Em vigor desde dezembro de 2021, a “Operação Padrão” dos auditores fiscais da Receita Federal persiste ao longo do primeiro semestre de 2022 e causa imensuráveis prejuízos à população, especialmente às indústrias que dependem do desembaraço aduaneiro de mercadorias para abastecimento de seus processos produtivos e fornecimento aos clientes.
Mesmo com a alegação dos auditores pela inexistência de “greve”, as características do movimento intitulado como “Operação Padrão” coincidem com as de um movimento grevista, tanto por serem convocadas por Sindicato, evidenciando seu caráter coletivo, quanto pela morosidade também coletiva quanto aos trâmites do despacho aduaneiro.
De acordo com dados disponibilizados pela Confederação Nacional das Indústrias (CNI), 96% das empresas consultadas foram afetadas pela lentidão no desembaraço.
Em um cenário de crise ainda sob os efeitos da pandemia, com grandes dificuldades logísticas e sérios problemas de abastecimento, a recuperação econômica depende do escoamento da produção e da retomada das operações mercantis. Destas operações depende o crescimento da economia e a consequente arrecadação de tributos.
A publicação da Portaria RFB 177, em 24 de maio de 2022, sinaliza para a regulação do “bônus de eficiência” aguardado pelos auditores e principal reivindicação do movimento grevista desde a publicação da Lei 13.464/17, mas ainda não é autoaplicável e não gera expectativa quanto a um desfecho definitivo. Em paralelo, o Sindicato dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco Nacional) informou que vai manter ações como a entrega de cargos de chefia e a operação padrão nas fronteiras. O cenário tende a se agravar com o recente anúncio do Governo Federal do bloqueio orçamentário destinado ao reajuste dos servidores.
Além disso, os julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF, órgão julgador paritário que conta com representantes da Receita Federal e dos contribuintes, também vem sofrendo com a suspensão das sessões por falta de quórum regimental e divulgou, em 24/05/2022, a exoneração da presidente Adriana Gomes Rego, substituída por Carlos Henrique de Oliveira, conforme noticiado, também em decorrência da greve.
Neste cenário de prejuízos e incertezas, muitas empresas vêm se socorrendo do judiciário para tentar diminuir os prejuízos causados pela greve, baseando-se na jurisprudência já consolidada que definiu que o movimento paredista não pode interromper serviços públicos essenciais (tal como o desembaraço aduaneiro). A jurisprudência também supre uma lacuna na legislação que é em relação ao tempo para cumprimento dos atos pela fiscalização e determina como “razoável” o prazo de 8 dias, com base na analogia aplicada ao Art. 4º do Decreto 70.235/72.
A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) também reconheceu a ilicitude da greve e incluiu em sua “lista de dispensa de contestar ou recorrer” ações que possuam estes objetivos e consignou que “O particular não pode arcar com o ônus em decorrência do exercício do direito de greve dos servidores, devendo as mercadorias ser liberadas para que a parte não sofra prejuízos”.
A maioria dos juízes vem reconhecendo a ilegalidade do prazo atualmente praticado pelos fiscais (superiores a 8 dias) e concedendo decisões liminares para prosseguimento do despacho. Importante ressaltar, contudo:
i) Compete à fiscalização a análise das operações e da documentação correspondente, portanto, a liminar tem por finalidade a determinação do prosseguimento do despacho, e não o desembaraço em si. Portanto, mesmo com a ação judicial, a fiscalização continua tendo poderes (e deveres legais) para lançar exigências e fiscalizar tanto a mercadoria quanto sua documentação, obviamente, dentro de um prazo razoável. A interrupção por tempo superior ao usual é que constitui a ilegalidade.
ii) É muito importante que o importador se certifique que todas as exigências da fiscalização foram atendidas e devidamente formalizadas nos sistemas correspondentes, sob pena de não restar configurada a ilegalidade pela fiscalização.
iii) É muito comum que a fiscalização dê prosseguimento ao desembaraço quando da ciência da impetração do MS pelo importador, de forma que, antes mesmo de sua apreciação pelo judiciário, a DI seja desembaraçada ou tenha alguma movimentação por parte da aduana.
iv) Também é imprescindível, tanto para a obtenção da liminar quanto para a análise urgente do pedido, que fique demonstrado o prejuízo decorrente deste atraso.
Sendo assim, a ação judicial cumpre seu papel na maioria das vezes e constitui meio adequado (senão único) para coibir as ilegalidades na interrupção indevida do despacho aduaneiro no cenário de greve e reduzir os prejuízos causados pela inércia da fiscalização.
*João Paulo Toledo de Rezende, advogado da área Tributária Consultiva e Aduaneira e sócio da Lira Advogados.
https://www.sindifisconacional.org.br/auditores-fiscais-aprovam-paralisacao-total-em-assembleia-nacional/.
https://www.portaldaindustria.com.br/estatisticas/ce-greve-rfb/
https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2022/05/5011799-servidores-federais-rejeitam-proposta-de-reajuste-de-5-e-mantem-greve.html
https://g1.globo.com/economia/noticia/2022/06/06/governo-bloqueia-r-696-bi-em-gastos-e-empurra-decisao-sobre-reajustes-de-servidores-para-fim-de-junho.ghtml
https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2022/05/24/governo-troca-comando-do-carf.ghtml
Art. 4º Salvo disposição em contrário, o servidor executará os atos processuais no prazo de oito dias.
https://www.gov.br/pgfn/pt-br/assuntos/representacao-judicial/documentos-portaria-502/lista-de-dispensa-de-contestar-e-recorrer-art-2o-v-vii-e-a7a7-3o-a-8o-da-portaria-pgfn-no-502-2016
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