Prescrição da Ação Penal
Os consulentes indagam a respeito do conceito de prescrição da ação penal, das diferentes modalidades de ação penal, e ainda se existe direito a sentença absolutória em face da prescrição penal. E, ainda indagam a respeito dos principais efeitos da ação penal no processo penal brasileiro contemporâneo.
De fato, a prescrição penal corresponde a perda do direito do Estado de aplicar a pena, ou ainda, de executá-la, em virtude de inércia ao longo de determinado tempo. Há no processo penal duas espécies de prescrição, a saber: a prescrição da pretensão punitiva ocorrente antes do julgamento definitivo do processo.
Dessa forma, a prescrição punitiva é subdividida em: a) prescrição da pretensão punitiva propriamente dita; b) prescrição da pretensão punitiva intercorrente; c) a prescrição da pretensão punitiva retroativa; e d) prescrição da pretensão punitiva virtual.
No primeiro caso, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao delito, devendo observar os prazos estabelecidos no artigo 109 do Código Penal brasileiro, isto é, ocorrerá em três anos, se o máximo da pena for inferior a um ano; ocorrerá em quatro anos, se o máximo da pena for igual a um ano ou, sendo superior, não exceder a dois anos; ocorrerá em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não exceder a quatro anos; e ocorrerá em vinte anos, se o máximo da pena for superior a doze anos.
A prescrição penal significa que o Estado não poderá mais punir determinada conduta criminosa. Porque existe um prazo para aplicação da punição. Quando tal prazo não é cumprido, ocorre a prescrição, significando que o Estado perderá esse direito.
Conforme dispõe o artigo 112 do Código Penal baseia-se em quando a atividade criminosa ocorre ou acaba. Portanto, as situações de contagem inicial da prescrição penal para as situações em que a sentença condenatória transitou em julgado ocorrem:
A partir do dia em que transita em julgado a sentença condenatória, para a acusação, ou a que revoga a suspensão condicional da pena ou o livramento condicional; A partir do dia em que se interrompe a execução, quando o tempo da interrupção deva computar-se na pena.
A prescrição penal poderá ser classificada em dois tipos, a saber: prescrição da pretensão punitiva e prescrição da pretensão executória.
A prescrição da pretensão punitiva se caracteriza pelo fato de ocorrer antes do trânsito em julgado da sentença penal, ocasionando a supressão dos efeitos do crime, de uma maneira que pareça que ele nunca aconteceu.
Já a prescrição da pretensão executória ocorre após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Ou seja, as situações que dão motivo à contagem do prazo de prescrição ocorrem após o trânsito de uma decisão judicial.
Cumpre destacar que a prescrição penal não é aplicável a todos os crimes, pois há alguns crimes imprescritíveis tais como o racismo, o feminicídio, o estupro e a ação de grupos armados contra a Constituição e a democracia, à guisa de exemplos.
Na prescrição penal, o Estado, perde o direito de punir ou perde o direito de executar a pena, em virtude do decurso de tempo. O fato continua sendo típico, ilícito e culpável. Todavia, não será punido. Logo, a prescrição tem natureza de causa extintiva da punibilidade.
Divergem os doutrinadores quanto à natureza jurídica da prescrição ser de direito material, formal ou misto, prevalecendo atualmente o entendimento que se trata de instituto de direito material, primeiro por sua situação topológica no Código Penal e, segundo, porque sempre tem como principal efeito impedir, pelo menos, a incidência da pena como sanção característica do Direito Penal. Na prescrição da pretensão punitiva, a extinção da punibilidade se estende aos efeitos penais primários e secundários e, também efeitos civis.
O artigo 117 do Código Penal brasileiro prevê causas interruptivas da prescrição. Como exemplo temos o recebimento da denúncia e a publicação da sentença condenatória.
A consequência de uma causa interruptiva é que quando ela se dá, interrompemos a contagem do prazo e começamos a contar novamente, do início. É como se todo o período transcorrido fosse literalmente perdido.
Percebe-se, portanto, duas contagens do prazo prescricional. A primeira se deu da data da consumação do fato (termo inicial da prescrição, consoante artigo 111, I do CP) e a segunda entre a data do recebimento da denúncia (causa interruptiva) e a publicação da sentença (causa interruptiva).
Outras informações que não constem de previsão legal não interromperão a contagem do prazo prescricional. Um exemplo de data irrelevante é a do oferecimento da denúncia.
O inciso V do artigo 111, do Código Penal, que dispõe acerca do termo inicial da prescrição da pretensão punitiva, foi incluído pela Lei 12.650/12 e somente pode ser aplicado para crimes cometidos a partir do dia 18/05/2012. Quanto à prescrição da pretensão executória, O artigo 112 traz a previsão do termo inicial da prescrição da pretensão executória.
No entanto, o prazo prescricional não é contado de maneira ininterrupta, pois o Código Penal brasileiro prevê causas suspensivas e interruptivas da prescrição, respectivamente nos artigos 116 e 117. Logo, as causas interruptivas que mencionamos anteriormente, se aplicam à prescrição da pretensão punitiva e da pretensão executória.
Em termos de prescrição, embora o Código Penal dedique diversos artigos (108 a 119). Lembremos que o art. 110, do CP, que trata da prescrição depois de transitar em julgado sentença final condenatória e dispõe que, a prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente.
Quando estamos tratando dessa modalidade de prescrição, que será contada depois do trânsito em julgado, após a sentença não poder mais ser modificada, estaremos diante, a princípio, da chamada prescrição da pretensão executória, desde que haja trânsito em julgado definitivo, para ambas as partes, embora o termo inicial da prescrição da pretensão executória seja o trânsito em julgado para a acusação.
Já quanto à prescrição retroativa, inicialmente é preciso entender que o parágrafo 1º pode dar margem à prescrição retroativa. A chamada prescrição retroativa é uma hipótese em que já foi analisada a prescrição da pretensão punitiva, já se analisou o termo inicial as causas interruptivas, mas não havia se operado a prescrição da pretensão punitiva. Veio a publicação da sentença, o réu foi condenado, a pena foi aplicada na sentença.
Todavia, a pena aplicada na sentença pode mudar o prazo prescricional, permitindo que a contagem seja feita novamente, de forma retroativa, desde que o termo inicial não seja momento anterior ao do recebimento da denúncia ou da queixa e desde que tenha havido trânsito em julgado para a acusação.
Quanto à impossibilidade de que a prescrição retroativa ocorra antes do recebimento da denúncia ou queixa, trata-se de uma escolha legislativa feita pela Lei 12.234/2010, que deu nova redação a este parágrafo.
A referida lei entrou em vigor no dia 06 de maio de 2010. Considera-se que a referida lei foi maléfica, pois proibiu a prescrição retroativa pré-processual, além de ter aumentado o prazo prescricional do artigo 109, VI, de dois para três anos.
Sendo assim, considerando que a lei maléfica não pode retroagir, ela somente poderá ser aplicada aos fatos cometidos a partir de sua vigência. Logo, para aqueles que praticaram fatos antes de sua vigência, será possível o reconhecimento da prescrição retroativa em momento anterior ao da denúncia ou da queixa.
A prescrição retroativa exige que tenha ocorrido o trânsito em julgado para a acusação, permitindo-se nova contagem do prazo prescricional, via de regra, a partir do recebimento da denúncia ou da queixa (fatos praticados a partir de 06/05/2010) ou em momento anterior (fatos praticados antes de 06/05/2010).
A prescrição superveniente quando o Estado não pode demorar demais para iniciar o processo, ele não pode demorar demais para sentenciar e consequentemente, também não poderá haver demora para julgar um recurso. Isso ocasionou a denominada prescrição intercorrente ou superveniente, que é justamente a que pode ocorrer na pendência do julgamento de um recurso.
Existem muitas nuances nesse tema, como, por exemplo, como calcular a prescrição se o condenador for reincidente; ou quando o sujeito começa a cumprir a pena, porém foge do estabelecimento prisional; ou quando a questão trouxer mais de um crime em concurso material, formal ou em continuidade delitiva e outros aspectos importantes.
