é preciso conhecer um pouco de filosofia, isso porque o atual “estado da arte”, isto é, o contexto socioeconômico em que vivemos, passa despercebido às lentes exclusivas dos operadores do Direito.
Vivemos numa sociedade pós-moderna, onde não existe mais um único modo de agir e estar no mundo. Isso significa que possuímos uma vasta produção ideológica (que engloba diversos valores culturais, políticos religiosos e morais) que tornam a interação e consenso sobre qual é o modo “correto” de se viver em sociedade algo praticamente indefinível.
Mas uma constatação é certa: vivemos em uma sociedade de consumo. Essa ideia foi trazida pela Escola de Frankfurt, movimento filosófico de origem alemã, onde várias questões acerca da produção de bens e serviços foi atrelada a uma indústria cultural que traz, inconscientemente, a necessidade de consumir.
Para os frankfurtianos, a cultura de mercado fez com que o ser humano passasse a se identificar com a posse dos bens; consequentemente, a satisfação das necessidades passa a estar muito mais relacionada com o ato e o prazer da compra, uma vez que é o mercado que vai apontar quais são esses valores culturais que precisam ser “adquiridos”.
Os pensadores da Escola de Frankfurt trazem a ideia de indústria cultural, a qual faz parte de uma teoria crítica da sociedade mais abrangente e a transformação da cultura em mercadoria precisa ser compreendida dentro de um contexto que contemple as relações que as pessoas travam entre si dentro do sistema de livre mercado.
Porque existem crimes contra o consumidor?
Dentro desse cenário, ingressando já no campo jurídico, verificou-se a necessidade de proteger os consumidores de determinadas práticas empresarias que os coloquem em desvantagem exagerada ou que ponham em risco a sua saúde, segurança e bem estar. Desse modo, a Constituição da República assegura, em seu art. 5º, XXXII, a defesa do consumidor. Já em seu art. 170, estabelece a defesa do consumidor como um dos pilares da Ordem Econômica. Encontramos também, no texto constitucional, um mandado de criminalização em seu art. 5º, XLI, visando a criação de tipos penais para que se protejam direitos fundamentais.
Nessa linha de ideias, verificamos que o Direito do Consumidor é um bem jurídico “desmaterializado”, isto é, trata-se de um direito fundamental de 3º dimensão, sendo de titularidade de toda a coletividade, sendo certo que algumas condutas mais graves devem ser punidas com uma sanção penal. O que, em nosso sentir, traz uma série de problemas que contradizem os princípios e fundamentos do Direito Penal.
Problemas e linhas de defesa nos crimes contra o consumidor
Impende destacar, o caráter altamente criminalizador da Lei 8.078/1990, visto que eleva à categoria de delito uma grande quantidade de comportamentos que, a rigor, não deveriam passar de meras infrações administrativas, em total dissonância com os princípios penais da intervenção mínima e da fragmentariedade. O legislador, na elaboração do Código de Defesa do Consumidor, foi imprudente em utilizar conceitos amplos e indeterminados – muitas vezes eivados de impropriedades técnicas, linguísticas e lógicas que afrontam o princípio da legalidade estrita e da taxatividade.
A título de exemplo, destaca-se a má redação da segunda parte do art. 75 do CDC que permite uma espécie de responsabilidade objetiva (o que é vedado em Direito Penal, justamente porque exige-se uma conduta consciente e voluntária para a prática do ilícito). Argumenta-se, de um lado, que o texto não “exige que o diretor, administrador ou gerente tenham uma conduta ativa promovendo efetivamente o fornecimento, a oferta, ou a exposição à venda de modo ilícito. Contenta-se o preceito, numa consagração implícita da responsabilidade objetiva, que o diretor, administrador ou gerente permitam o fornecimento, vale dizer, não se oponham, de forma eficaz, ao ato, o que é um absurdo.
Ademais, eles também poderão, eventualmente, ser incriminados por terem aprovado a colocação do produto ou serviço no mercado que, logo após, não venha a ser feito como inicialmente decidido, sem qualquer participação ou culpa do diretor, do administrador ou do gerente; fatos que devem ser interpretados restritivamente, somente quando há dolo ou culpa dos administradores ou gerentes, sob pena de responsabilidade objetiva.
Com efeito, pode-se pensar numa linha defensiva que já exclua a tipicidade logo de início, por violação da estrita legalidade, no caso de imputações genéricas que não comprovem a consciência e vontade dos agentes ou sua imprudência, imperícia ou negligência para a prática da conduta.
Com efeito, vale dizer, que no âmbito processual penal, conforme art. 41, CPP, a denúncia deve demonstrar, minunciosamente a conduta daquele que pratica o crime, sendo certo que uma imputação genérica aos administradores ou gerentes implica na inépcia da denúncia (o processo não é admitido pelo juiz), segundo art. 395,I, CPP estabelecidos na Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) e na Lei 8.137/90 (Crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo), sendo considerados crimes de menor potencial ofensivo. Portanto, é certo dizer que todos os crimes contra as relações de consumo, admitem transação penal e os demais institutos despenalizadores presentes no ordenamento jurídico, o que torna praticamente impossível uma condenação com base nessa legislação, desde que haja a devida orientação de um profissional capacitado.
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