Limites ao direito de exclusividade do uso da marca
O Superior Tribunal de Justiça entende que o direito de exclusividade do uso da marca é, em regra, limitado pelo princípio da especialidade, ou seja, à classe para a qual foi deferido o registro. Jurisprudência em Teses – Edição nº 24.
Esta orientação pode ser observada nos seguintes julgados:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO MARCÁRIO. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. AÇÕES DE ABSTENÇÃO DE USO CUMULADAS COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO. NOME EMPRESARIAL E MARCA. COLIDÊNCIA. FUNDAMENTAÇÃO RECURSAL. DEFICIÊNCIA. SÚMULA Nº 284/STF. PROTEÇÃO DO NOME EMPRESARIAL. LIMITAÇÃO GEOGRÁFICA. PRINCÍPIO DA TERRITORIALIDADE.
- Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
- Demandas contrapostas versando sobre o direito de uso da marca “HERING” e do sinal figurativo “FIGURA DOS DOIS PEIXES”, tendo como partes, de um lado, CIA. HERING, detentora do registro perante o INPI, e, de outro, LOJAS HERING S.A., que, sob tal denominação (nome empresarial), arquivou seus atos constitutivos perante a Junta Comercial do Estado de Santa Catarina em data anterior ao registro.
- Considera-se deficiente a fundamentação recursal quando o dispositivo legal indicado como malferido não possui comando normativo suficiente para infirmar os fundamentos do acórdão recorrido, tampouco para sustentar a tese defendida pela parte recorrente. Incidência, por analogia, do óbice contido na Súmula nº 284/STF.
- Impossibilidade de discutir, na hipótese, se o registro da marca “HERING” e do sinal figurativo “FIGURA DOS DOIS PEIXINHOS” poderia ou não ter sido efetuado perante o órgão competente, por se tratar de fato consumado ocorrido em 16/7/1952 (data do pedido efetuado perante o INPI), sem nenhuma oposição no prazo legal.
- Os impasses decorrentes de colisão entre nome comercial (denominação) e marca não são resolvidos apenas pelo critério da anterioridade, devendo-se levar em consideração o princípio da territorialidade, ligado ao âmbito geográfico de proteção, e o princípio da especificidade, que vincula a proteção da marca ao tipo de produto ou serviço, salvo quando declarada pelo INPI de “alto renome” ou “notória”. Precedentes.
- A tolerância do uso da marca por terceiros, ainda que por prolongado período, não retira do seu titular o exercício das prerrogativas que a lei lhe confere, entre os quais as que lhe asseguram o direito de usá-la com exclusividade e de impedir que outros a utilizem para a mesma finalidade.
- Sendo a ora recorrida (CIA. HERING) a titular da marca “HERING” e do sinal figurativo “FIGURA DOS DOIS PEIXINHOS”, a ela é facultada a utilização de seus sinais distintivos em conjunto com a expressão genérica “LOJA”, mesmo que traduzida para o idioma inglês (STORE), por se tratar de termo evocativo cujo único intuito é descrever o tipo de estabelecimento comercial.
- Nos termos dos arts. 1.029, § 1º, do CPC/2015 e 255, § 1º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, a indicação de divergência jurisprudencial requisita comprovação e demonstração, esta, em qualquer caso, com a transcrição dos trechos dos acórdãos que configurem o dissídio, mencionando-se as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados, não se oferecendo como bastante a simples transcrição de ementas, sem realizar o necessário cotejo analítico a evidenciar a similitude fática entre os casos apontados e a divergência de interpretações. Precedentes.
- Recurso especial não conhecido.
(REsp 1801881/SC, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/08/2019, DJe 03/09/2019)
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. MARCA. MATÉRIA QUE DEMANDA REEXAME DE FATOS E PROVAS. SUMULA 7 DO STJ. ACÓRDÃO EM SINTONIA COM O ENTENDIMENTO FIRMADO NO STJ.SÚMULA 83 DO STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
- De acordo com o princípio da especialidade, positivado no inciso XIX do artigo 124 da Lei 9.279/96, a exclusividade do uso do sinal distintivo somente é oponível a produtos ou serviços idênticos, semelhantes ou afins, dada a possibilidade de indução do consumidor em erro ou de associação com marca alheia. Desse modo, o princípio da especialidade autoriza a coexistência de marcas idênticas, desde que os respectivos produtos ou serviços pertençam a ramos de atividades diversos. Precedentes.