Uma vez verificada a prescrição, esta deverá ser reconhecida pelo juiz responsável na fase processual em curso, quando declarará a extinção de punibilidade. Certamente as causas extintivas de punibilidade podem e, naturalmente, devem ser reconhecidas de ofício, inerentemente de provocação.
Porém, o advogado muitas vezes deverá apontar que a prescrição realmente ocorreu, podendo argui-la oralmente em audiência (se for o caso), ou através de petição.
Se a prescrição é verificada pela defesa no momento de apresentação de uma peça nomeada (resposta à acusação ou defesas prévias, memoriais, ou ainda em sede de razões ou contrarrazões recursais), esta causa extintiva da punibilidade deverá ser arguida como preliminar e também no mérito da petição.
Caso a prescrição se verifique em outros momentos, poderá ser requerido seu reconhecimento através de simples petição endereçada ao juiz competente, ou do habeas corpus. É o que ocorre, por exemplo, quando se verifica a prescrição ainda na fase de investigação criminal.
É tarefa hercúlea tentar esgotar a questão da origem histórica da prescrição. Cumpre recordar a prescrição civil e a prescrição penal possuem em comum a mesma origem, sendo principalmente a perda de um determinado direito em razão do decurso de certo lapso temporal.
O decurso do tempo é muito relevante, pois poderá fazer surgir direitos (como, a propriedade, no caso de usucapião), alterem-se direitos (como a transmutação da posse nova em posse velha) ou, ainda vir a perecer direitos (conforme se verifica na prescrição).
Não há como confundir a prescrição penal com a decadência penal. E, a semelhança entre tais institutos reside no fato de que ambos são causas extintivas do direito de punir do Estaddo (jus puniendi), mas as diferenças são inúmeras.
A prescrição conta com prazos mais longos (no Código Penal, de três a vinte anos), enquanto a decadência apresenta prazo exíguo de seis meses. A primeira tem aplicação para crimes de ação penal pública (condicionada e incondicionada) e privada, enquanto a segunda atinge tão somente crimes de ação penal pública condicionada à representação ou crimes de ação privada.
Ainda, a prescrição pode ocorrer antes do trânsito em julgado (prescrição da pretensão punitiva) ou depois do trânsito em julgado (prescrição da pretensão executória); já a decadência somente ocorrerá antes da ação penal.
Outro fator de afastamento entre os dois institutos reside no fato de que a prescrição se sujeita a causas suspensivas e interruptivas, enquanto o prazo decadencial é fatal e peremptório.
Também é diverso o objeto de cada qual: a prescrição extingue o direito material de punir do Estado e, como reflexo, extingue o processo; por sua vez, a decadência atinge o direito de ação e, ao mesmo tempo, o direito material, extinguindo a punibilidade. Por fim, não se pode olvidar do termo inicial de cada uma.
Na prescrição da pretensão punitiva, o termo inicial é a consumação do crime, em regra. Na prescrição da pretensão executória, o trânsito em julgado para a acusação. Para contagem do prazo decadencial, no entanto, o termo inicial é o conhecimento da autoria delitiva.
Quanto à diferença entre os institutos, é possível inclusive imaginar situação em que ocorra a prescrição antes da decadência: no caso de autoria de um direito jamais ser descoberta.
A pretensão é o ato de solicitar com veemência ou é uma exigência. Quanto há duas pretensões opostas, surge uma disputa que uma vez levada à Justiça, denomina-se lide.
No Direito Penal, há uma das pretensões do Estado que se traduz na aplicação de sanções penais aos autores de infrações penais, punir os criminosos. Ao que se denomina pretensão punitiva que corresponde ao jus puniendi, isto é, o direito de punir que nasce com o cometimento da infração penal. E, para exercer tal pretensão, é preciso buscar-se no curso do processo legal uma sentença condenatória definitiva.
Uma vez obtida a sentença criminal condenatória com o trânsito em julgado, o direito de punir já foi solidificado. E, então passa o Estado a ter outra pretensão, isto é, efetivamente punir (aplicar a pena) ou aplicar a medida de segurança.
É o interesse de ver cumprida a sanção imposta na sentença condenatória, o que não se dá mais no processo de conhecimento já extinto com julgamento do mérito , mas sim, no processo de execução. E, tal pretensão estatal recebe a denominação de pretensão executória.
Há duas pretensões estatais no direito pena, a saber: a pretensão punitiva e a pretensão executória. Não sendo exercidas as pretensões em determinados prazos, quando o Estado perderá tanto o direito de punir como o direito de executar a pena. E, a perda de tais direitos pela prescrição faz surgir as duas grandes espécies de prescrição: prescrição da pretensão punitiva, apelidada de PPP e a prescrição executória é apelidada de PPE.
A prescrição penal, portanto, pode ser definida como a perda ou a extinção do poder-dever de punir (jus puniendi) ou do poder de executar a sentença criminal que impõe uma sanção penal em decorrência do transcurso do tempo previsto em lei.
Sob o âmbito penal, o significado principal da prescrição reside na impossibilidade de o Estado aplicar o direito penal ao caso concreto, extinguindo-se, assim, a exigência de punição ao infrator. Sob a ótica processual, o decurso do tempo obstaria, especialmente, a produção de provas, o que poderia acarretar o proferimento de sentenças injustas, bem como impedir o início ou continuidade da persecução penal.
Consideramos que a prescrição pertence exclusivamente ao campo do direito material, tanto que, constituindo causa extintiva da punibilidade, vem disciplinada pelo Código Penal, e o impedimento à persecução penal consiste em mero efeito de natureza processual penal, tal qual ocorre com as outras causas extintivas da punibilidade (como anistia, renúncia, etc.).
Disso decorre uma importante consequência: o cômputo do prazo deve se dar de acordo com o direito material, ou seja, seguindo o disposto no art. 10 do CP.
Na prescrição da pretensão punitiva, o decurso do prazo previsto em lei ataca o direito do Estado de buscar a condenação. Ou seja, impede que o Poder Judiciário aprecie e julgue a lide. Atinge-se, portanto, diretamente o jus puniendi.
A prescrição da pretensão executória atua de modo semelhante à da prescrição da pretensão punitiva, contudo, em vez de impedir que o agente criminoso seja levado a julgamento, impede o Estado de dar início ou continuidade à execução a pena imposta.
Entendeu o Supremo Tribunal Federal, por maioria de seus membros, que o racismo, como crime previsto no art. 5º, XLII, da Constituição Federal, é expressão de alcance amplo e abrange também o preconceito e a discriminação por religião.
Alguns doutrinadores defendem que, nesta ocasião, o Pretório Excelso teria decidido que todos os crimes previstos na Lei 7.716/1989 são imprescritíveis (e não só aquele relacionado ao preconceito de raça – o racismo). Incluindo-se também nesse caso, segundo entendimento recente do STF a injúria racial.
É indiscutível que o Supremo Tribunal Federal adota conceitos de raça e racismo ampliados (em sentido amplo). Tanto é verdade que, em junho de 2019, o Pretório Excelso determinou que a conduta de homofobia (discriminação em razão da orientação sexual) também deve passar a ser punida pela Lei 7.716/1989, que prevê os crimes de preconceito e discriminação de raça, cor, etnia, religião e procedência nacional, até que o Congresso Nacional legisle especificamente sobre o assunto.
Neste tocante, nosso entendimento é de que houve flagrante e brutal violação ao princípio da reserva legal (não há crime sem LEI anterior que o defina), pois diferentemente da interpretação dada à expressão racismo no “Caso Ellwanger – HC 82424-RS”, o elemento dos tipos penais “religião” está expressamente previsto na Lei 7.716/1989, vale dizer, possui previsão LEGAL. Diferentemente, orientação sexual ou condição de pessoa LGBT, não.
