Resumo: Conforme será analisado no presente artigo, as associações se constituem na união de pessoas com um objetivo em comum, sendo que tais entidades não podem ter finalidade econômica, consonante expressa disposição do artigo 53 do Código Civil. Entretanto, com o surgimento de associações sob o nome de “proteção veicular” – que, na realidade, atuam em atividade securitária, com a venda de seguros aos associados -, nota-se um evidente desvirtuamento da natureza das associações civis. Sobre o assunto, existem inúmeras demandas judiciais em trâmite para reconhecer a ilegalidade das associações civis que atuam no setor securitário, entretanto, se faz necessária a regulamentação da matéria através de legislação específica, uma vez que a atuação dessas entidades à margem da lei possui o condão de trazer inúmeros prejuízos, não apenas ao ramo de seguros privados, mas também aos consumidores.
Palavras-chave: Associações. Seguro. Proteção Veicular.
Abstract: As will be analyzed in this article, associations constitute the union of people with a common objective, and such entities cannot have an economic purpose, in accordance with the express provision of article 53 of the Civil Code. However, with the emergence of associations under the name of “vehicular protection” – which, in reality, operate in insurance activities, with the sale of insurance to members – there is an evident distortion of the nature of civil associations. On the subject, there are numerous lawsuits in progress to recognize the illegality of civil associations operating in the insurance sector, however, it is necessary to regulate the matter through specific legislation, since the performance of these entities outside the law has the the power to bring countless losses, not only to the private insurance sector, but also to consumers.
Keywords: Associations. Safe. Vehicle Protection.
Sumário: 1. Introdução. 2. Desenvolvimento. 2.1 Origem histórica das associações no Brasil. 2.2 Constituição das associações no Brasil. 2.3 Tributação perante o fisco. 2.4 Associações com atividades securitárias. 2.4.1 Associação X Cooperativa. 2.5 Concorrência desleal no mercado segurador. 2.6 Atividade incompatível com finalidade. 2.7 Associações sob ótica da lei de liberdade econômica. 2.8 Legalidade da atividade. 3. Conclusão. 4. Referência bibliográficas.
1 INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 e o Código Civil de 2002 preveem o direito de associação, que se constitui pela união de pessoas que se organizam em prol de um mesmo objetivo, sem finalidade econômica.
O Poder Público incentiva e estimula a criação e desenvolvimento de associações, determinando a não intervenção do Estado e concedendo benefícios fiscais, uma vez que tais entidades são de grande importância para a sociedade, fazendo, muitas vezes, um trabalho de complementação às atividades estatais, notadamente nos setores da educação e assistência social.
Entretanto, nos últimos anos, foi possível constatar o surgimento de entidades atuando sob o regime de associação civil, exercendo, contudo, atividades típicas do ramo securitário.
Essas associações, que surgem no mercado sob o nome de “proteção”, “proteção veicular”, ofertam serviço semelhante ao ofertado pelos seguros privados, como proteção contra roubo, furto, incêndio, colisão e perda total, por exemplo.
Para tanto, aqueles que desejam adquirir tal proteção se reúnem para ratear os custos e as despesas com a proteção dos veículos de todos os associados. Os valores pagos a título de proteção costumam ser inferiores aos valores pagos na contratação de seguros privados e não costuma haver análise de perfil do associado – o que torna mais atrativo aos consumidores.
Entretanto, o que os “consumidores” dos programas de proteção veicular muitas vezes não são cientificados é que não estão protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor, uma vez que a associação civil não se configura como fornecedora de produtos ou serviços. Os “consumidores” são, na verdade, associados, sem amparo da legislação no caso de a associação não saldar o sinistro.
Ademais, essas entidades atuam em concorrência desleal com as empresas de seguros privados, uma vez que não seguem as normas pertinentes ao setor e não se submetem a fiscalização da SUSEP – Superintendência de Seguros Privados.
Diante disso, se analisará o contexto em que surgiram as referidas associações no Brasil e os benefícios concedidos a essas entidades, razão pelas quais vieram a se fortalecer no mercado nos últimos anos.
Por outro lado, será demonstrado também como a atuação das associações com finalidade securitária colocam os seguros privados em situação de desvantagem, bem como os riscos da atividade – não só para os demais empresários do ramo de seguros, mas principalmente para o consumidor.
Por fim, se discutirá a questão da (i) legalidade da atividade exercida por essas associações, apresentando o entendimento dos Tribunais pátrios acerca da matéria e demonstrando a urgente necessidade de se regulamentar a atuação das entidades de proteção veicular no Brasil.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 ORIGEM HISTÓRICA DAS ASSOCIAÇÕES NO BRASIL
As associações possuem previsão legislativa no Código Civil, sendo assim definidas: “Art. 53. Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos.” (BRASIL, 2002).
Nessa esteira, Veiga e Rech conceituam:
associativismo é qualquer iniciativa formal ou informal que reúne pessoas físicas ou outras sociedades jurídicas com objetivos comuns visando a superar dificuldades e gerar benefícios para seus associados. (VEIGA E RECH, 2002, p. 17)
Assim, podemos entender as associações como entidades de direito privado constituídas por grupos de pessoas ou sociedades, visando alcançar objetivos e ideais comuns, sendo dotadas de personalidade jurídica e sem fins lucrativos.
Conforme bem definido por José Eduardo Sabo Paes (2020), em sua obra Fundações, Associações e Entidades de Interesse Social, a associação pode ter finalidade “a) altruística (associação beneficente); b) egoística (associação literária, esportiva ou recreativa); e c) econômica não lucrativa (associação de socorro mútuo).” (PAES, 2020, p. 72)
A prática de associar-se buscando alcançar objetivos comuns data dos primórdios, podendo ser observada desde a pré-história, uma vez que a caça e a busca por alimentos eram feitas em grupos, de forma coletiva, com o mesmo objetivo: sobrevivência.
No Brasil, o associativismo tem início a partir da chegada da Família Real portuguesa. Em 15 de julho de 1811 foi criada em Salvador, na Bahia, a primeira associação comercial do Brasil.