- A conclusão do Tribunal de origem no sentido de que: “Embora os litigantes atuem no ramo da alimentação, o nome empresarial da ré indica claramente que atua exclusivamente no segmento de chopperia, enquanto a marca da autora relaciona-se à oferta de pizzas.”; não pode ser revista por esta Corte Superior, pois demandaria, necessariamente, reexame de fatos e provas, o que é vedado em razão do óbice da Súmula 7 do STJ.
- Agravo interno não provido.
(AgInt no AREsp 1162667/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 02/04/2019, DJe 08/04/2019)
RECURSO ESPECIAL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. NULIDADE DE MARCA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. INDICAÇÃO DO DISPOSITIVO LEGAL VIOLADO. AUSENTE. SÚMULA 284/STF. QUEBRA DA CONFIANÇA LEGÍTIMA. CIRCUNSTÂNCIA NÃO VERIFICADA. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. ATOS DE CONCORRÊNCIA DESLEAL. AUSÊNCIA. SECONDARY MEANING, SIGNIFICAÇÃO SECUNDÁRIA OU DISTINTIVIDADE ADQUIRIDA. FENÔMENO QUE NÃO POSSUI O ALCANCE PROPUGNADO PELA RECORRENTE. DIREITO DE EXCLUSIVIDADE. MITIGAÇÃO. MARCA EVOCATIVA. SINAL DE USO COMUM. EMPRESAS QUE PRATICAM ATIVIDADES DISTINTAS. CONFUSÃO. NÃO OCORRÊNCIA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. SIMILITUDE FÁTICA NÃO DEMONSTRADA.
- Ação ajuizada em 7/1/2008. Recurso especial interposto em 18/7/2014 e concluso à Relatora em 14/3/2018.
- O propósito recursal é verificar a higidez do ato administrativo que concedeu o registro da marca nominativa AMERICA AIR, na classe que assinala serviços de transporte aéreo, à empresa recorrida.
- Devidamente analisadas e discutidas as questões deduzidas pelas partes, ainda que o resultado do julgamento contrarie os interesses da recorrente, não há que se cogitar de negativa de prestação jurisdicional.
- O recurso especial não pode ser conhecido quando a indicação expressa do dispositivo legal violado está ausente.
- A concessão do registro marcário pelo órgão administrativo competente não constitui circunstância apta a criar na recorrente a legítima expectativa de que o INPI não iria deferir quaisquer outros pedidos de registro de sinais que, segundo a percepção particular do detentor do direito marcário, conflitaria com o seu. Hipótese em que não se verifica a ocorrência de quebra de confiança legítima, insegurança jurídica ou de má-fé dos recorridos.
- Como regra, a utilização de sinal marcário obtido regularmente junto ao INPI não pode ser entendido como conduta fraudulenta ou desonesta praticada com o intuito de angariar ou desviar, ilicitamente, a clientela de terceiros. O sucesso de pretensão deduzida nesse sentido, na medida em que implica grave restrição ao direito titulado pelo proprietário da marca impugnada, exigiria comprovação da prática de conduta fraudulenta ou de sua má-fé ao requerer o registro, circunstâncias cujo exame, consoante entendimento cristalizado na Súmula 7/STJ, é defeso em sede de recurso especial.
- Tratando-se de marcas evocativas ou sugestivas, aquelas que apresentam baixo grau de distintividade, por se constituírem a partir de expressões que remetem à finalidade, natureza ou características do produto ou serviço por elas identificado, como ocorre no particular, este Tribunal tem reconhecido que a exclusividade conferida ao titular do registro comporta mitigação, devendo ele suportar o ônus da convivência com outras marcas semelhantes. Precedentes.
- O fenômeno da distintividade adquirida (significação secundária ou secondary meaning) ocorre em relação a algum signo de caráter comum, descritivo ou evocativo que, dada a perspectiva criada no consumidor ao longo de um largo tempo de uso, passa a adquirir eficácia distintiva suficiente, a ponto de possibilitar seu registro como marca.
