Admissibilidade dos embargos do devedor quando há oferta parcial de garantia nos processos de execução fiscal

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Esta breve apresentação abordará a admissibilidade dos embargos do devedor quando há oferta parcial de garantia nos processos de execução fiscal.

Vale destacar, inicialmente, que nos procedimentos satisfativos (execução e cumprimento de sentença), em sentido amplo, podem ser adotadas as seguintes modalidades de defesa: i) Impugnação ao cumprimento definitivo de sentença (prevista no artigo 525, do CPC); ii) Impugnação ao cumprimento provisório de sentença (disciplinada pelo artigo 520, parágrafo 1º, do CPC); iii) Impugnação e Embargos nas pretensões executivas de alimentos (com previsão no artigo 528, do CPC); iv) Impugnação ao cumprimento definitivo de sentença em face da Fazenda Pública (com previsão no artigo 535, do CPC); v) Embargos à execução (disciplinados pelos artigos 914 a 920, do CPC); vi) Embargos à execução fiscal (previstos no art. 16 da Lei de Execuções Fiscais); e vii)  Embargos monitórios (previstos no artigo 702, do CPC)[1].

Nas execuções fundadas em títulos executivos extrajudiciais, como é o caso da Certidão da Dívida Ativa (CDA)[2], os embargos à execução representam modalidade de defesa utilizável pelo executado que almeja resistir à pretensão executiva da Fazenda Pública.

Ao contrário do que ocorre em outros procedimentos satisfativos, nos processos executivos destinados à cobrança de Dívida Ativa da Fazenda Pública, submetidos aos parâmetros específicos da Lei nº 6.830/1980, a apresentação dos embargos está condicionada à demonstração de oferta de garantia. É adequado dizer, nesse sentido, que nos processos de execução fiscal a garantia do juízo é uma condição de procedibilidade dos embargos de devedor.

E indispensabilidade de aludida condição especial de segurança do juízo pode ser notada pela interpretação do conteúdo do art. 16 da Lei nº 6.830/80[3], segundo o qual os embargos poderão ser apresentados no prazo de trinta dias, contados: i) do depósito; ii) da juntada da prova da fiança bancária ou do seguro garantia; iii) da intimação da penhora.

Pelo que se vê, o início da fluência do prazo para apresentação dos embargos depende da garantia do juízo, consolidada por um dos meios acima indicados.

O direito de apresentar embargos está amparado, em sentido amplo, em bases constitucionais, como o princípio do devido processo legal, da ampla defesa, do contraditório, da inafastabilidade, entre outros.[4] Embora o condicionamento do exercício do direito pela oferta de garantia seja reconhecidamente aceito, é preciso avaliar corretamente os seus limites.

A exigência de garantia prévia como condição para o exercício do direito de apresentação de embargos pressupõe que executado tenha no seu patrimônio bens suficientes para garantir o juízo e, injustificadamente, se recuse a oferece-los. Trata-se de hipótese na qual o executado pretende embargar a execução sem suportar, podendo fazê-lo, o ônus da garantia. Neste caso, não há dúvidas de que o condicionamento do exercício do direito de defesa é plenamente legítimo.

No entanto, há casos nos quais o executado almeja resistir à pretensão executiva da Fazenda Pública, porém não possui bens suficientes para garantir integralmente a execução e, consequentemente, apresentar os embargos. Logo, o exercício do direito de defesa, em tese, poderia ser obstado por insuficiência patrimonial involuntária do executado. Seria uma espécie de censura indireta ao sujeito que não possui patrimônio suficiente, impedido de exercer um direito constitucionalmente assegurado por não ter bens.

Esta conclusão não é aceitável. Assim, em situações dessa natureza, quando o executado não tiver bens suficientes para garantir integralmente a execução, revela-se adequado reconhecer o direito à apresentação dos embargos mesmo quando a garantia for parcialmente oferecida.

Acentue-se que essa ressalva só poderá ser admitida quando ficar evidenciado que o executado não concorreu voluntariamente para deficiência patrimonial, nem foi responsável pela ocultação ou dilapidação temerária de bens.

Portanto, como já reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça, é correto entender que nos processos de execução fiscal, não obstante a necessidade da segurança do juízo, a oferta de garantia parcial da execução não pode obstar a admissibilidade dos embargos do devedor.