A Associação Comercial da Bahia foi criada atendendo aos seguintes interesses:
(…) dos comerciantes, para terem um local condigno onde pudessem se reunir regularmente e aí realizar seus negócios, como já vinham fazendo há anos, na própria Cidade Baixa; do Vice-Rei do Brasil, D. Marcos de Noronha e Britto, VIII Conde dos Arcos de Val de Vez, interessado no desenvolvimento da província que governava, sede do maior porto do hemisfério sul na época, já aberto, desde 1808 às “nações amigas”; do Príncipe Regente, D. João VI, de promover o progresso da Colônia, sede provisória da Corte Portuguesa. (ACB, 2017)
Em que pese, na prática, as associações já existissem, legislativamente somente foram inseridas no ordenamento jurídico brasileiro em 1891. Sobre a evolução das associações no Brasil, o Supremo Tribunal Federal assim já destacou:
A primeira Constituição política do Brasil a dispor sobre a liberdade de associação foi, precisamente, a Constituição republicana de 1891, e, desde então, essa prerrogativa essencial tem sido contemplada nos sucessivos documentos constitucionais brasileiros, com a ressalva de que, somente a partir da Constituição de 1934, a liberdade de associação ganhou contornos próprios, dissociando-se do direito fundamental de reunião, consoante se depreende do art. 113, § 12, daquela Carta Política. Com efeito, a liberdade de associação não se confunde com o direito de reunião, possuindo, em relação a este, plena autonomia jurídica (…). Diria, até que, sob a égide da vigente Carta Política, intensificou-se o grau de proteção jurídica em torno da liberdade de associação, na medida em que, ao contrário do que dispunha a Carta anterior, nem mesmo durante a vigência do estado de sítio se torna lícito suspender o exercício concreto dessa prerrogativa. (…) Revela-se importante assinalar, neste ponto, que a liberdade de associação tem uma dimensão positiva, pois assegura a qualquer pessoa (física ou jurídica) o direito de associar-se e de formar associações. Também possui uma dimensão negativa, pois garante a qualquer pessoa o direito de não se associar, nem de ser compelida a filiar-se ou a desfiliar-se de determinada entidade. Essa importante prerrogativa constitucional também possui função inibitória, projetando-se sobre o próprio Estado, na medida em que se veda, claramente, ao Poder Público, a possibilidade de interferir na intimidade das associações e, até mesmo, de dissolvê-las, compulsoriamente, a não ser mediante regular processo judicial. (STF, 2005)
Foi, contudo, na Constituição Federal de 1988, promulgada ao término do período de ditadura militar e repressão, que a liberdade de associação ganhou forte relevância, sendo a participação social da população reconhecida como ferramenta imprescindível para a manutenção do Estado Democrático.
Nesse sentido, destaca Bertoldo que “O Associativismo é um instrumento vital para que uma comunidade saia do anonimato e passe a ter maior expressão social, política, ambiental e econômica.” (BERTOLDO, 2015, p. 5)
Assim, as associações, com o advento da Constituição Federal de 1988, passaram a ser regidas pelas seguintes disposições:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(…)
XVII – é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;
XVIII – a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento;
XIX – as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito em julgado;
XX – ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;
XXI – as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente; (BRASIL 1988).
Das disposições da Lei Maior, extraem-se princípios basilares para criação e atuação das associações civis no Brasil, como a liberdade de se associar e de se desassociar, a vedação à interferência estatal no seu funcionamento e legitimidade para representar seus associados.
Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas – IBGE, em seu mais recente estudo sobre as organizações da sociedade civil (2016), constatou-se a existência de 236.950 fundações privadas e associações sem fins lucrativos.
Portanto, as associações surgiram em decorrência da necessidade humana de unir esforços para atingir objetivos comuns nos mais diversos setores da sociedade (associações religiosas, patronais, de produtores rurais, etc.).
Posteriormente, tais associações foram reconhecidas como aparato essencial para o funcionamento da democracia, sendo seu funcionamento regulado na legislação pátria, notadamente na Constituição Federal de 1988 e no Código Civil de 2002.
2.2 CONSTITUIÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES NO BRASIL
O Código Civil, em seu Capítulo II, trata das associações, conceituando-as em seu artigo 53 como uma “união de pessoas que se organizem para fins não econômicos.” (BRASIL, 2002).
Na associação os integrantes são denominados associados, que podem se reunir para alcançar os mais variados fins, desde que lícitos.
São constituídas por meio de Estatuto, na forma escrita, que, segundo determina o artigo da 54 do Código Civil, deverá conter, sob pena de nulidade:
I – a denominação, os fins e a sede da associação;
II – os requisitos para a admissão, demissão e exclusão dos associados;
III – os direitos e deveres dos associados;
IV – as fontes de recursos para sua manutenção;
V – o modo de constituição e de funcionamento dos órgãos deliberativos; VI – as condições para a alteração das disposições estatutárias e para a dissolução.
VII – a forma de gestão administrativa e de aprovação das respectivas contas. (BRASIL, 2002)
Em que pese o inciso XVIII do art. 5º da Constituição Federal determine que “a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização” (BRASIL, 1988), algumas espécies de associação requerem autorização estatal. É o que ensina José Eduardo Sabo Paes, citando como exemplo as sociedades cooperativas, sindicais e de seguro, devendo a concessão estatal e o ato constitutivo serem registradas no cartório competente para que a associação adquira, então, personalidade jurídica. (PAES, 2020, p. 76)
O registro da associação no Cartório de Registro Público deverá conter todas as características da entidade, como denominação, sede, objetivos, administração, responsabilidade dos sócios, etc.