- A exclusividade de uso pretendida nesta demanda, todavia, não constitui decorrência lógica, direta e automática do reconhecimento da aquisição de distintividade. Deve-se ter em consideração as circunstâncias usualmente analisadas para decidir sobre a possibilidade ou não de convivência entre marcas em aparente conflito.
- Em se tratando de marcas fracas, descritivas ou evocativas, afigura-se descabida qualquer alegação de anterioridade de registro quando o intuito da parte for o de assegurar o uso exclusivo de expressão dotada de baixo vigor inventivo. Precedente.
- O âmbito de proteção de uma marca é delimitado, acima de tudo, pelo risco de confusão que o uso de outro sinal, designativo de serviço idêntico, semelhante ou afim, possa ser capaz de causar perante o consumidor.
- No particular, diante do fato de a denominação impugnada tratar-se de expressão evocativa/sugestiva e de ambas as empresas prestarem serviços distintos – não tendo sido constatada a possibilidade de confusão junto ao público – inexiste, a partir da interpretação da lei de regência e do quanto consolidado pela jurisprudência do STJ, qualquer razão jurídica apta a ensejar a declaração de nulidade do registro marcário da recorrida.
- O dissídio jurisprudencial deve ser comprovado mediante o cotejo analítico entre acórdãos que versem sobre situações fáticas idênticas.
RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E NÃO PROVIDO.
(REsp 1773244/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/04/2019, DJe 05/04/2019)
Informações Complementares à Ementa
“[…] a confiança depositada pelas partes de uma relação somente merece proteção jurídica a partir do momento em que se mostra capaz de nelas criar uma expectativa legítima. Tal expectativa se caracteriza pelo fato de, quando frustrada, abalar os primados da boa-fé e da segurança jurídica. Importa consignar que a confiança legítima não pode ser extraída de um contexto de mera expectativa, como no particular, o qual não gera a tutela jurídica pleiteada”.
“[…] marcas de convivência possível não podem se tornar oligopolizadas, patrimônios exclusivos de um restrito grupo empresarial, devendo o Judiciário reprimir a utilização indevida da exclusividade conferida ao registro quando esse privilégio implicar na intimidação da concorrência, de modo a impedi-la de exercer suas atividades industriais e explorar o mesmo segmento mercadológico.'”.
(VOTO VISTA) (MIN. RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA)
“[…] apesar de o registro conferir o direito ao uso exclusivo do signo, esse direito não é absoluto, encontrando limites seja nos princípios da especialidade e da territorialidade, seja no grau de distintividade da marca, o qual pode variar com o decorrer do tempo.
Nesse contexto, o registro da marca, ainda que concedido sem ressalvas, não é suficiente para gerar uma expectativa legítima de que serão indeferidos todos os pedidos de registro que o titular da marca considerar semelhantes ao seu”.
“[…] uma marca para ser registrada, isto é, para ser apropriada por alguém com exclusividade, precisa destacar-se suficientemente do domínio comum, não se podendo conceder a alguém a propriedade privada e exclusiva sobre termos verbais que são usados comumente pelas pessoas quando tratam daquele objeto ou serviço. Em razão disso, os signos descritivos não são, a princípio, apropriáveis como marca (artigo 124, VI, da Lei nº 9.279/1996).
“[…] analisando as marcas no contexto de mercado em que estão inseridas, isto é, no meio em que o consumo é realizado, verifica-se que ali convivem diversos signos semelhantes, utilizando os termos ‘air’, ‘airway’ e ‘airlines’, assim como nomes de países e continentes […].
A presença desses elementos comuns é capaz de desenvolver no consumidor uma atenção aos detalhes que diferenciam cada marca. A natureza do consumo é mais sensível, afastando a possibilidade de erro, não obstante a semelhança entre as marcas concorrentes.
Esse fenômeno é denominado na doutrina de teoria da distância, segundo a qual uma nova marca não precisa guardar distância desproporcional em relação ao grupo de marcas semelhantes já aceitas no mercado. Assim, a comparação se dá não somente entre as marcas em disputa, mas também quanto ao mercado pertinente”.
