Valorização das prerrogativas da advocacia

Data:

Advocacia Dativa de Santa Catarina
Créditos: FabioBalbi / iStock

Na noite da última quinta-feira (13 de maio) um advogado foi preso em flagrante, na sede do 103° Distrito Policial da Capital do Estado de São Paulo (Itaquera/COHAB II), apenas e tão somente por ter seguido os ditames constitucionais do direito ao silêncio e da não autoincriminação (Art. 5°, LXIII) ao orientar sua cliente a não fornecer a senha de seu aparelho celular à polícia.

A argumentação do delegado para a prisão em flagrante foi por suposta associação criminosa e estelionato, “coincidentemente” os mesmos delitos aos quais foram imputados a sua cliente, porém, elementos insuficientes, ou melhor, injustificáveis para tal modalidade de prisão para um advogado, como veremos adiante.

Mesmo com a presença da Lei de Abuso de Autoridade, o delegado pouco ou nada se importou e constrangeu indevidamente o advogado que atuava legitimamente no exercício de sua função. Quando o colega acionou seu órgão de classe, mais especificamente a comissão de prerrogativas, a resposta foi apenas e tão somente o silêncio. Todavia, a classe não se calou, após a notícia ter mobilizado as redes sociais e os grupos de WhatsApp, o colega foi assistido por mais de trinta advogados criminalistas. Refletimos.

A violação das prerrogativas profissionais dos advogados não é matéria inédita e se acentuou com o transcurso da pandemia. Além de atos de desrespeito em delegacias e Centros de Detenção Provisória, o Judiciário também tem aumentado os casos de violações reiteradas a advogados no exercício de sua profissão. Por conta do isolamento social, as audiências passaram a ser realizadas na modalidade virtual e, não raro, são presenciados e relatados casos de desrespeito à advocacia em decorrência de advogados que têm a palavra caçada em meio a uma sustentação oral, o microfone desligado no transcurso de sua fala ou, inclusive, seu direito de fazer o uso da palavra através da sustentação oral negado por conta da parte contrária não o requerer.

O cenário é de desalento, a advocacia não mais tem a representatividade de outrora, e quando falta aquele que levanta sua voz para a injustiça as arbitrariedades se somatizam.
O ordenamento jurídico protege e valoriza a atividade da advocacia através da Lei n°. 8.906/94, o estatuto da advocacia. O artigo 2° é claro:

Art. 2º O advogado é indispensável à administração da justiça.
§1º No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social.
§2º No processo judicial, o advogado contribui, na postulação de decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público.
§3º No exercício da profissão, o advogado é inviolável por seus atos e manifestações, nos limites desta lei.

Da mesma forma consagra a inviolabilidade de direitos profissionais dos causídicos o artigo 133 da Constituição Federal:

Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.
Fora isso, o estatuto prevê no artigo 6° o dever de respeito para com o profissional no exercício de sua atividade:
Art. 6º Não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos.
Parágrafo único. As autoridades, os servidores públicos e os serventuários da justiça devem dispensar ao advogado, no exercício da profissão, tratamento compatível com a dignidade da advocacia e condições adequadas a seu desempenho.

E, no caso em tela, o artigo 7°, XXI prevê que o advogado tem total liberdade de orientar seus clientes:

Art. 7º São direitos do advogado:
XXI – assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração:

O próprio artigo 7° é claro acerca das condições em que um advogado pode ser preso em flagrante:

§3º O advogado somente poderá ser preso em flagrante, por motivo de exercício da profissão, em caso de crime inafiançável, observado o disposto no inciso IV deste artigo.

Ora, não houve nenhuma prática de crime inafiançável ou qualquer outro ato similar que autorizasse a prisão em flagrante. E, na mesma esteira, a omissão do órgão de classe fere frontalmente o disposto no inciso IV do mesmo dispositivo:

IV – ter a presença de representante da OAB, quando preso em flagrante, por motivo ligado ao exercício da advocacia, para lavratura do auto respectivo, sob pena de nulidade e, nos demais casos, a comunicação expressa à seccional da OAB.