E, se a lei não pode conter palavras inúteis (princípio elementar de hermenêutica, como estabelecido em Carlos Maxiliano): “Presume-se que a lei não contenha palavras supérfluas; devem todas serem entendidas como escritas adrede para influir no sentido da frase respectiva” (In: MAXILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito, p. 110), obviamente a expressão “racismo” – que não é mencionada em uma única vez na Lei 7.716/1989 – não pode servir de guarda-chuva para agrupar todo e qualquer grupo alvo de preconceitos e de discriminações (somente aqueles definidos como tais, por lei, repita-se).
Logo, não há lógica semântica nem razoabilidade em afirmar que o preconceito contra a população LGBT é racismo. Se assim fosse, preconceito contra as mulheres poderia ser racismo, se o Supremo Tribunal Federal assim entendesse, ou o preconceito contra os pobres ou contra palmeirenses, ou contra vascaínos, etc.
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que houve omissão inconstitucional do Congresso Nacional por não editar lei que criminalize atos de homofobia e de transfobia. O julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26, de relatoria do ministro Celso de Mello, e do Mandado de Injunção (MI) 4733, relatado pelo ministro Edson Fachin, foi concluído na tarde desta quinta-feira (13).
Por maioria, a Corte reconheceu a mora do Congresso Nacional para incriminar atos atentatórios a direitos fundamentais dos integrantes da comunidade LGBT. Os ministros Celso de Mello, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes votaram pelo enquadramento da homofobia e da transfobia como tipo penal definido na Lei do Racismo (Lei 7.716/1989) até que o Congresso Nacional edite lei sobre a matéria. Nesse ponto, ficaram vencidos os ministros Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, por entenderem que a conduta só pode ser punida mediante lei aprovada pelo Legislativo. O ministro Marco Aurélio não reconhecia a mora.
Por maioria, o Plenário aprovou a tese proposta pelo relator da ADO, ministro Celso de Mello, formulada em três pontos. O primeiro prevê que, até que o Congresso Nacional edite lei específica, as condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, se enquadram nos crimes previstos na Lei 7.716/2018 e, no caso de homicídio doloso, constitui circunstância que o qualifica, por configurar motivo torpe. No segundo ponto, a tese prevê que a repressão penal à prática da homotransfobia não alcança nem restringe o exercício da liberdade religiosa, desde que tais manifestações não configurem discurso de ódio.
Finalmente, a tese estabelece que o conceito de racismo ultrapassa aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos e alcança a negação da dignidade e da humanidade de grupos vulneráveis. Ficou vencido o ministro Marco Aurélio.
Não se trata de discordar ou não que deva ser criminalizada a homofobia (como também deveria ser pensado se o machismo deve ser criminalizado ou não), mas renunciar a um princípio previsto na Declaração Universal dos Direitos do Homem (art. 11), na Constituição da República (art. 5º, inciso XXXIX), na Convenção Americana Sobre Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica (art. 9) e no Código Penal (art. 1º), significa abrir mão de um dos principais direitos humanos ligados à liberdade, com o que não se pode concordar, nem mesmo a pretexto de defesa de minorias.
Cumpre alertar àqueles que hoje entendem e que ao tempo da decisão judicial entenderam escorreita a criminalização da homofobia pela Corte Suprema brasileira: tais pessoas não terão legitimidade (por absoluta falta de coerência) se o mesmo Supremo Tribunal Federal, numa hipotética situação futura, decidir criminalizar, por exemplo, “manifestações explícitas de afeto em público, por pessoas do mesmo sexo biológico”.
Siegfried Ellwanger, sócio–editor da Editora Revisão Ltda., foi denunciado como incurso no art. 20 da Lei 7.716/1989. Foi absolvido em primeira instância, tendo a juíza fundamentado sua decisão no fato do caso em tela não ter ultrapassado os limites da liberdade de expressão.
O processo foi, em grau de recurso, para o Tribunal de Justiça, que entendeu que os livros publicados por Siegfried Ellwanger, “O judeu internacional”, de Henry Ford, “Holocausto judeu ou alemão?”, de S. E. Castan, “A história secreta do Brasil”, de Gustavo Barroso, “Os conquistadores do mundo”, de Louis Marschalko, “Hitler, culpado ou inocente?”, de Sérgio Oliveira, e Os protocolos dos sábios de Sião, texto completo e apostilado por Gustavo Barroso, faziam apologia discriminatória e que o réu tinha praticado o racismo, condenando-o à pena de dois anos de reclusão.
A questão foi, ainda, levada ao Superior Tribunal de Justiça em ordem de habeas corpus, que, por maioria de votos, denegou a ordem, entendendo que o crime praticado contra a comunidade judaica foi de racismo, para os fins do art. 5º, XLII, da CF/1988. Por fim, o processo seguiu para a última instância, o Supremo Tribunal Federal, onde, após exausta discussão, por maioria de votos, Siegfried Ellwanger foi condenado pela prática de racismo contra o povo judeu (HC 82.424-2/RS).
Respeitosamente, discorda-se de tal entendimento. Em Direito Penal, no que se refere às normas penais de cunho incriminador (e o mesmo vale para os mandados expressos de criminalização, como a norma prevista no art. 5º, inciso XLII, da Constituição da República, na qual se previu ser o racismo crime sujeito à pena de reclusão, inafiançável e imprescritível), as expressões devem, via de regra, ser interpretadas de modo restritivo, sob pena de lesão à segurança jurídica de todos.
Assim, a própria semântica já indica que o racismo se refere a raça, principalmente. Ou seja: continuamos a entender o racismo como preconceito ou discriminação em virtude da raça (e em alguns raríssimos casos de intolerância em virtude da cor e da etnia, nas hipóteses em que os conceitos se misturam com a questão racial, em sentido estrito).
Em suma: em nosso entendimento, o delito previsto como imprescritível na Constituição Federal é o racismo em sentido estrito, ou seja, o preconceito ou a discriminação em virtude da raça, e não qualquer forma de preconceito segregacionista (por mais condenável que seja). Já a ação de grupos armados pode ser entendia como “Golpe de Estado” e está disciplinada na Lei 7.170/1983 (Lei de Segurança Nacional).
Por intermédio da leitura do dispositivo do art. 109 do CP, poder-se-ia pensar que os prazos supratranscritos somente diriam respeito à prescrição da pretensão punitiva. Porém, eles se aplicam a todos os casos, observadas as peculiaridades que doravante serão mencionadas.
A prescrição da pretensão punitiva in abstracto é calculada tendo por base o máximo da pena prevista no preceito normativo secundário, incidindo sobre ela as causas especiais de aumento de pena, bem como as qualificadoras, sendo aquelas aplicadas em seu máximo. Igualmente, as causas de diminuição, como a tentativa, devem ser aplicadas (todavia diminuídas no mínimo, de modo a incidir sobre o cálculo a maior pena possível).
De outro lado, deve-se ressaltar que não incidem no cálculo as agravantes e atenuantes genéricas, à exceção da menoridade do agente e da reincidência, por haver, em casos tais, expressa disposição legal neste sentido (art. 110, caput, e 115, CP).
Em havendo concurso de crimes (crime continuado, concurso formal ou material), não se aplicam os aumentos previstos pela lei, porquanto para efeito da prescrição são todos eles tidos como delitos isolados, nos termos do art. 119 do CP.
Já a prescrição da pretensão punitiva em concreto, tanto na modalidade retroativa quanto na modalidade superveniente (também denominada intercorrente) é calculada tendo por base a pena em concreto estabelecida na sentença condenatória.
Por fim, o prazo da prescrição da pretensão executória é calculado com base na pena aplicada na decisão que transitou em julgado ou no restante da pena ser cumprido.
Apesar de, em primeiro momento, realizar o cálculo da prescrição não parecer tarefa fácil, pode-se dividi-la nos quatro simples passos que se seguem:
(a) Determinar o parâmetro (pena máxima em abstrato? Pena em concreto? Qual modalidade de prescrição será calculada? Há qualificadora? Há causas de aumento e/ou de diminuição?;
(b) Confrontar o parâmetro com a “tabela” do art. 109 do Código Penal;
(c) Verificar a idade do agente. Caso seja, ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos ou, na data da sentença, maior de 70 (setenta) anos, o prazo prescricional deverá ser reduzido da metade, de acordo com o art. 115 do Código Penal;
(d) Verificar se o prazo prescricional obtido é maior ou menor do que o período prescricional que se analisa (conjugação entre termo inicial e causa interruptiva.
O reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva extingue a punibilidade do agente. Caso isso ocorre, algumas consequências também deverão ser observadas:
(a) Em não havendo inquérito policial para apurar o fato delituoso, ele não poderá ser instaurado;
(b) Havendo inquérito policial, este deverá ser encerrado e remetido para o fórum, com sugestão do Delegado de Polícia de análise da questão, a fim de que o Promotor de Justiça com atribuição para analisar o caso requeira seu arquivamento judicial, sem o oferecimento de denúncia;
(c) Se o Promotor de Justiça oferecer a denúncia, deverá o juiz de Direito rejeitá-la;
(d) Se a ação penal estiver em andamento, o Ministério Público ou a defesa deverão requerer a extinção do processo ou o próprio juiz poderá fazê-lo de ofício (art. 61, caput, CPP);
(e) Se o processo é concluído e o juiz somente verificar a ocorrência da prescrição no momento da sentença, deverá reconhecê-la, sem ingressar no mérito do caso;
(f) Se reconhecida em grau de recurso, seja por provocação das partes, seja de ofício pelos desembargadores, o processo será extinto, sem que a condenação em primeiro grau surta qualquer efeito.
Derradeiramente, cumpre lembrar que, se o réu for favorecido pelo reconhecimento da prescrição, não poderá ele ser processado e julgado pelo mesmo fato posteriormente.
PPP propriamente dita trata-se da prescrição calculada com base na maior pena prevista no tipo legal (pena abstrata). Pode ser calculada até que se obtenha uma sentença condenatória, pois, havendo uma sentença de mérito, os cálculos passarão a ser efetuados com base na pena em concreto.
PPP intercorrente ou superveniente à sentença condenatória consiste na prescrição calculada com base na pena fixada pelo juiz de primeiro grau na sentença condenatória.
Aplica-se, portanto, entre a publicação da sentença condenatória recorrível e o trânsito em julgado para a defesa. Contudo, para a sua ocorrência, a sentença tem de ter transitado em julgado para a acusação ou, em caso de recurso do MP, este tem de ser improvido ou não visar ao aumento da pena imposta em primeiro grau.
Como exemplo deste último caso pode-se vislumbrar aquele recurso da acusação que tenha como objetivo somente mudar o regime de cumprimento de pena, o que não importa aumento de pena.
Desta primeira definição pode-se extrair dois pressupostos relativos à prescrição da pretensão punitiva em concreto (sem se olvidar que a prescrição intercorrente ou superveniente é dela uma modalidade): (i) condenação e (ii) existência de situação processual que impeça o aumento da pena.
Caso o órgão acusatório tenha recorrido para aumentar a pena, tendo a defesa também recorrido, por hipótese, caberá ao Tribunal apreciar primeiramente o recurso da acusação.
Caso seja negado provimento (o que importa não haver aumento de pena), passará, então, a analisar mesmo antes da apreciação do recurso da defesa, se ocorreu a prescrição intercorrente. Isto porque a decisão que reconhece a prescrição impede a análise do mérito da causa.
Embora grande parcela da doutrina defina PPP retroativa como uma modalidade de prescrição contada “de trás para a frente”, entendemos que tal expressão não seja a mais feliz. Isso porque o cálculo da prescrição não se dá desta maneira. Não se conta, necessariamente, da publicação da sentença condenatória recorrível até o recebimento da denúncia, por exemplo.
O nomen refere-se, em verdade, ao cálculo da prescrição em intervalos processuais que “já ficaram para trás”, ou seja, que antes foram analisados com base na pena máxima abstratamente prevista e que, agora, passarão a ser verificados com base na pena em concreto estabelecida pelo Poder Judiciário.
Em suma, a prescrição retroativa consiste na verificação posterior dos intervalos processuais antecedentes (entre a data do fato e o recebimento da denúncia e entre o recebimento da denúncia até a publicação da sentença condenatória), só que desta feita, realizado com base na pena imposta e não na prevista in abstracto.
PPP antecipada, virtual ou projetada este tipo de prescrição é calculado com base na perspectiva da pena a ser aplicada, reconhecendo-se, com isso, antecipadamente a prescrição retroativa. Em outras palavras, trata-se de pedido de reconhecimento antecipado da prescrição retroativa com base na pena em perspectiva, ou seja, na pena hipotética.
No início da ação penal, o Promotor de Justiça, verificando a primariedade do agente e formulando mentalmente uma antecipação dos cálculos da pena, presume que a ele será conferida pena mínima ou próxima ao mínimo legal.
Ex positis, adianta-se e postula o reconhecimento da prescrição que provavelmente seria verificada apenas no futuro, na modalidade retroativa, com base na pena em concreto. Faltaria ao Ministério Público a condição da ação do interesse processual ou “interesse de agir” para oferecer a denúncia, pois o processo estaria fadado ao insucesso, uma vez que seria declarada a extinção da punibilidade pela prescrição no futuro.
Esta modalidade de prescrição, em que pese não estar prevista expressamente pela lei, era muito utilizada e aplicada pelos operadores do Direito na área criminal (mesmo após a edição da Súmula 438, STJ).
Ocorre que a Lei 12.234/2010 inseriu o § 1º no art. 110 do Código Penal, cuja redação atual consta como segue: “A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter pôr termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa”.
Por óbvio, mencionada previsão legal reduziu a aplicação da prescrição virtual. É consenso, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, que a prescrição virtual, a partir da entrada em vigência de mencionada lei, não mais pode ser aplicada no primeiro período prescricional, qual seja, da consumação do delito até o recebimento da denúncia.
Consequentemente, tal modalidade somente é hoje vista para os casos que envolvem práticas de delitos de penas elevadas cometidos antes do advento da Lei 12.234, de 05 de maio de 2010.
A dúvida reside, no entanto, quanto ao segundo período prescricional: do recebimento da denúncia até a condenação recorrível. Ainda existiria ou teria sido totalmente extinta, em maio de 2010, a prescrição retroativa reconhecida antecipadamente?
Tal tema divide os penalistas, muito embora a Súmula 438 do STJ seja categórica: “[é] inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal”.
O Código Penal brasileiro estabelece os termos iniciais da prescrição da pretensão punitiva, ou seja, os marcos temporais a partir dos quais será possível verificar se ocorreu ou não a prescrição do delito em análise.
(a) A partir da consumação do crime: embora o Código Penal tenha adotado a teoria da atividade para a prática do crime (art. 4º), para efeito da prescrição o mesmo Codex adotou a teoria do resultado. Assim, paradoxalmente, a prescrição só começa a correr a partir da consumação do delito;
(b) No caso de tentativa: inicia-se a contagem do prazo no dia em que cessou a atividade, ou seja, no dia do último ato de execução;
(c) Crimes permanentes: no dia em que cessou a permanência;
(d) Crimes habituais: o prazo prescricional inicia-se a partir da data da última das ações que constituem fato típico. Nestes crimes, não há diversos delitos, mas um crime único que atinge a consumação apenas com o último ato executório;
(e) Nos crimes de bigamia e falsificação ou adulteração de assentamento de registro civil (arts. 241 e 242 do CP): a contagem do prazo inicia-se apenas após o conhecimento do fato pela autoridade competente (delegado de polícia, juiz, promotor de justiça, etc.). Tal fato justifica-se pela dificuldade em se descobrir a ocorrência de delitos deste jaez;
(f) Crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes: a Lei 12.650/2012 acrescentou o inciso V, ao art. 111 do Código Penal, estabelecendo que o termo inicial da prescrição para os crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes será a data em que a vítima completar dezoito anos, salvo se a esse tempo já houver sido proposta a ação penal.
É importante ressaltar que tal regra se trata de modificação gravosa ao réu, datada de 18 de maio de 2012; logo, não retroage.
