Em análise no Senado, Nova Lei do Seguro já está defasada

Data:

Em análise no Senado, Nova Lei do Seguro já está defasada | Juristas
Camilla Barbosa Pessoa de Melo
Natállia Barbosa Pessoa de Melo da Fonte
É sócia do BPM Advocacia e do João Barbosa Assessoria Jurídica desde o ano de 2014, responsável pela Coordenação Jurídica do Contencioso de Massa.
É sócia do BPM Advocacia e do João Barbosa Assessoria Jurídica desde o ano de 2014, responsável pela Coordenação Jurídica do Contencioso de Massa.

O Projeto de Lei nº 29/2017 com seus 129 artigos está de volta ao cenário político nacional. Criado originalmente em 2004 (PL 3555/04) com a pretensão de regular o mercado de seguros privados com a observância das inovações necessárias à lei ainda em voga, o projeto foi aprovado na Câmara dos Deputados em 2017. Desde então entrou em hibernação no Senado, sendo desarquivado somente agora, em abril de 2023.

Conhecido como “Nova Lei do Seguro”, o projeto dispõe sobre normas de seguro privado, o que inclui temas como resseguro e prazos e revoga dispositivos do Código Civil. O texto é duramente criticado em nota oficial emitida por entidades representantes de empresas de seguro no Brasil.

Aprovado na Câmara há quase seis anos, o texto já sofria críticas por não atender aos padrões mercadológicos daquela época. Graças à tecnologia, que deu um plus na globalização, o mundo muda com a rapidez de provas de Fórmula 1. Assim, o projeto que estava em parte desatualizado em 2017 necessita agora de profunda revisão para dar conta das regras posteriores e das alterações mercadológicas do período.

Não é possível disputar uma prova de Fórmula 1 com uma biga. Para enfrentar a concorrência internacional, em constante aperfeiçoamento, é preciso uma boa e célere capacidade de adaptação.

LEGISLAÇÃO

Logo, observa-se o primeiro problema a ser analisado pelos nossos senadores: como formular regras que garantam a esperada segurança e, ao mesmo tempo, tenham a flexibilidade necessária para se adequar rapidamente às novidades (e exigências) do mercado securitário.

Para quem lida com seguros no país, não é novidade atuar com o delay entre necessidade real do cliente e da empresa perante a autorização legal – dificuldade que novamente se impõe com essa chamada “Nova Lei do Seguro”, em tramitação no Senado.

A liberdade contratual parece ser o grande desafio. A reduzida visão do legislador brasileiro sobre o tema engessa os contratos em detalhes mínimos, em padrões que não atendem bem nem às empresas e muito menos aos clientes efetivos e potenciais. Não permitem que o mercado se expanda naturalmente, ampliando seus produtos aos clientes que ainda não fazem parte da cartela simplesmente porque as empresas, podadas, não conseguem alcançá-los.

O desarquivamento vai exigir que os legisladores se debrucem sobre o impacto de novas regras criadas pós-2017 e em pleno vigor.

Uma dessas regras é a Lei da Liberdade Econômica (LLE), criada justamente para possibilitar maior amplitude de ação das atividades econômicas; uma lei que aproximou o Brasil do regramento utilizado com maior frequência nos países desenvolvidos. A chamada Nova Lei do Seguro se confronta com princípios da Lei da Liberdade Econômica, sobretudo no que tange à excepcionalidade da interferência estatal nas atividades econômicas.

Se a LLE absorve a atenção pelos princípios, uma outra lei precisará ser analisada de forma mais técnica por expor um detalhamento não abrangido pela Nova Lei do Seguro. Trata-se da LC nº 126, sobre resseguro. Embora criada no mesmo ano da aprovação do PLC nº 29/2017 na Câmara dos Deputados, suas normas não foram totalmente integradas.

Ademais, será preciso observar ainda as circulares da Superintendência de Seguros Privados – SUSEP, que controla e fiscaliza a atividade no país. Desde a aprovação do PL nº 29/2017, a autarquia lançou mais de duas dezenas de circulares, muitas delas trazendo mudanças significativas. Em setembro de 2021, por exemplo, foram publicadas circulares da Susep consideradas “marcos” nos seguros de Responsabilidade Civil. Desde então, as seguradoras passaram a ter mais liberdade de atuação, com um relevante grau de “despadronização” dos contratos.

O PL ainda ignora o avanço da jurisprudência do STJ acerca de diversos temas: a recente decisão sobre o dever de informação do estipulante no seguro coletivo; a desnecessidade de o segurador compartilhar com o segurado todos os documentos produzidos no âmbito da regulação de sinistros e ainda a nulidade do contrato de seguro em razão de ato doloso provocado pelo beneficiário.