Mesmo diante de injustificável arbitrariedade o advogado permaneceu a noite preso e a reflexão necessária é: Quando que teremos as prerrogativas profissionais respeitadas? O ato de desagravo é previsto no Regulamento Geral da OAB através do artigo 18:

Art. 18. O inscrito na OAB, quando ofendido comprovadamente em razão do exercício profissional ou de cargo ou função da OAB, tem direito ao desagravo público promovido pelo Conselho competente, de ofício, a seu pedido ou de qualquer pessoa.

No entanto, apesar de instrumento válido e necessário, o desagravo deve estar acompanhado de outros instrumentos como a aplicação prática dos artigos 15, 16 e 17 no mesmo regulamento:

Art. 15. Compete ao Presidente do Conselho Federal, do Conselho Seccional ou da Subseção, ao tomar conhecimento de fato que possa causar, ou que já causou, violação de direitos ou prerrogativas da profissão, adotar as providências judiciais e extrajudiciais cabíveis para prevenir ou restaurar o império do Estatuto, em sua plenitude, inclusive mediante representação administrativa.
Parágrafo único. O Presidente pode designar advogado, investido de poderes bastantes, para as finalidades deste artigo.
Art. 16. Sem prejuízo da atuação de seu defensor, contará o advogado com a assistência de representante da OAB nos inquéritos policiais ou nas ações penais em que figurar como indiciado, acusado ou ofendido, sempre que o fato a ele imputado decorrer do exercício da profissão ou a este vincular-se.
Art. 17. Compete ao Presidente do Conselho ou da Subseção representar contra o responsável por abuso de autoridade, quando configurada hipótese de atentado à garantia legal de exercício profissional, prevista na Lei nº 4.898, de 09 de dezembro de 1965.

Além é claro da própria Lei de Abuso de autoridade, porém, qual dispositivo protege a advocacia dos excessos eventualmente praticados pelas autoridades ou pelo próprio Judiciário? Não há um dispositivo claro para a violação das prerrogativas. No caso em tela, temos uma interpretação no artigo 23:

Art. 23. Inovar artificiosamente, no curso de diligência, de investigação ou de processo, o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de eximir-se de responsabilidade ou de responsabilizar criminalmente alguém ou agravar-lhe a responsabilidade:
Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Por fim, se questiona se o ato de desagravo é suficiente para reparar o dano causado aos profissionais do direito. A resposta, em que pese opiniões em contrário, é negativa, mesmo com todo o simbolismo que o ato em si possui outras medidas precisam ser incorporadas a fim de evitar os constrangimentos e as arbitrariedades cotidianas aos quais a advocacia tem sido submetida.

Além do ato de desagravo é indispensável a aplicação de penas e condenações aos infratores, porque a forma de se modificar o atual cenário é a responsabilização civil, administrativa e penal. A classe precisa ser respeitada, o advogado é responsável pela defesa das liberdades, da valorização dos direitos humanos e não pode, em hipótese alguma ser constrangido no exercício de sua atividade laboral.

E, por fim, a necessária intervenção da OAB e, do caso em tela da OABSP, pois, a advocacia clama por representação, diante de tantos e reiterados casos de desrespeito, a entidade deve representar os inscritos em todas as secionais a fim de lhes garantir e efetivar os direitos que o estatuto da advocacia lhe confere e legitima.

O silêncio pode ser interpretado como acovardamento e, nesta relação já desequilibrada para a advocacia, o que se precisa é de liderança. A casa da democracia, da valorização dos profissionais, dos Direitos Humanos não pode se calar, nunca, no exercício de defesa de seus inscritos, as diretorias de todas as secionais foram eleitas para representar a classe e não se esconder ou se imiscuir nos momentos de necessidade. A advocacia precisa e exige respeito.

Antonio Baptista Gonçalves
Antonio Baptista Gonçalves
Advogado, Pós-Doutor em Desafios en la postmodernidad para los Derechos Humanos y los Derechos Fundamentales pela Universidade de Santiago de Compostela, Pós-Doutor em Ciência da Religião pela PUC/SP, Pós-Doutor em Ciências Jurídicas pela Universidade de La Matanza. Doutor e Mestre em Filosofia do Direito pela PUC/SP, MBA em Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas; Especialista em Direitos Fundamentais pela Universidade de Coimbra, Especialista em Direito Penal Econômico Europeu pela Universidade de Coimbra, Pós Graduado em Teoria dos Delitos – Universidade de Salamanca, Pós-Graduado em Direito Penal Econômico e em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas – FGV, Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e em Filosofia pela PUC/SP.

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