A associação terá órgãos deliberativos, que deverão constar no estatuto, sendo, em regra, a Assembleia Geral, a Diretoria Administrativa e o Conselho Fiscal. PAES (2020) assim define cada órgão:
a Assembleia Geral, órgão deliberativo responsável pelas deliberações mestras da entidade; a Diretoria Administrativa, responsável pela administração executiva da entidade, e o Conselho Fiscal, responsável pelo controle das contas da entidade. Podendo haver um quarto órgão, comumente denominado de Conselho Deliberativo, que é órgão colegiado detentor de funções deliberativas, sendo seus integrantes escolhidos pela Assembleia Geral. (PAES, 2020, p. 299)
Quanto aos associados, é obrigatório constar no estatuto os requisitos para sua admissão, demissão e exclusão – sendo que a exclusão somente poderá ocorrer havendo justa causa e sendo-lhe assegurado direito de defesa. Ressalta-se que possuem direitos iguais, entretanto, o estatuto pode prever categorias de associados com vantagens especiais, conforme permite o artigo 55 do Código Civil.
Por fim, de acordo com o artigo 54, VI, no estatuto deverão constar as condições para
dissolução da associação. As associações podem ser dissolvidas pelo término do prazo de duração – se constituída com prazo determinado –, pela ausência de interesse dos associados em assim permanecerem, ou outros motivos que devem estar previamente descritos no seu estatuto.
Após a dissolução – que assim como a constituição, deve ser registrada em cartório competente -, o remanescente do seu patrimônio líquido será destinado à entidade designada no estatuto, que também deve ser entidade sem fins econômicos, ou, no caso de omissão estatutária, à instituição municipal, estadual ou federal, de fins idênticos ou semelhantes, que será escolhida por deliberação dos associados.
2.3 TRIBUTAÇÃO PERANTE O FISCO
Considerando a importância das associações na sociedade, cujas atividades fins são de interesse geral, complementando as atividades do Estado, este, por sua vez, com intenção de fomentar a incentivar a criação e atuação de tais entidades, concede-lhes regime de tributação diferenciado.
Em alguns casos, o Poder Público concede imunidade e isenções às entidades sem fins lucrativos, como são as associações.
Sobre a imunidade tributária, ensina PAES (2020, p. 1.250) que é:
a vedação à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, de instituírem impostos sobre patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei (art. 150, VI, “c”).
Assim, ao passo que a imunidade é uma limitação constitucional ao poder de tributar, a isenção é uma exclusão do crédito tributário, por razões de política tributária, sendo uma dispensa ao pagamento – que somente pode ser concedida pelo ente tributante, através de lei específica.
Nessa esteira, no que se refere à imunidade tributária das associações, o art. 150 da Constituição Federal assim prevê:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(…)
VI. instituir impostos sobre:
(…)
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos de lei.”.
(…)
§ 4º – As vedações expressas no inciso VI, alíneas b e c, compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades neles mencionadas. (BRASIL, 1988)
Do texto da lei se pode verificar que a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios estão proibidos de instituir impostos sobre patrimônio, renda e serviços dos partidos políticos, associações sindicais, e organizações com finalidade educacional e de assistência social – desde que não possua finalidade lucrativa e a renda, patrimônio ou serviço esteja diretamente relacionada com a finalidade essencial da entidade.
O Código Tributário Nacional (CTN), em complementação à Carta Magna, elenca em seu artigo 14 os critérios para que as entidades sem fins lucrativos gozem de imunidade tributária:
I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título;
II – aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais;
III – manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão. (BRASIL, 1966)
Assim, para fazer jus à imunidade, as receitas obtidas pelas associações precisam, necessariamente, ser utilizadas na consecução de suas atividades e finalidades essenciais, sendo vedada – sob pena de suspensão do benefício e descaracterização da entidade – a distribuição de valores e a aplicação de recursos no exterior.
Como terceira condição para o gozo da imunidade tributária está a obrigação de manter organizados os livros de escrituração contábeis, para fins de eventual fiscalização do Poder Público.
Essas entidades possuem imunidade no que se refere ao Imposto de Renda (IR), Imposto sobre Transmissão Causa Mortis ou Doação (ITCMD, Imposto Sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), Imposto Sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), Imposto Sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR) e Imposto Sobre a Transmissão Inter Vivos de Bens Imóveis (ITBI), Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) e Imposto Sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços de Transporte Intermunicipal, Interestadual e de Comunicação (ICMS).
Contudo, ressalta-se que lei ordinária pode alterar os critérios para a concessão de imunidade tributária às associações.
Quanto aos demais impostos, como Imposto Sobre Operações Financeiras (IOF), Imposto Sobre Importação (II), Imposto Sobre Exportação (IE) e Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI), por atingir, ainda que de forma indireta, o patrimônio e a renda dessas entidades, também estão abrangidos pela imunidade.
Quanto às Contribuições Sociais, o art. 195, §7º da Constituição Federal determina que “São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei.” (BRASIL, 1988)
Contudo, a expressão “isenção” foi mal empregada no referido dispositivo, uma vez que na realidade se trata de imunidade, matéria que já foi decidida pelo Superior Tribunal Federal. Nesse caso, apenas as entidades beneficentes de assistência social estão abrangidas pela imunidade tributária.
As organizações sem fins lucrativos que não se enquadram nos critérios para obter a imunidade, podem ser beneficiadas por isenções. A mais relevante é, no âmbito federal, a isenção de Imposto de Renda e CSLL prevista no artigo 15 da Lei nº 9.532/1997, que dispõe:
Art. 15. Consideram-se isentas as instituições de caráter filantrópico, recreativo, cultural e científico e as associações civis que prestem os serviços para os quais houverem sido instituídas e os coloquem à disposição do grupo de pessoas a que se destinam, sem fins lucrativos.
§ 1º A isenção a que se refere este artigo aplica-se, exclusivamente, em relação ao imposto de renda da pessoa jurídica e à contribuição social sobre o lucro líquido, observado o disposto no parágrafo subsequente. (BRASIL, 1997)
Para serem abrangidos pelo benefício, entretanto, tais instituições – reforça-se – não podem ter fins lucrativos, e devem prestar serviços para os quais foram fundadas e estar à disposição do público a que tais serviços se destinam.