PROPRIEDADE INDUSTRIAL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO CPC/73. REGISTRO DE MARCA. ANTERIORIDADE IMPEDITIVA. NULIDADE. COLIDÊNCIA CONFIGURADA. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. EXISTÊNCIA DE FUNDAMENTOS NÃO ATACADOS. INCIDÊNCIA, POR ANALOGIA, DA SÚMULA Nº 283 DO STF. REFORMA DO JULGADO. PRETENSÃO RECURSAL QUE ENVOLVE O REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 7 DO STJ. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO.
- Inaplicabilidade do NCPC neste julgamento ante os termos do Enunciado Administrativo nº 2, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
- A Corte local considerou que não há que se falar em convivência pacífica entre os signos em questão, tendo em conta que há patente identidade gráfica e fonética entre o núcleo marcário, ou seja, o elemento principal das marcas em confronto, somado ao fato de que em ambas sobressai o termo MAGAZZINO, e que se destinam a assinalar produtos de alimentação (massa). Além disso, a Corte local reconheceu que o vocábulo estrangeiro MAGAZZINO, que significa “loja ou armazém”, não guarda relação direta com o produto ou serviço a distinguir, quer dizer, com o segmento “alimentação” que visa representar, colhendo, assim, a não aplicação do art. 124, VI, da LPI.
- A subsistência de fundamentos inatacados impede a admissão da pretensão recursal, a teor do entendimento da Súmula nº 283 do STF, por analogia.
- A alteração das conclusões do acórdão recorrido, acerca da possibilidade ou não de cooexistência das marcas MAGAZZINO DI MASSA e MAGAZZINO COMESTIBILI M SPECIALI para fins de registro no INPI, exige reapreciação do acervo fático-probatório da demanda, o que faz incidir o óbice da Súmula nº 7 do STJ.
- Recurso especial não conhecido.
(REsp 1727965/RJ, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/09/2018, DJe 11/10/2018)
Informações Complementares à Ementa
(VOTO VENCIDO) (MIN. PAULO DE TARSO SANSEVERINO)
“[…] ‘marcas fracas ou evocativas, que constituem expressão de uso comum, atraem a mitigação da regra de exclusividade decorrente do registro, admitindo-se a sua utilização por terceiros de boa-fé'”.
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE “NULIDADE PARCIAL” DA MARCA MISTA “G GRADIENTE IPHONE”. APARELHOS TELEFÔNICOS COM ACESSO À INTERNET. PRETENSÃO AUTORAL DE INSERÇÃO DE RESSALVA INDICATIVA DA FALTA DE EXCLUSIVIDADE DA UTILIZAÇÃO DA PALAVRA “IPHONE” DE FORMA ISOLADA. MITIGAÇÃO DA EXCLUSIVIDADE DO REGISTRO DE MARCA EVOCATIVA.
- A distintividade é condição fundamental para o registro da marca, razão pela qual a Lei 9.279/96 enumera vários sinais não registráveis, tais como aqueles de uso comum, genérico, vulgar ou meramente descritivos, porquanto desprovidos de um mínimo diferenciador que justifique sua apropriação a título exclusivo (artigo 124).
- Nada obstante, as marcas registráveis podem apresentar diversos graus de distintividade. Assim, fala-se em marcas de fantasia (expressões cunhadas, inventadas, que, como tais, não existem no vocabulário de qualquer idioma), marcas arbitrárias (expressões já existentes, mas que, diante de sua total ausência de relação com as atividades do empresário, não sugerem nem, muito menos, descrevem qualquer ingrediente, qualidade ou característica daquele produto ou serviço) e marcas evocativas.
- A marca evocativa (ou sugestiva ou fraca) é constituída por expressão que lembra ou sugere finalidade, natureza ou outras características do produto ou serviço desenvolvido pelo titular. Em razão do baixo grau de distintividade da marca evocativa, a regra da exclusividade do registro é mitigada e seu titular deverá suportar o ônus da convivência com outras marcas semelhantes. Precedentes das Turmas de Direito Privado.