A diretriz é adotada no seguinte julgado:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. INADMISSIBILIDADE. SEGURANÇA DO JUÍZO.

  1. O art. 16, § 1º, da Lei n. 6.830/1980 prevê a garantia da execução como pressuposto de admissibilidade dos embargos à execução fiscal.
  2. No julgamento do REsp 1.127.815/SP, sob o rito dos recursos repetitivos, esta Corte consolidou o entendimento de que a insuficiência de penhora não é causa bastante para determinar a extinção dos embargos do devedor, cumprindo ao magistrado, antes da decisão terminativa, conceder ao executado prazo para proceder ao reforço, à luz da sua capacidade econômica e da garantia pétrea do acesso à justiça.
  3. Na hipótese, conforme entenderam as instâncias ordinárias, a constrição via BacenJud foi ínfima diante do valor do débito e o devedor, intimado para complementar a penhora já nos autos dos embargos, restou inerte. A admissão dos embargos à execução, nessa circunstância, está subordinada ao reconhecimento inequívoco da insuficiência patrimonial do devedor, o que nem sequer foi afirmado categoricamente pela parte. Tal providência se afigura inviável na via especial ante o óbice constante da Súmula 7/STJ.
  4. Recurso especial não conhecido.

(REsp 1825983/RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/08/2019, DJe 06/09/2019)

[1] Enunciados das Jornadas de Processo do CJF – JPC-CJF ENUNCIADO 20 – Aplica-se o art. 219 do CPC na contagem do prazo para oposição de embargos à execução fiscal previsto no art. 16 da Lei n. 6.830/1980.  JPC-CJF ENUNCIADO 53 – Para o reconhecimento definitivo do domínio ou da posse do terceiro embargante (art. 681 do CPC), é necessária a presença, no polo passivo dos embargos, do réu ou do executado a quem se impute a titularidade desse domínio ou dessa posse no processo principal. JPC-CJF Enunciado 116: Aplica-se o art. 219 do CPC na contagem dos prazos processuais previstos na Lei n. 6.830/1980.  JPC-CJF Enunciado 134: A apelação contra a sentença que julga improcedentes os embargos ao mandado monitório não é dotada de efeito suspensivo automático (art. 702, § 4º, e 1.012, § 1º, V, CPC). JPC-CJF Enunciado 146: O prazo de 3 (três) dias previsto pelo art. 528 do CPC conta-se em dias úteis e na forma dos incisos do art. 231 do CPC, não se aplicando seu § 3º. JPC-CJF Enunciado 148: A reiteração pelo exequente ou executado de matérias já preclusas pode ensejar a aplicação de multa por conduta contrária à boa-fé.

[2] A certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, correspondente aos créditos inscritos na forma da lei, também é considerada título executivo extrajudicial.

 

[3] Art. 16 – O executado oferecerá embargos, no prazo de 30 (trinta) dias, contados: I – do depósito; II – da juntada da prova da fiança bancária ou do seguro garantia; III – da intimação da penhora. § 1º – Não são admissíveis embargos do executado antes de garantida a execução. § 2º – No prazo dos embargos, o executado deverá alegar toda matéria útil à defesa, requerer provas e juntar aos autos os documentos e rol de testemunhas, até três, ou, a critério do juiz, até o dobro desse limite. § 3º – Não será admitida reconvenção, nem compensação, e as exceções, salvo as de suspeição, incompetência e impedimentos, serão argüidas como matéria preliminar e serão processadas e julgadas com os embargos.

 

[4] Uma interpretação equivocada acerca do alcance da norma em apreço poderá condir ao reconhecimento da sua incompatibilidade material com o art. 5º, inciso XXXV, da CF, segundo o qual a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

Antonio Evangelista de Souza Netto
Antonio Evangelista de Souza Netto
Juiz de Direito Titular de Entrância Final do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Doutor e mestre em Direito pela PUC/SP. Pós-doutorando em Direito pela Universidade de Salamanca - Espanha. Pós-doutorando em Direito pela Universitá degli Studi di Messina - Itália. Coordenador do Núcleo de EAD da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná - EMAP.

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