Ainda no âmbito federal, a legislação prevê a isenção de associações à COFINS, além de base de cálculo e alíquota especial do PIS/PASEP. Vejamos:
Art. 14. Em relação aos fatos geradores ocorridos a partir de 1º de fevereiro de 1999, são isentas da COFINS as receitas:
(…)
X — relativas às atividades próprias das entidades a que se refere o art. 13. (BRASIL, 2001)
Art. 13. A contribuição para o PIS/PASEP será determinada com base na folha de salários, à alíquota de um por cento, pelas seguintes entidades:
(…)
IV — instituições de caráter filantrópico, recreativo, cultural, científico e as associações, a que se refere o art. 15 da Lei nº 9.532, de 1997. (BRASIL, 2001)
No que se refere aos tributos Estaduais, do Distrito Federal e Municípios, as hipóteses de isenção são muito variadas, sendo que cada ente tributante legisla com relação à isenção das entidades conforme seus interesses e orçamentos.
Importa destacar, contudo, que, exercendo atos de natureza econômico-financeira incompatíveis com a natureza não lucrativa da associação, é possível a revogação do benefício da isenção fiscal.
Nesse sentido, decisão da Coordenação-Geral de Tributação da Receita Federal:
ASSOCIAÇÃO SEM FINS LUCRATIVOS. DESMEMBRAMENTO DE TERRENO. VENDA DE IMÓVEIS. ATIVIDADE INCOMPATÍVEL COM A NATUREZA SEM FINS LUCRATIVOS.
Perde o direito à isenção tributária a associação sem fins lucrativos que exerça atos de natureza econômico-financeira, incompatível com a
natureza não lucrativa da entidade, em concorrência com outras organizações que não gozam desse favor fiscal.
Dispositivos legais: Lei nº 9.532, de 1997, art. 12, § 2º, “a” a “e”, e § 3º, e arts. 13 a 15; Parecer Normativo CST nº 162, de 1974.
Cuja fundamentação do processo destacou:
6. Em relação à isenção das receitas auferidas pelas instituições sem fins lucrativos prevalece, no âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil, o entendimento de que a exploração de atividades econômicas não relacionadas ao objeto social dessas instituições, por si só, não descaracteriza o benefício fiscal da isenção do IRPJ e CSLL, desde que os resultados desta exploração sejam aplicados integralmente na consecução de seus objetivos. Por outro lado, essa isenção fica prejudicada quando a instituição explora determinada atividade em concorrência com outras pessoas jurídicas que não gozam da isenção.
Diante do exposto, é possível concluir que são inúmeras as vantagens e benefícios concedidos às associações sem fins lucrativos no que se refere à sua tributação perante o fisco, com o objeto de incentivar sua instituição e suas atividades, uma vez que de grande importância social, atuando em complementação às atividades do Estado.
Entretanto, quando tais entidades exercem atividade econômico-financeira incompatível com sua natureza (sem finalidade lucrativa) e em concorrência com outras pessoas jurídicas que não gozam de isenção tributária, o benefício deve ser revisto pela Receita Federal, verificando, no caso concreto, se conveniente sua manutenção.
2.4 ASSOCIAÇÕES COM ATIVIDADE SECURITÁRIA
O contrato de seguro possui previsão legislativa no Código Civil Brasileiro, que assim conceitua:
Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados. (BRASIL, 2002)
Ainda, a doutrinadora Maria Helena Diniz traz o seguinte conceito:
“O contrato de seguro é aquele pelo qual uma das partes (segurador) se obriga para com a outra (segurado), mediante pagamento de um prêmio, a garantir-lhe interesse legítimo relativo a pessoa ou a coisa e a indenizá-la de prejuízo decorrente de riscos futuros previstos no contrato”. (DINIZ, 2003, p. 441)
Assim, entende-se o contrato de seguro como aquele firmado por empresa devidamente constituída para tal fim, devidamente autorizada pela SUSEP, e o consumidor, sendo que, mediante o pagamento de uma contraprestação (prêmio), o segurador assume o risco de pagar indenização prevista ao segurado na eventualidade de ocorrer o risco contratualmente previsto.
Entretanto, o problema reside no fato de que a contratação de seguros através de seguradoras autorizadas encontra óbice em inúmeras condições e pré-requisitos exigidos por tais entidades para assumir o risco, como por exemplo, o perfil do motorista (idade, experiência, atividade exercida), a existência de inscrição em cadastro de inadimplentes e o tempo de uso do veículo.
A constatação, pela seguradora, da existência de qualquer causa possível de agravar o risco resulta na recusa da proposta, ou, em caso de aceitação, na cobrança de valores exorbitantes a título de prêmio.
Essa inviabilização na contratação de seguro para uma parte da população que não se encaixava nos critérios determinados pelas seguradoras resultou na criação de associações com finalidade securitária.
Essas associações, conhecidas também como “proteção veicular”, são criadas na forma de uma associação civil, entretanto, suas atividades se assemelham àquelas realizadas por sociedades seguradoras.
Seus associados são proprietários de veículos automotores (caminhões, carros, motocicletas), que contribuem para um fundo comum, que será utilizado para, na ocorrência de sinistro, pagar indenizações aos associados.
Entretanto, conforme pontua Carlos Roberto Gonçalves:
não há, entre os membros da associação, direitos e obrigações recíprocas, nem intenção de dividir resultados, sendo os objetivos altruísticos, científicos, artísticos, beneficentes, religiosos, educativos, culturais, políticos, esportivos ou recreativos. (GONÇALVES, 2010, p. 234)
Assim, os programas de proteção veicular se traduzem em típica atividade econômica, com a venda de seguros disfarçados de “proteção” e com atuação no mercado de consumo e lucros revertidos não para a própria associação, mas em benefício dos associados.
Ademais, não existe nessa forma de associação a autogestão ou auto-organização, sendo que são administradas por um pequeno grupo de pessoas, enquanto os demais ingressam como associados muitas vezes na forma de um contrato de adesão, sem interesse em atingir um objetivo comum, mas proteger seu próprio patrimônio.