- Contudo, deve ser ressalvada a hipótese em que o sinal sugestivo, em função do uso ostensivo e continuado, adquire incontestável notoriedade no tocante aos consumidores dos produtos ou serviços de determinado segmento de mercado. Tal exceção decorre do disposto na parte final do inciso IV do artigo 124 da Lei 9.279/96, que aponta a registrabilidade do signo genérico ou descritivo quando revestido de suficiente forma distintiva.
- A aferição da existência de confusão ou da associação de marcas deve ter como parâmetro, em regra, a perspectiva do homem médio (homo medius), ou seja, o ser humano razoavelmente atento, informado e perspicaz, o que não afasta exame diferenciado a depender do grau de especialização do público-alvo do produto ou do serviço fornecido. Ademais, em seu papel de aplicador da lei, deve o juiz atender aos fins sociais a que ela se destina e às exigências do bem comum (artigo 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB).
- No que diz respeito às marcas, sua proteção não tem apenas a finalidade de assegurar direitos ou interesses meramente individuais do seu titular, mas objetiva, acima de tudo, proteger os adquirentes de produtos ou serviços, conferindo-lhes subsídios para aferir a origem e a qualidade do produto ou serviço, tendo por escopo, ainda, evitar o desvio ilegal de clientela e a prática do proveito econômico parasitário. Assim pode ser resumida a função social da marca à luz da Constituição Federal e da Lei 9.279/96 7. O conjunto marcário “G GRADIENTE IPHONE” apresenta dois elementos: um elemento principal (a expressão “GRADIENTE”) e dois secundários (o “G” estilizado e o termo “IPHONE”). O elemento principal exerce papel predominante no conjunto marcário, sendo o principal foco de atenção do público alvo. De outro lado, o elemento secundário pode desempenhar um papel meramente informativo ou descritivo em relação ao escopo de proteção pretendido.
- No caso, a expressão “iphone”, elemento secundário da marca mista concebida pela IGB, caracteriza-se como um termo evocativo, tendo surgido da aglutinação dos substantivos ingleses “internet” e “phone” para designar o aparelho telefônico com acesso à internet (também chamado de smartphone), o que, inclusive, ensejou o registro da marca na classe atinente ao citado produto. Desse modo, não há como negar que tal expressão integrante da marca mista sugere característica do produto a ser fornecido. Cuida-se, portanto, de termo evidentemente sugestivo.
- Sob essa ótica, a IGB terá que conviver com o bônus e o ônus de sua opção pela marca mista “G GRADIENTE IPHONE”: de um lado, a simplicidade e baixo custo de divulgação de um signo sugestivo de alguma característica ou qualidade do produto que visava comercializar (o que tinha por objetivo facilitar o alcance de seu público-alvo); e, de outro lado, o fato de ter que suportar a coexistência de marcas semelhantes ante a regra da exclusividade mitigada das evocativas, exegese consagrada nos precedentes desta Corte.
- Diferentemente do que ocorreu com a IGB, a Apple, com extrema habilidade, conseguiu, desde 2007, incrementar o grau de distintividade da expressão “iPhone” (originariamente evocativa), cuja indiscutível notoriedade nos dias atuais tem o condão de alçá-la à categoria de marca notória (exceção ao princípio da territorialidade) e, quiçá, de alto renome (exceção ao princípio da especificidade).
- No que diz respeito ao”iPhone” da Apple, sobressai a ocorrência do fenômeno mercadológico denominado secondary meaning (“teoria do significado secundário da marca”), mediante o qual um sinal fraco (como os de caráter genérico, descritivo ou até evocativo) adquire eficácia distintiva (originariamente inexistente) pelo uso continuado e massivo do produto ou do serviço. A distinguibilidade nasce da perspectiva psicológica do consumidor em relação ao produto e sua marca, cujo conteúdo semântico passa a predominar sobre o sentido genérico originário. 12. Assim, é certo que a utilização da marca “iPhone” pela Apple – malgrado o registro antecedente da marca mista “G GRADIENTE IPHONE” – não evidencia circunstância que implique, sequer potencialmente, aproveitamento parasitário, desvio de clientela ou diluição da marca, com a indução dos consumidores em erro.