Se a vítima do crime sexual vier a falecer antes do seu 18º aniversário, a prescrição terá início na data da consumação do delito de natureza sexual, de acordo com a regra geral do art. 111, inciso I, do Código Penal, pois o ofendido jamais alcançará a maioridade. Já se a morte ocorrer após o 18º (décimo-oitavo) aniversário, a prescrição terá se iniciado com o advento da maioridade, na forma do art. 111, inciso V, do Código Penal.
(g) Crimes previstos na Lei de Falências (Lei 11.101/2005): de acordo com o art. 182, parágrafo único, desta lei, o prazo da prescrição começa a correr do dia da decretação da falência, da concessão da recuperação judicial ou com a homologação do plano de recuperação extrajudicial.
As causas interruptivas da prescrição obstam o seu curso, zerando o cálculo, ou seja, desprezam o tempo transcorrido anteriormente. Vale dizer: a prescrição deve ser calculada no intervalo de tempo composto pela conjugação de um termo inicial com a causa interruptiva a ele subsequente. A estes intervalos de tempo dá-se o nome de períodos prescricionais.
Convém elencar quais são marcos processuais que representam causas interruptivas:
(a) Recebimento da denúncia ou queixa. Deve ser entendido como a data em que o juiz entrega em cartório a decisão que recebeu a denúncia. Vale lembrar que o recebimento de aditamento de denúncia não tem o condão de obstar a prescrição, a não ser que inclua novo delito e somente terá tal efeito quanto a este;
(b) Publicação da sentença de pronúncia; Apenas para os crimes dolosos contra a vida e conexos. Ressalte-se, ainda, que a desclassificação do crime em plenário não afeta esta causa interruptiva, conforme enunciado da Súmula 191 do STJ;
(c) Acórdão confirmatório de pronúncia; Na data da sessão de julgamento. Note-se que o acórdão que confirma a condenação não interrompe a prescrição, mas o que confirma a pronúncia, sim;
(d) Publicação da sentença condenatória recorrível.
A publicação de uma sentença ocorre na data em que o escrivão a recebe em cartório e não na data consignada na decisão pelo julgador (art. 389, CPP: “A sentença será publicada em mão do escrivão…”). O acórdão que confirma a condenação não interrompe a prescrição, diferentemente do acórdão que confirma a pronúncia.
O acórdão somente obstará a prescrição em uma hipótese: se a sentença de primeiro grau for absolutória e o acórdão a reformar, condenando o réu. Com efeito, o que interrompe a prescrição é a primeira decisão condenatória recorrível, seja monocrática, seja colegiada.
Uma importante exceção é a sentença condenatória proferida pelo STF, pois, por não caber dela recurso, ainda que seja a primeira proferida no processo, não interromperá o curso do prazo prescricional.
Os efeitos operados pelas causas de interruptivas estendem-se tanto no plano objetivo quanto no plano subjetivo.
Cogita-se em extensão objetiva em situações com concurso de crimes: a interrupção da prescrição em relação a um dos crimes ocorrerá também nos crimes conexos que sejam objeto do mesmo processo.
Logo: num caso de furto conexo com homicídio (apurados no mesmo processo), embora cada um tenha uma contagem de prazo distinta e independente, a sentença condenatória recorrível proferida em relação ao furto interrompe a prescrição deste crime, estendendo-se esse efeito também ao homicídio.
Já a extensão subjetiva ocorre no caso de existir concurso de agentes. A interrupção da prescrição em relação a um dos agentes estende-se a todos, ainda que não sejam identificados no processo ou desconhecidos à época do fato.
As causas suspensivas da prescrição penal são aquelas que sustam o prazo, o qual recomeçará a correr do momento em que foi obstado pelo lapso temporal restante. Portanto, o prazo volta a ser contado pelo tempo restante, não retornando ao zero, como nas causas interruptivas. São chamadas no Código Penal brasileiro, em seu art. 116, de “causas impeditivas” e não se esgotam, como se verá, no próprio Código.
(a) Enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o conhecimento da existência do crime: é o caso das questões prejudiciais, aquelas cuja solução importariam em prejulgamento da causa, previstas nos art. 92 a 94 do CPP. São exemplos de questões prejudiciais a definição do estado civil quando da apuração do crime de bigamia e o estabelecimento da propriedade em processo de furto;
(b) Enquanto o agente cumpre pena, por outro motivo, no estrangeiro: suspende-se o prazo prescricional, exceto se o fato a ele imputado no estrangeiro for atípico para o direito penal brasileiro;
(c) No caso de indeferimento de pedido da casa legislativa correspondente para processar senador ou deputado federal ou ausência de deliberação a respeito (art. 53, §3º, CF).
Primeiramente, deve-se salientar que a Emenda Constitucional 35, de 20 de dezembro de 2001, retirou a necessidade de licença prévia da Casa respectiva para instaurar o processo criminal em face de deputado ou senador. O STF pode receber a denúncia, sem solicitar autorização do Poder Legislativo.
Todavia, Corte Superior pátria deverá cientificar a Câmara dos Deputados ou o Senado Federal, os quais poderão deliberar pela sustação do processo. A suspensão do processo, nesta hipótese, suspenderá a prescrição, enquanto durar o mandato.
(d) Durante a suspensão condicional do processo: nos delitos cuja pena mínima for igual ou inferior a um ano, nos termos do art. 89, § 6º, da Lei 9.099/1995;
(e) Acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado (art. 366 do CPP).
Nesta hipótese também restará suspenso o curso da prescrição até o comparecimento do réu. Contudo, é pertinente a indagação: se o acusado jamais for localizado, o processo, bem como a prescrição poderão ficar suspensos indefinidamente?
Já foi entendimento consolidado no Supremo Tribunal Federal o de que a prescrição poderia ficar suspensa por prazo indeterminado e isto não resultaria em uma nova hipótese de imprescritibilidade.
Contudo, o entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça é de que o prazo prescricional será suspenso de acordo com o resultado da combinação da pena máxima em abstrato cominada no preceito normativo secundário do tipo com a “tabela” do art. 109 do Código Penal.8 Tal posicionamento foi inclusive sumulado no enunciado 415 do mesmo tribunal: “[o] período de suspensão do prazo prescricional é regulado pelo máximo da pena cominada”.
(f) Acusado no estrangeiro, em lugar sabido, será citado por carte rogatória, suspendendo-se o prazo prescricional até seu cumprimento (art. 368, CPP): em caso de não-cumprimento da carta rogatória, o prazo voltará a correr a partir da juntada do mandado de citação não cumprido ao processo;
(g) Quando do reconhecimento de repercussão geral em Recurso Extraordinário Em 2017, o Supremo Tribunal Federal acabou por criar causa suspensiva de prescrição não prevista em lei ao reconhecer a repercussão geral no RE 966.177, de relatoria do Ministro Luiz Fux, cujo objeto é discutir a tipicidade da exploração de jogos de azar (art. 50 da Lei de Contravenções Penais).
Com base no art. 1.035, § 5º, do CPC/2015, o Pretório Excelso determinou a suspensão de todos os processos que versavam sobre esta infração penal, bem como a suspensão da prescrição durante este período, até o julgamento do caso selecionado como paradigma;
(h) Acordo de leniência nos crimes contra a ordem econômica (art. 87 da Lei 12.529/2012);
(i) Crimes contra a ordem tributária: a suspensão da prescrição pode ocorrer em várias hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, como na do parcelamento (art. 83, §2º e §3º da Lei 9.430/1996).
Ainda, para o Supremo Tribunal Federal, nos crimes materiais contra a ordem tributária (art. 1º da Lei 12.382/2011) o lançamento do tributo pendente de decisão definitiva do processo administrativo importa na falta de justa causa para a ação penal, suspendendo, porém, o curso da prescrição enquanto obstada a sua propositura pela falta do lançamento definitivo.
A prescrição da pretensão executória é a perda do poder-dever do Estado de executar a sanção imposta, em face de sua inércia durante determinado lapso temporal.
Ao contrário da prescrição da pretensão punitiva, que extingue todos os efeitos da condenação, a prescrição da pretensão executória só extingue a pena principal, permanecendo, com isso, inalterados os efeitos secundários, penais e extrapenais da condenação.