A SUSEP – Superintendência de Seguros Privados alerta para a ilegalidade e ausência de segurança dos programas de proteção veicular, uma vez que não estão por ela autorizadas a comercializar seguros, não havendo qualquer tipo de acompanhamento técnico em suas operações.
As seguradoras precisam respeitar regras de capital mínimo para obter autorização de funcionamento, possuem acesso à resseguro e cosseguro e prazo máximo de até 30 (trinta) dias após a entrega da documentação pelo segurado para pagar a indenização.
Por outro lado, as associações de proteção veicular não constituem provisões técnicas e não possuem acesso à operações de transferência e divisão de riscos, além de poder firmar em seu estatuto, como prazo para adimplemento da indenização, períodos superiores à 30 (trinta) dias.
Dessa forma, tais associações constituem um risco para o associado, que acredita ser segurado, estar com seus bens protegidos e que será indenizado em caso de eventual sinistro – o que pode não ocorrer, uma vez que não existe fiscalização sobre as atividades dessas entidades.
2.4.1 Associação X Cooperativa
É importante destacar as diferenças entre Associação Civil e Cooperativa, uma vez que a segunda, quando devidamente autorizada pela SUSEP, poderá operar em alguns ramos do setor de seguros privados, conforme disposição do artigo 24 da do Decreto-Lei 73/66:
Art 24. Poderão operar em seguros privados apenas Sociedades Anônimas ou Cooperativas, devidamente autorizadas.
Parágrafo único. As Sociedades Cooperativas operarão unicamente em seguros agrícolas, de saúde e de acidentes do trabalho. (BRASIL, 1966)
Embora possuam similaridades em alguns aspectos, notadamente por ambas não possuírem finalidade lucrativa, possuem natureza distinta, além de vínculo e resultados diferentes para os associados.
A associação possui natureza mais voltada para atividades sociais, enquanto a cooperativa é mais adequada para o desenvolvimento de atividades comerciais.
As cooperativas possuem legislação própria – Lei nº 5.764 de 16 de dezembro de 1971, que dispõe sobre seu regime jurídico, forma de constituição, e outras providências.
Dentre as principais diferenças, podemos salientar que para constituir uma associação, o mínimo permitido são 02 (duas) pessoas, enquanto que para constituir uma cooperativa, são necessárias, no mínimo, 20 (vinte) pessoas.
A associação não possui capital social, sendo seu patrimônio composto principalmente por taxas pagas pelos associados e doações, e os lucros devem ser destinados à própria associação, e não aos associados.
As cooperativas, por outro lado, possuem capital social formado por quotas e os lucros decorrentes das relações comerciais podem ser distribuídos entre os cooperados – existindo ainda repasse dos valores referentes ao trabalho prestado, o que não é permitido nas associações.
2.5 CONCORRÊNCIA DESLEAL NO MERCADO SEGURADOR
A Constituição Federal de 1988, em capítulo que trata dos princípios gerais da atividade econômica, em seu artigo 170 institui, como um de seus princípios, a livre concorrência.
É através da livre concorrência que as empresas, buscando um espaço maior e melhor no mercado, aprimoram seus produtos, suas tecnologias, e fixam preços justos, o que resulta em condições mais favoráveis ao consumidor.
Entretanto, diferentemente da concorrência lícita, que estimula o desenvolvimento econômico, a concorrência desleal traz prejuízos, tanto aos outros empresários quanto aos consumidores.
Segundo Marcos E. M. Almeida:
A concorrência desleal traduz-se, portanto, em um desvio de conduta moral, com violação dos princípios da honestidade comercial, da lealdade, dos bons costumes e da boa fé, e não está presente no simples alcance dos consumidores, mas sim na maneira como se busca esse fim (ALMEIDA, 2004, p.125).
Dessa forma, em que pese à regra seja a livre concorrência, sendo esta um princípio, pode sofrer limitações quando em conflito com outros direitos.
Quanto à atuação das associações constituídas com finalidade de fornecer “proteção veicular”, sua atuação pode se configurar em concorrência desleal. As seguradoras, devidamente constituídas como tal e autorizadas pela SUSEP são obrigadas a cumprirem com inúmeras regras para poderem atuar no ramo de venda de seguros.
Dentre tais regras, podemos destacar a obrigatoriedade de provisões, fundos especiais e reservas técnicas que garantam sua solvabilidade, previstas no artigo 84 do Decreto-Lei nº 73/66 e sua sujeição ao pagamento de Impostos Sobre Operações Financeiras (IOF), obrigatoriedades não impostas às associações.
Por esses motivos, inclusive, os programas de proteção veicular conseguem vender a suposta “proteção” por preços inferiores aos das sociedades seguradoras, aproveitando-se dos benefícios dados pela legislação às associações para captação de clientela.