- Em outra vertente, o uso isolado do termo “iPhone” por qualquer outra pessoa física ou jurídica (que não seja a Apple), para designar celulares com acesso à internet, poderá, sim, gerar as consequências nefastas expressamente rechaçadas pela lei de regência e pela Constituição da República de 1988.
- Tal exegese não configura prejuízo à IGB, que, por ter registrado, precedentemente, a expressão “G GRADIENTE IPHONE”, poderá continuar a utilizá-la, ficando apenas afastada a exclusividade de uso da expressão “iphone” de forma isolada.
- Recursos especiais da IGB Eletrônica e do INPI não providos.
(REsp 1688243/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 20/09/2018, DJe 23/10/2018)
RECURSO ESPECIAL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. DIREITO MARCÁRIO. AÇÃO ANULATÓRIA DE REGISTRO E AÇÃO DECLARATÓRIA DE AUSÊNCIA DE INFRAÇÃO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS NA ÁREA JURÍDICA. DIREITO DESPORTIVO. VIOLAÇÃO DO ART. 128, § 1º, DA LPI. NÃO OCORRÊNCIA. EXPRESSÃO DE USO COMUM OU GENÉRICO. MARCA EVOCATIVA. AUSÊNCIA DE IMPEDIMENTO REGISTRAL. CIRCUNSTÂNCIAS ESPECÍFICAS DA HIPÓTESE. PRETENSÃO RECONVENCIONAL. INVIABILIDADE. PRINCÍPIO DA HARMONIA E SEPARAÇÃO DE PODERES.
- Ação de nulidade ajuizada em 21/10/2003. Recurso especial interposto em 18/10/2013 e concluso ao Gabinete em 12/1/2018.
- O propósito recursal é verificar a higidez do ato administrativo que concedeu o registro da marca “PRAXIS” à recorrente e os efeitos do resultado dessa análise sobre o trâmite do pedido de registro da mesma expressão pela recorrida perante o INPI.
- Considerando-se o fato de a Classe 42 da NCL(7) não servir para identificar exclusivamente serviços privativos da advocacia, bem como as especificidades ínsitas ao Direito Desportivo, cuja Justiça especializada ostenta natureza administrativa, é de se concluir que a prestação de consultorias e informações nessa área, pela recorrente, não pode ser tida – exceto se devida e casuisticamente comprovado, circunstância não ventilada no acórdão recorrido – como atividade que viola os ditames do art. 1º, II, da Lei 8.906/94 e 4º, parágrafo único, do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB. 4. Como consectário, o ato concessivo do registro marcário impugnado não apresenta a nulidade apontada, pois foram cumpridos os requisitos exigidos pelo art. 128, § 1º, da Lei de Propriedade Industrial.
- A marca em questão (PRAXIS) não se enquadra na definição de marca evocativa, na medida em que seu elemento nominativo não se relaciona com as características ou com a função dos serviços prestados por seu titular. 6. A regra do art. 124, VI, da LPI não inviabiliza, a priori, o registro de sinais comuns ou vulgares, devendo-se analisar, cumulativamente, se tais expressões guardam relação com o produto ou o serviço que a marca visa distinguir ou se elas são empregadas comumente para designar alguma de suas características, circunstâncias não verificadas no particular.
- À míngua de qualquer notícia apontando para a ocorrência de ilegalidades praticadas pelo INPI no curso da tramitação do procedimento administrativo registral iniciado pela recorrida, tem-se que inexiste razão jurídica apta a justificar a interferência do Judiciário na espécie, sob risco de ofensa ao princípio da independência e harmonia entre os Poderes.
- Recurso especial parcialmente provido.
(REsp 1736835/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/06/2018, DJe 25/06/2018)
Considerações gerais
A propriedade industrial, regulada basicamente pela lei nº 9.279/1996, é um dos ramos da propriedade intelectual.
A propriedade intelectual é composta pelos estudos dos direitos autorais e da propriedade industrial.
O Direito Autoral compreende, basicamente: as obras literárias, artísticas e científicas (Lei 9.610/98) e os programas de computador ou software (Lei 9.609/98).
A propriedade industrial compreende, basicamente: as patentes (de invenção e modelo de utilidade) e os registros (de marca e de desenho industrial).