Assim, mesmo reconhecida a prescrição da pretensão executória, desde que não decorridos cinco anos da decretação da extinção da pena (período depurador), será o criminoso tido como reincidente.
Vejamos os termos iniciais:
(a) Trânsito em julgado para a acusação. Apesar de ser o expressamente previsto em lei, trata-se de situação absolutamente incompreensível, na medida em que a sentença só pode começar a ser cumprida depois do trânsito em julgado para ambas as partes.
A posição ainda majoritária na doutrina e na jurisprudência é de que o Código Penal deve ser interpretado literalmente neste aspecto. Porém, a consequência desta interpretação pode gerar a ocorrência da prescrição da pretensão executória antes mesmo de que o Estado adquira o direito de começar a executar a pena.
Parcela minoritária dos penalistas defende que o art. 112, inciso I, Código Penal, deve ser interpretado de modo sistemático, integrado ao ordenamento jurídico e de maneira conforme à Constituição Federal.
Assim, a contagem do prazo prescrição da pretensão executória só teria efetivo início quando o Estado adquirir sua pretensão executória, ou seja, puder efetivamente dar início ao cumprimento da pena.
A discussão chegou ao Supremo Tribunal Federal, no qual será votado o Tema 788, de relatoria do Ministro Dias Toffoli: “[t]ermo inicial para a contagem da PPE do Estado: a partir do trânsito em julgado para a acusação ou a partir do
trânsito em julgado para todas as partes”.
(b) Data em que é proferida decisão que revoga o livramento condicional ou o sursis. Revogado o sursis ou o livramento condicional, expede-se mandado de prisão para que, no caso de sursis, o agente cumpra a integralidade da pena e, no caso do livramento condicional, cumpra o restante dela. Trata-se do momento em que o Estado adquire o poder-dever de executar a pena, nestes casos.
(c) Dia em que a execução da pena é interrompida por qualquer motivo (por exemplo, fuga). Neste caso, a prescrição da pretensão executória será calculada com base no restante de pena a ser cumprido. Importante ressaltar que, no caso de sobrevir doença mental a condenado que esteja cumprindo pena, por mais que este deixe o estabelecimento prisional, não há que se falar em termo inicial da prescrição da pretensão executória.
Isso porque o sentenciado será transferido para hospital de custódia e tratamento. Logo, tecnicamente, não cumprirá pena, mas continuará com a liberdade cerceada e sob a custódia do Estado. Em que pese ter ocorrido a interrupção do cumprimento de pena, não começa a correr o tempo da prescrição da pretensão executória.
Resta sedimentado o entendimento de que a prescrição da pretensão executória será regulada pela legislação tributária, vez que passa ela a ser considerada dívida de valor, prescrevendo, pois, em cinco anos, prazo que deverá ser observado pela Fazenda Pública, a responsável por sua execução. Este entendimento ganhou força quando foi firmada a seguinte tese em sede de julgamento de recursos repetitivos: “[n]os casos em que haja condenação a pena privativa de liberdade e multa, cumprida a primeira (ou a restritiva de direitos que eventualmente a tenha substituído), o inadimplemento da sanção pecuniária não obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade”.
Uma segunda corrente entende que o prazo de prescrição da pretensão executória da pena de multa é o mesmo da pena privativa de liberdade, se aplicada conjuntamente com esta, em obediência ao art. 118 do Código Penal, pelo qual as penas mais leves prescrevem com as mais graves. E se foi a única imposta ao condenado, a pena de multa prescreve em dois anos (art. 114, inciso I, CP).
Parece que o entendimento majoritário fará guinada para esta segunda corrente. Isso porque o Supremo Tribunal Federal, em decisão proferida no dia 13 de dezembro de 2018, no Plenário, por maioria de votos (7×2), na ADI 3.150, decidiu que a multa é de natureza penal e o órgão legitimado a promover a execução é o Ministério Público.
Com o trânsito em julgado desta ação, entendemos que não caberá mais enviar a execução da multa à Procuradoria da Fazenda, nem tampouco julgar extinta a punibilidade, quando o réu ainda não pagou a multa, mas cumpriu a pena privativa de liberdade.
Ressalte-se que o artigo em tela faz menção tão somente à prescrição da pretensão punitiva, não se aplicando, com isso, à prescrição da pretensão executória da pena de multa. Neste caso, a discussão é antiga na doutrina e na jurisprudência.
Quanto aos crimes complexos, a prescrição da pretensão punitiva no que se refere a crime que compõe elemento típico de outro não se comunica a este. Por exemplo, no crime de extorsão mediante sequestro, a prescrição do delito de sequestro em nada afeta o tipo penal complexo do art. 159, que terá sua prescrição calculada com a pena ali cominada.
Nos crimes conexos, de outro lado, a prescrição é calculada para cada delito isoladamente. Por fim, no que tange ao crime continuado, a prescrição regula-se pela pena imposta na sentença, não se computando o acréscimo decorrente da continuação, de acordo com a Súmula 497 do STF.
As disposições quanto à prescrição do Código Penal Militar aplicam-se tanto aos crimes militares (próprios ou impróprios), quanto aos delitos constantes na Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/1983).
Por sua vez, a Lei 11.105/2005 (Lei de Falências) alterou a prescrição dos crimes falimentares, que antes ocorria em dois anos, fazendo com que tais
delitos seguissem os critérios erigidos no Código Penal, nos termos do art. 182 da Lei de Falências.
Além disso, o mesmo dispositivo estipula que o termo inicial da prescrição dos delitos falimentares se dá a partir do dia da decretação de falência, da concessão da recuperação judicial ou da homologação do plano de recuperação extrajudicial.
As causas interruptivas são previstas no artigo 117, V, VI CP (a) Início ou continuação do cumprimento da pena enquanto o sentenciado está foragido ou ainda não começou a cumprir a sua pena, o prazo da prescrição da pretensão executória está sendo contado. Porém, assim que é capturado ou recapturado, a contagem será zerada.
Saliente-se que o prazo ficará “congelado” no zero, pois, uma vez recapturado, o sentenciado voltará a cumprir a pena e o prazo não correrá.
Reincidência subsequente ou futura
No caso de o sentenciado, estando foragido, cometer outro crime, o prazo da prescrição da pretensão executória será interrompido e sua contagem será reiniciada. A interrupção da prescrição ocorre na data em que o novo crime é praticado e não na data em que transita em julgado a sentença condenatória pela prática desse novo delito.
É o entendimento da maioria da doutrina, encabeçada por Guilherme de Souza Nucci:
“Trata-se de marco interruptivo da pretensão executória. A reincidência verifica-se pela prática do segundo delito, embora fique o seu reconhecimento pelo juiz condicionado à condenação. Há quem sustente que, pelo princípio da presunção de inocência, somente a data da condenação com trânsito em julgado pode fazer o juiz reconhecer a existência da reincidência.
Esta última posição não é a correta, pois a lei é clara ao mencionar apenas reincidência, que é o cometimento de outro crime depois de já ter sido condenado. Ora, ainda que se dependa da condenação definitiva para se ter certeza do marco interruptivo, este se dá muito antes do trânsito em julgado da segunda condenação.
O prazo da prescrição da pretensão executória será acrescido de um terço se o sentenciado for reconhecido como reincidente na sentença condenatória.
Logo, a reincidência pode impactar de duas maneiras a prescrição da pretensão executória: a antecedente aumentará em 1/3 o prazo prescricional e a subsequente interromperá tal prazo.
Tal cenário somente se observará na prescrição da pretensão executória, conforme enunciado da Súmula 220 do STJ: “[a] reincidência não influi no prazo da prescrição da pretensão punitiva”.
Diminuição dos prazos prescricionais (art. 115, CP) tanto a prescrição da pretensão punitiva quanto a prescrição da pretensão executória têm seus prazos prescricionais reduzidos pela metade no caso de o agente ser menor de 21 (vinte e um) anos à época dos fatos ou maior de 70 (setenta) anos na data da sentença.