A SUSEP, em inúmeras demandas levadas ao Judiciário, já sustentou a ocorrência de concorrência desleal por parte das associações. Nesse sentido:
CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REMESSA OFICIAL. ASSOCIAÇÃO CIVIL. SEGURO PRIVADO DE AUTOMÓVEL. ILEGALIDADE. SUPERINTENDÊNCIA DE SEGUROS PRIVADOS – SUSEP. AUSÊNCIA DE PRÉVIA AUTORIZAÇÃO. ART. 24 DO DECRETO-LEI Nº 73/66. ART. 757 DO CÓDIGO CIVIL. RISCO AO MERCADO CONSUMERISTA. DANOS MORAIS COLETIVOS. NÃO VERIFICAÇÃO. DESPROVIMENTO. 1. Ação civil pública proposta por ente legitimado (SUSEP – Autarquia Federal) com o intuito de defesa do mercado consumerista (Lei 7.347/85, artigos 1º, II e 5º, IV). 2. Cinge-se a questão em averiguar se os serviços oferecidos pela associação-ré no denominado “Programa de Proteção do Patrimônio dos Associados”, configuram atividades privativas de sociedades securitárias, sendo permitidas somente àquelas legalmente constituídas e autorizadas. 3. Nos termos do art. 757, caput e parágrafo único do Código Civil, no contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados, sendo que somente pode ser parte, no contrato de seguro, como segurador, entidade para tal fim legalmente autorizada. 4. O Decreto-lei 73 de 21.11.1966 prevê no seu art. 24 que poderão operar em seguros privados apenas sociedades anônimas ou cooperativas devidamente autorizadas; por sinal, essa prévia autorização é de atribuição da SUSEP, que também exerce as atividades fiscalizadoras do ramo (DL 73/66, artigos 35 e 36). 5. No caso dos autos, conforme largamente demonstrado pelos procedimentos administrativos e demais documentos colacionados, o serviço de proteção veicular oferecido pela ré no âmbito do “Programa de Proteção do Patrimônio” proporciona aos associados o pagamento de indenizações em caso de sinistro de automóveis, exigindo, como contraprestação, pagamento de “taxa de adesão”. 6. Conquanto haja utilização de terminologias impróprias ou diferenciadas, a implementação do referido programa prevê, dentre outras, cláusulas de pagamento de franquia, realização de vistoria, inspeção de riscos e sinistros, descrição de riscos cobertos e não cobertos pela avença, bem como obrigações e direitos dos contratantes. 7. É certo, portanto, estar-se diante de programa cujo escopo é o oferecimento de cobertura de riscos automotivos ao mercado consumidor, atividade que, nos termos dos dispositivos legais supracitados, é típica e privativa de entidade seguradora. 8. Não sendo a ré uma entidade legalmente constituída e autorizada para a realização de atividades securitárias (bastando lembrar que se trata de uma associação civil), a manutenção de tal atuação consubstancia, além de concorrência desleal, cenário de potencial dano ao mercado consumidor, uma vez que as sociedades de seguro legalmente instituídas se submetem a rígido padrão de controle e fiscalização pelo Poder Público. Precedente. 9. A pretendida condenação por danos morais coletivos se mostra descabida no caso, pois não se demonstrou que a atividade da ré, embora desautorizada, causou sofrimentos, intranquilidade social e alterações relevantes na ordem extrapatrimonial coletiva, conforme exige a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça. (REsp 1221756/RJ, Rel. Min. Massami Uyeda, 3ªT, DJe 10/02/2012; REsp 1291213/SC, Rel. Min. Sidnei Beneti, 3ªT, DJe 25/09/2012). 10. Nega-se provimento à remessa oficial. (grifamos)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SUSEP. COMERCIALIZAÇÃO DE SEGUROS SEM A DEVIDA AUTORIZAÇÃO LEGAL. MEDIDA LIMINAR. CESSAÇÃO DAS ATIVIDADES DA ASSOCIAÇÃO-AGRAVANTE. PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DA TUTELA PROVISÓRIA. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DA RÉ. 1. A Superintendência de Seguros Privados – SUSEP, ora agravada, apurou, nos autos do processo administrativo nº 15414.000801/2013-11, que a associação agravante estava realizando atividade relacionada à comercialização de seguros sem a devida autorização legal, razão pela qual ajuizou ação civil pública, com pedido de medida liminar, objetivando cessar a sua atuação no mercado securitário. 2. In casu, deve ser reconhecida a fumaça do bom direito sustentado pela autora, ora agravada, na medida em que, da análise das informações presentes no endereço eletrônico, no Regulamento e no Estatuto Social da agravante verifica-se que os serviços prestados pela mesma possuem características de contribuição, incerteza e mutualismo, típicas dos contratos de seguro (artigo 757 do Código Civil), atividade que é regulada pela SUSEP e que a associação não possui autorização para realizar. 3. O item 2 do Regulamento de proteção Patrimonial da agravante oferece aos seus associados (proprietários de veículos automotores) proteção contra roubo, furto, incêndio e colisão, bem como prevê, nos itens 4, 11 e 12 do Regulamento, a necessidade de Franquia, Vistoria de Inspeção de Risco, Vistoria de Sinistro e Aviso de Sinistro, ou seja, elementos característicos de uma seguradora de automóveis (TRF2 – AC 2014.51.01.008143-1. Relator: Desembargador Federal Guilherme Calmon Nogueira da Gama. 6ª Turma Especializada. E-DJF2R – Data: 10/06/2016; TRF2 – APELRE 2012.51.01.044228-5. Relator: Desembargador Federal José Antonio Lisbôa Neiva. 7ª Turma Especializada. E-DJF2R – Data: 03/11/2015). 4. De outra parte, há que se reconhecer a presença do periculum in mora, também alegado pela autora, tendo em vista que a atuação da agravante sem o cumprimento das exigências legais (como recolhimento de IOF e formação de reservas técnicas) proporciona-lhe oferecer aos consumidores custo inferior àquele das entidades seguradoras regularmente constituídas, configurando concorrência desleal. 5. A paralisação das atividades da agravante protege, inclusive, os seus próprios beneficiários, uma vez que não há garantia de que os consumidores terão seus direitos assegurados em caso de eventual sinistro, já que a associação não atende às disposições legais que regem a matéria 1 securitária, principalmente em relação à manutenção de reservas técnicas. 6. Negado provimento ao agravo de instrumento interposto pela ré. (grifamos)
Há projeto de Lei em trâmite no Congresso Nacional, sob nº 3139/2015, que objetiva coibir a venda de seguros através de associações não autorizadas pela SUSEP, em evidente distorção do instituto. O PL foi aprovado por comissão especial em 22/05/2018, e permanece aguardando tramitação no Senado Federal.
Faz-se necessária uma urgente atenção do Poder Legislativo na matéria, visando coibir a atividade, ou ao menos regulamentar, de modo que atuem nos moldes da SUSEP, com sua autorização e sob sua fiscalização, visando evitar a concorrência desleal e possíveis prejuízos aos consumidores.
2.6 ATIVIDADE INCOMPATÍVEL COM FINALIDADE
Conforme se demonstrou, as associações são constituídas pela união de pessoas que se organizam para fins não econômicos e que não haverá, entre os associados, direitos e obrigações recíprocas. (BRASIL, 2002)
Entretanto, isso não é o que ocorre com as associações com finalidade securitária, como são os programas de proteção veicular.