Registro de marcas
O registro de marcas está disciplinado nos artigos 122 e seguintes da lei n. 9279/96 (LPI).
Espécies de marcas
a) Marca de produto ou serviço
É a marca usada para distinguir produto ou serviço de outro idêntico, semelhante ou afim, de origem diversa (art. 123, I, da LPI)
b) Marca de certificação
É a marca usada para atestar a conformidade de um produto ou serviço com determinadas normas ou especificações técnicas, notadamente quanto à qualidade, natureza, material utilizado e metodologia empregada (art. 123, II, da LPI)
c) Marca coletiva
É a marca usada para identificar produtos ou serviços provindos de membros de uma determinada entidade (art. 123, III, da LPI).
d) Marca de alto renome
Marca de alto renome é a marca registrada no Brasil com proteção especial, em todos os ramos de atividade (art. 125 da LPI)
Representa uma exceção ao princípio da especialidade.
e) Marca notoriamente conhecida
A marca notoriamente conhecida é a aquela que goza de proteção especial, independentemente de estar previamente depositada ou registrada no Brasil (art. 126 da LPI).
Representa uma exceção ao princípio da territorialidade.
Signos não registráveis como marca
O art. 124 da LPI aponta inúmeras hipóteses de signos não registráveis como marca.
Entre outros, não são registráveis como marca:
a) brasão, armas, medalha, bandeira, emblema, distintivo e monumento oficiais, públicos, nacionais, estrangeiros ou internacionais, bem como a respectiva designação, figura ou imitação;
b) letra, algarismo e data, isoladamente, salvo quando revestidos de suficiente forma distintiva;
c) expressão, figura, desenho ou qualquer outro sinal contrário à moral e aos bons costumes ou que ofenda a honra ou imagem de pessoas ou atente contra liberdade de consciência, crença, culto religioso ou idéia e sentimento dignos de respeito e veneração;
d) designação ou sigla de entidade ou órgão público, quando não requerido o registro pela própria entidade ou órgão público;
e) reprodução ou imitação de elemento característico ou diferenciador de título de estabelecimento ou nome de empresa de terceiros, suscetível de causar confusão ou associação com estes sinais distintivos.
Prazo de vigência do registro de marca
O registro da marca vigorará pelo prazo de 10 (dez) anos, contados da data da concessão do registro, prorrogável por períodos iguais e sucessivos.
O pedido de prorrogação deverá ser formulado durante o último ano de vigência do registro, instruído com o comprovante do pagamento da respectiva retribuição.
Caso o pedido de prorrogação não tenha sido efetuado até o termo final da vigência do registro, o titular poderá fazê-lo nos 6 (seis) meses subsequentes, mediante o pagamento de retribuição adicional.
Perda dos direitos
Nos termos do art. 142 da LPI, o registro de marca extingue-se:
a) pela expiração do prazo de vigência;
b) pela renúncia, que poderá ser total ou parcial em relação aos produtos ou serviços assinalados pela marca;
c) pela caducidade.
Também haverá extinção se não houver observância do art. 217 da LPI.
O mencionado artigo prevê que a pessoa domiciliada no exterior deverá constituir e manter procurador devidamente qualificado e domiciliado no País, com poderes para representá-la administrativa e judicialmente, inclusive para receber citações.
No que se refere à caducidade, o art. 143 da LPI, indica que caducará o registro, a requerimento de qualquer pessoa com legítimo interesse se, decorridos 5 (cinco) anos da sua concessão, na data do requerimento, o uso da marca não tiver sido iniciado no Brasil.
No mesmo sentido, haverá caducidade se o uso da marca tiver sido interrompido por mais de 5 (cinco) anos consecutivos, ou se, no mesmo prazo, a marca tiver sido usada com modificação que implique alteração de seu caráter distintivo original, tal como constante do certificado de registro.
Ação de nulidade
O registro de marca será considerado nulo se for concedido em desacordo com parâmetros indicados na LPI.
Nos termos do art. 173 da LPI, a ação de nulidade poderá ser proposta pelo INPI ou por qualquer pessoa com legítimo interesse.
Conforme indicado no art. 174 da LPI, prescreve em 5 (cinco) anos a ação para declarar a nulidade do registro, contados da data da sua concessão.