Prescrição das penas restritivas de direitos (art. 109, CP) via de regra, as penas restritivas de direitos prescrevem no mesmo tempo das penas privativas de liberdade, consoante reza o parágrafo único do art. 109 do CP, até por serem substitutivas destas.
Já o prazo da prescrição da pretensão executória de pena restritiva de direitos descumprida pelo condenado é calculado de acordo com o tempo faltante da pena alternativa aplicada em substituição à pena privativa de liberdade. 14
Ocorre que nem todas as penas restritivas de direitos são substitutivas às penas privativas de liberdade. A Lei de Drogas (Lei 11.343/2006) prevê crime cuja pena cominada é unicamente restritiva de direitos.
Trata-se do crime do art. 28 da Lei de Drogas (adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo drogas para consumo pessoal), que obedece a previsão expressa no art. 30 da mesma lei. O prazo prescricional é de 2 (dois) anos, em que pese serem aplicáveis, para este crime, as causas interruptivas do Código Penal.
Prescrição de medidas de segurança, as medidas de segurança, de acordo com o Código Penal, podem ser aplicadas aos inimputáveis e aos semi-imputáveis quando comprovada a sua periculosidade. Em qualquer hipótese, submetem-se ao instituto da prescrição, pois trata-se de espécies de sanção penal.
Polêmica não existe em relação aos semi-imputáveis: a prescrição segue a sistemática relativa às penas privativas de liberdade, uma vez que, neste caso, existe uma sentença condenatória concreta apta a servir de parâmetro para o cálculo do prazo prescricional.
Ou seja, por ser condenado o réu semi-imputável, o juiz deve, de acordo com as regras da dosimetria, fixar uma pena para, após, substituí-la por medida de segurança.
A discussão reside no caso dos inimputáveis. Existem duas posições acerca do tema, abaixo explanadas.
É possível somente a prescrição da pretensão punitiva, com base na pena máxima em abstrato, inexistindo a prescrição da pretensão executória para os inimputáveis. O motivo seria que esta última modalidade de prescrição exige a imposição de pena concreta, o que não existe no caso de medida de segurança aplicada ao inimputável.
Para os defensores deste posicionamento, no caso de fuga do inimputável ou de demora para o início da execução da medida de segurança, quando da sua captura, deve ser reanalisada a sua periculosidade. Caso persista, a medida de segurança deve ser aplicada; caso não mais se verifique, a sanção penal deve ser extinta.
Diminuição dos prazos prescricionais (art. 115, CP) tanto a prescrição da pretensão punitiva quanto a prescrição da pretensão executória podem ocorrer em relação às medidas de segurança, sendo ambas calculadas conforme a pena máxima em abstrato.
Esta segunda posição é o entendimento consolidado tanto no Supremo Tribunal Federal quando no Superior Tribunal de Justiça.
Prescrição da pena de multa é prevista no art. 114 do Código Penal estabelece como a pena de multa prescreve, no que tange à prescrição da pretensão punitiva: em dois anos quando for aplicada isoladamente ou for a única cominada in abstracto; no mesmo prazo estabelecido para a prescrição da pena privativa de liberdade, quando a multa for alternativa ou cumulativamente aplicada ou cominada com aquela prevista no tipo penal.
Diante disso, temos:(a) Quando a multa for cominada ou imposta pela sentença condenatória isoladamente, ela prescreverá no prazo de dois anos.
(b) Quando a multa for cominada abstratamente no tipo penal, cumulativa ou alternativamente com a pena privativa de liberdade, ou quando imposta na sentença condenatória juntamente com a pena privativa de liberdade, o prazo prescricional será o mesmo desta, obedecendo, portanto, ao princípio estabelecido no art. 118 do Código Penal, de que as penas mais leves prescrevem com as mais graves.
As disposições quanto à prescrição do Código Penal Militar aplicam-se tanto aos crimes militares (próprios ou impróprios), quanto aos delitos constantes na Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/1983).
Por sua vez, a Lei 11.105/2005 (Lei de Falências) alterou a prescrição dos crimes falimentares, que antes ocorria em dois anos, fazendo com que tais delitos seguissem os critérios erigidos no Código Penal, nos termos do art. 182 da Lei de Falências. A prescrição extintiva da punibilidade de crime falimentar opera-se em dois anos.
Além disso, o mesmo dispositivo estipula que o termo inicial da prescrição dos delitos falimentares se dá a partir do dia da decretação de falência, da concessão da recuperação judicial ou da homologação do plano de recuperação extrajudicial.
A propósito da jurisprudência pátria
que vem esclarecer que os efeitos da prescrição equivalem à da absolvição, ou seja, o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva equivale à proclamação da inocência do acusado, razão pela qual inexiste qualquer efeito decorrente da prolação de um édito condenatório.
TJMG Rec. em Sentido Estrito XXXXX10089771001MG
Ementa: Recurso em Sentido Estrito. Prescrição da Pretensão Punitiva Estatal. Reconhecida e Extinção da Punibilidade declarada pelo juízo a quo. Perdimento da Caução depositada nos autos em favor do agente. Inconformismo Ministerial. Perdimento em favor do Estado. Impossibilidade. Efeitos da Prescrição equivalem à absolvição. Recurso Não Provido. (Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/busca?q=prescri%C3%A7%C3%A3o+que+equivale+%C3%A0+absolvi%C3%A7%C3%A3o Acesso em 29.7.2023)
Cumpre expor que apesar prescrição da pretensão punitiva na ação penal não impede andamento de ação indenizatória no juízo cível.
Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a prescrição da ação penal não afasta o interesse processual no exercício da pretensão indenizatória por meio de ação civil ex delicto (ação movida pela vítima na Justiça cível para ser indenizada pelo dano decorrente do crime).
Com base nesse entendimento, o colegiado negou provimento ao recurso em que se questionava acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), o qual decidiu ser possível a tramitação de ação civil com pedido de indenização por danos morais e materiais causados a uma vítima de lesão corporal grave, mesmo tendo sido reconhecida a prescrição no juízo criminal.
Segundo os autos, a vítima sofreu agressões físicas em 2004. Em 2010, o agredido ajuizou a ação civil ex delicto contra seus agressores. Em 2014, porém, após sentença penal condenatória por lesão corporal grave, a pena dos réus foi extinta pela prescrição retroativa.
No recurso ao STJ, os supostos agressores alegaram que a ação indenizatória só poderia ter sido ajuizada se houvesse condenação criminal transitada em julgado. Sustentaram ainda que a pretensão reparatória estaria prescrita.
Independência relativa
“A decretação da prescrição da pretensão punitiva do Estado impede, tão somente, a formação do título executivo judicial na esfera penal, indispensável ao exercício da pretensão executória pelo ofendido, mas não fulmina o interesse processual no exercício da pretensão indenizatória a ser deduzida no juízo cível pelo mesmo fato”, esclareceu a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi.
De acordo com a ministra, o ordenamento jurídico brasileiro estabelece a existência de relativa independência entre as jurisdições cível e penal.
Segundo ela, quem pretende pedir ressarcimento por danos sofridos com a prática de um delito pode escolher ajuizar ação cível de indenização ou aguardar o desfecho da ação penal, para, então, liquidar ou executar o título judicial eventualmente constituído pela sentença penal condenatória transitada em julgado.
A relatora explicou ainda que a pretensão da ação civil ex delicto “se vincula à ocorrência de um fato delituoso que causou danos, ainda que tal fato e sua autoria não tenham sido definitivamente apurados no juízo criminal”.
Prescrição suspensa
Nancy Andrighi destacou que o Código Civil de 2002 dispõe que, quando a ação civil se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva.
Assim, afirmou a relatora, embora a ação de conhecimento possa ser ajuizada a partir do momento em que nasce a pretensão do ofendido, o prazo de prescrição da pretensão reparatória se suspende quando o mesmo fato começa a ser apurado na esfera criminal. Daí em diante, o ofendido passa a ter também a opção de liquidar ou executar eventual sentença penal condenatória.