Nesses casos, essas associações atuam, na realidade, com atividade securitária, desvirtuando-se do objetivo de uma associação (atividades sem finalidade econômica), atuando como sociedade empresária de fins econômicos.
Diante disso, é possível concluir que a atuação de associações em programas de proteção veicular é incompatível com suas finalidades.
As associações civis possuem fins altruísticos, científicos, educativos artísticos, beneficentes, religiosos, culturais, esportivos ou recreativos. E, mais importante, não possuem finalidade econômica e de trazer benefícios para os associados. As associações podem promover suas atividades e serviços, angariar recursos e, inclusive, ter lucro. Entretanto, todos esses recursos devem ser reinvestidos na própria associação.
No caso da atividade de proteção veicular exercida por associação civil, isso não é o que ocorre, uma vez que os valores angariados através de contribuições de associados não são destinados para a consecução de objetivos da associação, mas para beneficiar os associados, indenizando-os em caso de sinistro.
Não se trata de uma associação instituída por pessoas que desejam alcançar objetivos comuns e altruísticos, mas de pessoas com objetivos egoísticos, que ingressam como associados com objetivo de protegerem seu patrimônio.
Carla Gonçalves (2012) disserta:
A linha divisória entre a economicidade, ou não, da finalidade de determinada sociedade reside exatamente na frequência com que tal atividade econômica é exercida. Sendo a atividade econômica exercida de forma esporádica, isto é, com frequência tal a não denotar sua profissionalização, ainda sim poderá ser considerada uma atividade de fins não econômicos. Contudo, se, de outro modo, a atividade econômica for corriqueira, observando-se traços de organização profissional, será ela considerada de fins econômicos, modulando-se em típica atividade empresária, nos termos do artigo 966 do Código Civil Brasileiro, o que desvirtua sua condição de associação civil. Neste sentido, não pode a atividade de “proteção veicular” ser exercida por associações civis, pois, como se verá adiante, o principal objetivo desta atividade é a prática de atividade econômica de fornecimento de peças e serviços aos seus associados. E, em se tratando de principal atividade da entidade, organizada e voltada para a circulação de bens e serviços, encontrar-se-á a associação de proteção veicular exercendo atividade típica de empresário, conforme disposição contida no artigo 966 do Código Civil Brasileiro, a saber: (…) (GONÇAVES, 2012)
Assim, há clara deturpação das finalidades para as quais a associação foi constituída, sendo que a atividade exercida pelos programas de proteção veicular são absolutamente incompatíveis com as atividades típicas de associações civis.
2.7 ASSOCIAÇÕES SOB ÓTICA DA LEI DE LIBERDADE ECONÔMICA
A Medida Provisória 881/2019, convertida na Lei 13.874/2019, conhecida como Lei de Liberdade Econômica, foi o mais próximo que as associações chegaram para obter a permissão para a regularização da atividade securitária.
O texto original, em seu artigo 32, contava a seguinte redação:
Art. 32. A Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, passa a vigorar com as seguintes alterações:
(…)
“Art.53….………………………………………………………………….…………………. ………………………………………………………………..
§ 1º Não há entre os associados, direitos e obrigações recíprocos, salvo o disposto no § 2º.
§ 2º Fica assegurado aos proprietários ou possuidores de bens móveis e imóveis o direito de se organizarem em entidades de autogestão de planos de proteção contra riscos patrimoniais, em regime mutualista, podendo criar fundo próprio, desde que seus recursos sejam destinados exclusivamente à prevenção e reparação de danos ocasionados aos seus bens por danos de qualquer natureza.
§ 3º As entidades de autogestão de planos de proteção contra riscos patrimoniais de que o trata o § 2º se autorregularão através de entidade própria de âmbito nacional que se constitua especificamente para tal propósito.” (NR)
O referido trecho causou intensa reação das sociedades de seguros privados, temendo a quebra do setor, vez que não tendo as associações obrigatoriedade de constituírem fundos e reservas e sendo isentas do pagamento de impostos que recaem sobre as seguradoras, conseguem assim oferecer preços inferiores ao consumidor, o que dificultaria a manutenção das seguradoras no mercado.
Assim, diante da pressão exercida pelo setor de seguros privados, o relatório final da Medida Provisória foi publicado sem o referido artigo, tendo sido removido e convertido em Lei sem a regulamentação das Associações de proteção veicular.
2.8 LEGALIDADE DA ATIVIDADE
Para atuar no mercado securitário, é obrigatório atender à legislação pertinente, sujeitando-se à fiscalização da SUSEP, e funcionando sob sua autorização.
Entretanto, as associações de proteção veicular, que se constituem na forma de entidade sem fins lucrativos com o objetivo de se furtar da regulamentação do setor, atuam em manifesta ilegalidade.
Em que pese ainda não exista legislação específica proibindo a atuação das associações no mercado securitário, existem inúmeras decisões nos Tribunais reconhecendo a ilegalidade da atuação em casos concretos, uma vez que não possuem autorização do órgão competente para venda de seguro.