Sobre este tema, merecem destaque os seguintes enunciados das jornadas de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal:
Enunciado número 1. Decisão judicial que considera ser o nome empresarial violador do direito de marca não implica a anulação do respectivo registro no órgão próprio nem lhe retira os efeitos, preservado o direito de o empresário alterá-lo.
Enunciado número 2. A vedação de registro de marca que reproduza ou imite elemento característico ou diferenciador de nome empresarial de terceiros, suscetível de causar confusão ou associação (art. 124, V, da Lei n. 9.279/1996), deve ser interpretada restritivamente e em consonância com o art. 1.166 do Código Civil.
Enunciado número 60. Os acordos e negócios de abstenção de uso de marcas entre sociedades empresárias não são oponíveis em face do Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI, sem prejuízo de os litigantes obterem tutela jurisdicional de abstenção entre eles na Justiça Estadual.
Enunciado número 107 – O fato gerador do parágrafo único do art. 40 da Lei n. 9.279/96 não engloba a hipótese de mora administrativa havida em concausa ou perpetrada pelo depositante do pedido de patente, desde que demonstrada conduta abusiva deste.
Enunciado número 108 – Não cabe a condenação do INPI em sucumbência, nos termos do art. 85 do CPC, quando a matéria não for de seu conhecimento prévio e não houver resistência judicial posterior.
Enunciado número 109 – Os pedidos de abstenção de uso e indenização, quando cumulados com ação visando anular um direito de propriedade industrial, são da competência da Justiça Federal, em face do art. 55 do CPC.
Enunciado número 110 – Aplicam-se aos negócios jurídicos de propriedade intelectual o disposto sobre a função social dos contratos, probidade e boa-fé.
Enunciado número 111 – Nas ações de nulidade de indeferimento de pedido de registro de marca, o titular do registro marcário apontado como anterioridade impeditiva é litisconsorte passivo necessário, à luz do que dispõe o art. 115 do CPC.
Enunciado número 112 – O termo inicial do prazo de 30 dias previsto no parágrafo único do art. 162 da Lei n. 9.279/96 é o primeiro dia útil subsequente ao término in albis do prazo de 60 dias previsto no caput do mesmo artigo.
Enunciado número 113 – Em ações que visam anular um direito de propriedade industrial, a citação do INPI para se manifestar sobre os pedidos deve ocorrer apenas após a contestação do titular do direito de propriedade industrial.
Enunciado número 114 – A proteção jurídica ao conjunto-imagem de um produto ou serviço não se estende à funcionalidade técnica.
Enunciado número 115 – As limitações de direitos autorais estabelecidas nos arts. 46, 47 e 48 da Lei de Direitos Autorais devem ser interpretadas extensivamente, em conformidade com os direitos fundamentais e a função social da propriedade estabelecida no art. 5º, XXIII, da CF/88.
Para aprofundamento do estudo, confira os seguintes volumes:
ASCARELLI, Túlio. Iniciação ao Estudo do Direito Mercantil. Sorocaba: Minelli, 2007.
CAMPINHO, Sérgio. O direto de empresa à luz do novo código Civil. Renovar. São Paulo, 2003.
COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial – volume II. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
FORGIONI, Paula A. A evolução do Direito Comercial Brasileiro: Da mercancia ao mercado. São Paulo: RT: 2009.
MAMEDE, Gladston. Direito Empresarial Brasileiro, Direito Societário: Sociedades Simples e Empresárias, v. 2. Atlas, São Paulo, 2004.
MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial. 4ª ed. São Paulo: Forense, 1973.
MENDONÇA, J.X. Carvalho de. Tratado de Direito Comercial Brasileiro v. III. São Paulo: Freitas Bastos s/a, 7ª Edição, 1963.
MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Especial. Tomo XLIX: Contrato de sociedade. Sociedade de pessoas. São Paulo: RT, 2012.
RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Curso de direito empresarial: o novo regime jurídico empresarial brasileiro. 3ª Edição. Salvador: jus Podivm, 2009.
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial, v. 1, 27ª Ed. Saraiva, São Paulo, 2008.
VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Malheiros Editores, 2008.