Ao negar provimento ao recurso especial, por unanimidade, a turma observou que a pretensão da vítima da agressão não era de liquidação ou execução da sentença penal transitada em julgado.
Segundo Nancy Andrighi, a vítima quer somente ver reparados os danos que lhe foram causados pelos agressores, valendo-se, para ajuizar a ação civil ex delicto, apenas do fato de terem sido condenados em primeira instância. (Vide in:https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1914027&num_registro=201900182386&data=20200226&formato=PDF ).
Cumpre elucidar ainda outro aspecto pela jurisprudência pátria.
A sentença de absolvição imprópria não interrompe a prescrição
Ementa Oficial
HABEAS CORPUS. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. DESCLASSIFICAÇÃO, DE HOMICÍDIO PARA LESÕES CORPORAIS. ABSOLVIÇÃO IMPRÓPRIA. APELAÇÃO DEFENSIVA. TRANSCURSO DE LAPSO SUPERIOR A QUATRO ANOS. RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA.
1. “A medida de segurança se insere no gênero sanção penal, do qual figura como espécie, ao lado da pena. Por tal razão, o Código Penal não necessita dispor especificamente sobre a prescrição no caso de aplicação exclusiva de medida de segurança ao acusado inimputável, aplicando-se, assim, nestes casos, a regra inserta no art. 109, do Código Penal” (HC 41.744/SP, Relatora Ministra Laurita Vaz, DJ de 20.6.2005).
2. Sob outro prisma, impõe-se salientar que a sentença de absolvição imprópria não interrompe a prescrição, já que esta não se insere no rol taxativo do art. 117 do Código Penal.
3. Diante disso e considerando que, entre a prolação da pronúncia e a do julgamento da apelação, transcorreu lapso superior a 4 (quatro) anos, tem-se configurada a prescrição da pretensão punitiva, especialmente porque a pena máxima prevista para o delito atribuído à ora paciente é de 1 (um) ano de detenção (art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena – detenção, de três meses a um ano).
4. Ordem concedida, com ratificação de liminar, com o intuito de declarar extinta a punibilidade na ação penal de que aqui se trata por força da prescrição da pretensão punitiva – art. 107, IV, do Código Penal. (HC n. 172.179/SP, relator Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 22/3/2012, DJe de 16/4/2012.) (In: CAVALCANTE, Márcio André Lopes. A sentença de absolvição imprópria não interrompe a prescrição. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/d9812f756d0df06c7381945d2e2c7d4b>. Acesso em: 29/07/2023)
Em geral, a prescrição da ação penal ocorre em razão da falta da materialidade delitiva e de precariedade das investigações criminais seja em comprovar a existência do crime, seja quanto a autoria. Portanto, pode-se cogitar que quando ocorre a prescrição da pretensão punitiva exsurge o direito à sentença absolutória.
Nilo Batista apud Bitencourt foi categórico ao afirmar in verbis: “a prescrição é instituto de direito material; pertence, pois, ao direito pena”, in Decisões Criminais Comentadas p. 147. Ainda conforme disse Liebman apud Bitencourt, a prescrição é uma preliminar de mérito, porque alcança o direito material e, assim chamada pela qualidade da coisa julgada, não diferindo em nada dos efeitos e consequências de uma sentença absolutória, com a diferença de que nesta se diz que o réu é inocente (mesmo pela dúvida), e naquela, que não se pode sequer dizer isto, ou mesmo se é culpado, porque não verificável tal juízo de impossibilidade de fazê-lo por força da prescrição, necessária e preliminarmente examinada como matéria de mérito – o haver pretensão – e que importará na rejeição da denúncia, se já oferecida (artigo 43, II do CPP).
Quer na sentença absolutória, quer na extinção de punibilidade pela prescrição, há coisa julgada – e como dito por Liebman apud Bitencourt – isto se presta, tout court “a garantir o resultado prático e concreto do processo ou, em outras palavras, o seu efeito, apenas isso, devendo considerar sem relevância a amplitude da matéria lógica discutida e examinada no processo”, quer dizer, o que interessa é o que o processo possa trazer de praticamente útil e efetivo como meio de tutela, na composição do conflito
É o parecer que:
A prescrição penal é a perda do direito do Estado de aplicar a pena ou de executá–la, em virtude da inércia ao longo de determinado tempo. No processo penal, há duas espécies de prescrição: a prescrição da pretensão punitiva, que ocorre antes do julgamento definitivo do processo, e a prescrição da pretensão executória, que ocorre depois do julgamento definitivo.
Segundo a lição de Rogerio Greco temos o conceito de prescrição: “Dessa forma, poderíamos conceituar a prescrição como o instituto jurídico mediante o qual o Estado, por não ter tido capacidade de fazer valer o seu direito de punir em determinado espaço de tempo previsto pela lei, faz com que ocorra a extinção da punibilidade”.
A prescrição da pretensão punitiva pode ser subdividida em: a) prescrição da pretensão punitiva propriamente dita; b) prescrição da pretensão punitiva intercorrente; c) prescrição da pretensão punitiva retroativa e d) prescrição da pretensão punitiva virtual.
A prescrição da pretensão executória, por fim, incide depois do trânsito em julgado da condenação e regula-se pela pena aplicada, observando também os prazos do art. 109 do Código Penal.
Assim, caso o acusado seja condenado a uma pena de 01 (um) ano e, depois de 04 (quatro) anos do trânsito em julgado da sentença, não houver sequer iniciado o cumprimento da pena, ocorre a perda do direito do Estado de executá-la, eximindo-se o réu de cumpri-la, por conta da prescrição da pretensão executória, embora remanesçam os efeitos secundários da condenação, como a reincidência e os maus antecedentes – algo que não ocorre nas hipóteses de extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva, em quaisquer de suas modalidades.
Em geral, como a prescrição da ação penal dá-se na maioria dos casos por falta de materialidade delitiva, faz jus o réu ou acusado direito à sentença absolutória em face dos princípios da presunção da inocência do reo bem como do devido processo legal.
Comemora-se o fim da eternidade da persecução penal processual, vale dizer, a demora do Poder Judiciário não deve ser imposta ao acusado, sob pena de violar o princípio constitucional da razoável duração do processo, disciplinado no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal e da dignidade da pessoa humana, fundamento de todo o ordenamento jurídico brasileiro. Entretanto, essa mesma vedação não se impõe a persecução penal na fase investigativa, ressalvada a prescrição da pretensão punitiva em abstrato, conforme já mencionado.
A modalidade de prescrição da pretensão punitiva obsta o exercício da ação penal em qualquer fase, por não haver interesse apto a legitimar a intervenção estatal, autorizando-se inclusive a absolvição sumária do acusado com a extinção da sua punibilidade.
O prazo prescricional não se revela em ser um favor em prol do criminoso ou acusado, mas uma garantia de que a ameaça de sanção contra ele não será perpétua. Enfim, a prescrição é medida salutar que atende não somente aos nobres ditames do direito penal contemporâneo, mas, principalmente, aos direitos fundamentais, à dignidade da pessoa humana. Já a imprescritibilidade se revela em ser medida desproporcional, cabendo ao Estado de otimizar sua estrutura e seus órgãos repressivos para que a punição não seja aplicada no tempo legalmente determinado.
Referências
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Autores:
Gisele Leite. Professora universitária há três décadas. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Pesquisadora – Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Presidente da Seccional Rio de Janeiro, ABRADE – Associação Brasileira de Direito Educacional. Vinte e nove obras jurídicas publicadas. Articulistas dos sites JURID, Lex Magister. Portal Investidura, Letras Jurídicas. Membro do ABDPC – Associação Brasileira do Direito Processual Civil. Pedagoga. Conselheira das Revistas de Direito Civil e Processual Civil, Trabalhista e Previdenciária, da Paixão Editores – POA -RS.
Ramiro Luiz Pereira da Cruz. Advogado, Pós-Graduado em Direito Processual Civil. Articulista de várias revistas e sites jurídicos renomados. Vice-Presidente da Seccional Rio de Janeiro da ABRADE – Associação Brasileira de Direito Educacional.
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