Nessa esteira, podemos destacar:
ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROTEÇÃO VEICULAR. SUSEP. VENDA DE SEGURO. NECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO LEGAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. O exercício de atividade econômica, sem a devida autorização e a observância dos requisitos legais, configura atividade ilícita que, além de extrapolar os fins da empresa, afronta o disposto no artigo 170, parágrafo único, da Constituição da República. 2. As atividades realizadas pela empresa correspondem àquelas desempenhadas pelas entidades seguradoras, as quais devem ser constituídas na forma de sociedade anônima e exigem prévia autorização da SUSEP para o seu funcionamento, sob pena de ilegalidade. 3. Conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, acolhido pela jurisprudência deste Regional e recentemente também por esta Relatora, “(…) o ônus de sucumbência, na Ação Civil Pública, rege-se por duplo regime de modo que, quando vencida a parte autora, incidem as disposições especiais dos artigos 17 e 18 da Lei 7.347/1985, contudo, quando houver sucumbência, em razão da procedência da demanda, deve-se aplicar subsidiariamente o art. 20 do CPC” (REsp 1659508/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/05/2017, DJe 17/05/2017). (grifamos)
CIVIL, ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONTRATO DE SEGURO. NECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO. SUSEP. ILEGITIMIDADE PARCIAL. PRIMAZIA DO JULGAMENTO DO MÉRITO. ART. 488 DO CPC. ATIVIDADE DE ASSOCIAÇÃO QUE SE CARACTERIZA COMO SECURITÁRIA. ILEGALIDADE. VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 757, DO CÓDIGO CIVIL, E 24, 74 E 78 DO DECRETO-LEI 73/66. “SEGURO MÚTUO”. NÃO CARACTERIZADO. INDENIZAÇÃO POR DANO DIFUSO. NÃO COMPROVAÇÃO. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. 1. Embora se vislumbre parcial ilegitimidade da SUSEP, porquanto a autarquia não tem por prerrogativa a defesa dos direitos do consumidor, analisa-se o mérito da discussão quanto ao pedido de indenização por danos difusos aos direitos do consumidor, por força do princípio da primazia do julgamento do mérito da ação, nos termos disciplinados pelo art. 488 do Código de Processo Civil. 2. A atividade desempenhada pela associação caracteriza-se como securitária e se constitui ilegal na medida em que não houve autorização do órgão competente, nos termos disciplinados pelos artigos 757, do Código Civil/2002, e 24, 74 e 78 do Decreto-lei nº 73/1966. Precedente do STJ no REsp 1616359, de relatoria do Ministro OG Fernandes, em 21/06/2018, Dje 27/06/2018. 3. Reforça a ilegalidade da atividade da associação a existência de Projeto de Lei (nº 5.934/13), em tramitação na Câmara dos Deputados, que propõe modificar o Decreto-lei nº 73/66 para permitir sociedades cooperativas de transporte operar com seguros privados por furto, acidentes e incêndios, entre outros, haja vista que exerce a atividade tipicamente securitária sem autorização do órgão competente, pelo menos enquanto não convertida em lei o referido projeto de lei. (grifamos)
A SUSEP, órgão regulador dos seguros privados no Brasil, entende que a prática da comercialização de seguros por associações civis configura ilegalidade, emitindo a seguinte orientação aos consumidores:
Algumas associações e cooperativas estão comercializando ilegalmente seguros de automóveis com o nome, por exemplo, de “proteção”, “proteção veicular”, “proteção patrimonial”, dentre outros. Como essas associações e cooperativas não estão autorizadas pela SUSEP a comercializar seguros, não há qualquer tipo de acompanhamento técnico de suas operações. A única forma legal dessas associações e cooperativas atuarem é como estipulantes de contratos de seguros, ou seja, contratando apólices coletivas de seguros junto a sociedades seguradoras devidamente autorizadas pela SUSEP, passando a representar seus associados e cooperados como legítimos segurados. (2020, p. 1)
Destarte, resta evidente a necessidade de enfrentamento do imbróglio pelo Poder Legislativo, colocando um fim definitivo nos conflitos jurídicos decorrentes e proibindo a atuação das associações com finalidade securitária, ou, ao menos, regulamentando a atividade, com a obrigatoriedade de seguirem as mesmas normas aplicadas às sociedades seguradoras.
3 CONCLUSÃO
Diante do exposto, é possível concluir que as associações de proteção veicular operam na ilegalidade, uma vez que na contramão tanto da legislação que rege as associações civis, bem como em desconformidade com as regulamentações relativas à atividade securitária.
Atualmente, a matéria segue pendente de regulamentação, sendo que as associações não são expressamente proibidas de comercializar seguros, entretanto, também não ser permitidas, uma vez que o Decreto-Lei 73/66 é taxativo ao elencar que somente poderão operar no
mercado securitário Sociedades Anônimas ou Cooperativas devidamente autorizadas – atuando, assim, à margem da lei.
As empresas de seguros privados seguem, obrigatoriamente, rígidas normas para atuar no setor, as quais não se aplicam às referidas associações, uma vez que não se submetem à legislação pertinente e à fiscalização da SUSEP. Assim, concorrem de forma desleal no mercado securitário.
Ademais, as associações não são obrigadas a constituírem provisões técnicas (como são as sociedades seguradoras) e não possuem acesso a operações de transferência e divisão de riscos, razão pela qual o pagamento de indenização em caso de sinistro é incerto.
Dessa forma, as associações com atividade securitária apresentam riscos tanto ao mercado de seguros privados quanto aos consumidores em geral, que acreditam estarem contratando um seguro, quando na realidade estão se tornando associados em uma entidade, cujos eventuais prejuízos serão rateados entre os seus membros.
A SUSEP e o Ministério Público têm atuado no sentido de demandar em juízo em face dessas associações, buscando reconhecer a ilegalidade da atividade. Conforme demonstrado, as decisões predominantes nos Tribunais são desfavoráveis às associações, considerando-as ilegais. Tais decisões, entretanto, aplicam-se somente aos casos levados à apreciação do Poder Judiciário.
Assim, ao passo que se interrompe a atividade ilegal de uma associação, outras já são constituídas, perpetuando a atuação dessas entidades no mercado securitário, furtando-se das normas aplicáveis ao setor – razão pela qual se faz urgente e indispensável a edição de legislação específica, que solucione as controvérsias acerca da matéria.
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VEIGA, Sandra Mayrink & RECH, Daniel. Associações: como constituir sociedades civis sem fins lucrativos. Rio de Janeiro: FASE; DP&A editora, 2002.
Artigo escrito por:
Dilamar Santolin Santini: Advogado – Bacharel em Direito pelo CESUL – Centro Sulamericano de Ensino Superior. Corretor de Seguros – Sócio Proprietário na empresa Dilamar Corretora de Seguros. [email protected].
Bruna Caroline Ottobelli: Advogada – Bacharel em Direito pela UNIOESTE – Universidade Estadual do Oeste do Paraná. [email protected].
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