TECNOLOGIA

Até então tratamos de questões legais. Mas existem também aspectos tecnológicos não contemplados. Atualmente tudo se resolve por um smartphone e os diversos aplicativos criados para facilitar a vida das pessoas, maximizando o tempo e reduzindo burocracias. No mercado de seguros, a nova lei, se aprovada do jeito que está, pode até inviabilizar o
Open Insurance.

Em um contexto mais prático, para entendimento geral, citamos um exemplo do reflexo da nova lei para o consumidor: o texto aprovado pelos deputados, e agora sob análise dos senadores, não prevê a contratação de seguros por outro meio que não seja presencial.

Em conclusão, é possível admitir que o texto da Nova Lei do Seguro, que ainda nem saiu do papel, já apresenta defasagens tão significativas que põem em xeque a iniciativa de seu desarquivamento.

No entanto, posto que o ato está consumado, alertamos que é preciso aproveitar o ensejo para se criar uma lei mais efetiva e eficaz. Uma nova lei capaz de abrir portas para a inovação, para a competitividade, para a liberdade contratual, para a adaptação aos movimentos do mercado nacional e internacional. Uma lei inovadora, que não pode ser definida sem consulta e diálogo a quem trabalha e quem usufrui do mercado securitário.


Camilla Barbosa Pessoa de Melo

É sócia do BPM Advocacia e do João Barbosa Assessoria Jurídica desde o ano de 2014, responsável pela Coordenação Jurídica do Contencioso de Massa. Pós-Graduanda em Regulação de Seguros, Saúde Suplementar e Finanças (ENS). Bacharelada
em Direito pela Centro Universitário AESO – Barros Melo (UNIAESO) em 2010. Pós-graduada em Direito Público (Faculdade Estácio); MBA em Contratos de Seguros e Inovação (Escola de Negócios de Seguros – ENS); Curso de Extensão de Direito do Seguro e Resseguro (FGV). Integrante da Comissão de Seguros e Resseguros da OAB/SP desde 2023. Integrante da Comissão de Direito Securitário da OAB/PE de 2018 até 2021. Membro da AIDA e da Associação das Mulheres do Mercado de Seguros (AMMS) desde 2020.

Natállia Barbosa Pessoa de Melo da Fonte
É sócia do BPM Advocacia e do João Barbosa Assessoria Jurídica desde o ano de 2014, responsável pela Coordenação Jurídica do Contencioso de Massa. Pós-Graduanda em Regulação de Seguros, Saúde Suplementar e Finanças (ENS). Bacharelada em Direito pela
Centro Universitário AESO – Barros Melo (UNIAESO) em 2010. Pós-graduada em Direito Público (Faculdade Estácio); LLM Direito Corporativo em Gestão Empresarial (2012 – 2013); MBA em Contratos de Seguros e Inovação (Escola de Negócios de Seguros – ENS). Integrante da Comissão de Direito Securitário da OAB/PE de 2018 até 2021. Membro da AIDA desde 2020.


Você sabia que o Portal Juristas está no FacebookTwitterInstagramTelegramWhatsAppGoogle News e Linkedin? Siga-nos por lá.

1 COMENTÁRIO

Deixe um comentário

Compartilhe

Inscreva-se

Últimas

Recentes
Veja Mais

Concessionária de energia é condenada a indenizar usuária por interrupção no fornecimento

A 33ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a condenação de uma concessionária de energia ao pagamento de R$ 10 mil por danos morais a uma usuária que ficou sem fornecimento de energia elétrica por quatro dias, após fortes chuvas na capital paulista em 2023. A decisão foi proferida pelo juiz Otávio Augusto de Oliveira Franco, da 2ª Vara Cível do Foro Regional de Vila Prudente.

Homem é condenado por incêndio que causou a morte do pai idoso

A 3ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou a condenação de um homem pelo crime de incêndio que resultou na morte de seu pai idoso. A decisão, proferida pela Vara Única de Conchal, reduziu a pena para oito anos de reclusão, a ser cumprida em regime fechado.

Remuneração por combate a incêndio no Porto de Santos deve se limitar ao valor do bem salvo

A 9ª Vara Cível de Santos condenou uma empresa a pagar R$ 2,8 milhões a outra companhia pelos serviços de assistência prestados no combate a um incêndio em terminal localizado no Porto de Santos. O valor foi determinado com base no limite do bem efetivamente salvo durante a operação.

Casal é condenado por expor adolescente a perigo e mantê-lo em cárcere privado após cerimônia com chá de ayahuasca

A 13ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) confirmou a condenação de um casal pelos crimes de sequestro, cárcere privado e exposição ao perigo à saúde ou vida, cometidos contra um adolescente de 16 anos. A decisão, proferida pela juíza Naira Blanco Machado, da 4ª Vara Criminal de São José dos Campos, fixou as penas em dois anos e quatro meses de reclusão e três meses de detenção, substituídas por prestação de serviços à comunidade e pagamento de um salário mínimo.