Prisão do réu é efeito automático da condenação pelo Tribunal do Júri – Decisão do Ministro Luiz Fux no caso da boate Kiss respeita a soberania do júri popular

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Prisão do réu é efeito automático da condenação pelo Tribunal do Júri - Decisão do Ministro Luiz Fux no caso da boate Kiss respeita a soberania do júri popular | JuristasA Folha de São Paulo publicou notícia sobre a repercussão da decisão do Ministro Luiz Fux, Presidente do STF, que autorizou a prisão imediata dos condenados pelo incêndio da “boate Kiss”. Segundo a matéria, um grupo de advogados criminalistas criticou a decisão do Ministro, tachando-a de inconstitucional, violadora do princípio da presunção de inocência. Outra notícia, publicada pela revista eletrônica Conjur, menciona que dois advogados teriam até mesmo enviado requerimento à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, questionando a decisão.

Como se sabe, o incêndio da boate Kiss, ocorrido na madrugada de 27 de janeiro de 2013, na cidade de Santa Maria (RS), resultou na morte de 242 pessoas e mais 600 ficaram feridas. O Tribunal do Júri concluiu o julgamento no dia 10 de dezembro de 2021 e condenou quatro réus. Na sentença, o Juiz Orlando Faccini Neto definiu as penas (que variam entre 18 a 22 anos, para cada um dos réus) e decretou a prisão dos condenados. O magistrado invocou o art. 492, I, e, do CPP, na redação que lhe deu a Lei n. 13.964/19 (o chamado “Pacote Anticrime”), que permite que o Juiz determine a execução provisória da pena, com expedição de mandado de prisão, quando se tratar de condenação a pena igual ou superior a 15 anos.

No mesmo dia, o Desembargador Manuel José Martinez Lucas, da 1ª. Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, concedeu liminar em Habeas Corpus, determinando que o Juiz se abstivesse de prender os apenados. Para o Desembargador, na hipótese de réu que responde a todo o processo em liberdade, “a condenação pelo Tribunal do Júri não justifica, por si só, a decretação da prisão”. O Desembargador rebateu a possibilidade de aplicação do “Pacote Anticrime”, citando jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), segundo a qual “é descabida a execução provisória da sentença condenatória pelo Tribunal do Júri”. A decisão monocrática do relator foi mantida pela 1ª. Câmara Criminal, quando do julgamento do mérito do HC (no dia 17/12).

Os alvarás de soltura não chegaram a ser expedidos, porque o Ministério Público ingressou com pedido da suspensão da liminar no STF e o Ministro Luiz Fux, Presidente da Corte, deferiu medida cautelar para suspender a decisão do desembargador Manuel José Martinez Lucas e, posteriormente, atendendo a novo pedido do Ministério Público, invalidou a decisão colegiada do TJRS. O Ministro Fux afirmou que a execução da condenação ditada pelo Tribunal do Júri independe do julgamento de apelação ou qualquer outro recurso, em razão do princípio da soberania das decisões do Júri (previsto no artigo 5º, XXXVIII, “c”, da CF). Para o Ministro, a imediata prisão imposta pelo corpo de jurados representa o interesse público na execução da condenação. O Ministro apontou que a decisão do TJRS desrespeitava precedentes do STF e contrariava a dicção explícita do art. 492, § 4º., do Código de Processo Penal, o qual permite a prisão imediata de condenados pelo Júri a penas acima de 15 anos de reclusão. O Ministro Fux ressaltou, ainda, que o cabimento de suspensão de liminar em matéria penal é medida excepcionalíssima, mas a gravidade do caso justificava a adoção do incidente processual em caráter excepcional, pois a manutenção da decisão do TJRS poderia causar “grave comprometimento à ordem e à segurança públicas”, já que atentava contra o princípio constitucional da soberania do Júri.

A decisão do Ministro Fux foi endossada pelo seu colega Dias Toffoli, que negou outro habeas corpus impetrado pela defesa dos condenados. “Sob todos os aspectos, a bem fundamentada decisão do Presidente do STF não evidenciou resquício de ilegalidade, de abuso de poder ou de teratologia”, escreveu Toffoli.

As críticas à decisão do Ministro Luiz Fux, como se observa, têm origem apenas no desconhecimento da jurisprudência do STF e da evolução da legislação processual.

Desde muito se estabeleceu a concepção de que as decisões do Tribunal do Júri são dotadas de execução imediata. Condenações impostas pelo Júri devem ser executadas imediatamente, ainda que inferiores a 15 anos. Independentemente do tamanho da pena, a condenação pelo Tribunal do Júri acarreta a prisão do condenado. Proferido o julgamento condenatório, o Juiz manda o acusado recolher-se ou recomenda-o à prisão em que se encontre, se já estiver preso. Era assim desde a edição do Código de Processo Penal (Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941).

Ocorre que, em junho de 2008, o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei 11.689/08, que alterou diversos dispositivos do Código de Processo Penal (Dec-Lei 3.689/41) relativos ao Tribunal do Júri, incluindo a alínea e do inc. I do art. 492, para estabelecer que, em caso de sentença condenatória, o Juiz só deveria determinar o recolhimento do réu à prisão ou recomendá-lo naquela em que esteja preso quando “presentes os requisitos da prisão preventiva”. A redação atribuída ao dispositivo do CPP ficou nesses termos:

“Art. 492.  Em seguida, o presidente proferirá sentença que:
I – no caso de condenação:
(…)
e) mandará o acusado recolher-se ou recomendá-lo-á à prisão em que se encontra, se presentes os requisitos da prisão preventiva;”
(grifei)

A finalidade desse dispositivo da Lei 11.689/08, como se observa, foi a de retirar a prisão do réu como efeito automático da condenação pelo Júri. A prisão só seria possível, a partir de sua vigência, em situação que justificasse a prisão preventiva do condenado, ou seja, para determinar a prisão seria preciso que o Juiz justificasse a presença de um dos elementos do art. 312 do CPC. Somente nas hipóteses em que a liberdade do condenado pudesse comprometer a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal é que o Juiz determinaria seu recolhimento à prisão ou permanência no estabelecimento onde já estivesse preso. Portanto, haveria necessidade de o Juiz Presidente do Tribunal do Júri justificar, na sentença, a presença de uma dessas três hipóteses de cabimento da prisão preventiva.

Apesar da edição dessa Lei, a prática forense não foi alterada, pois os juízes continuaram a determinar a prisão de réus condenados pelo Tribunal do Júri, em razão da soberania de seus veredictos, assegurada no 5º, XXXVIII, “c”, da CF. Em regra, as cortes revisoras, tribunais de segunda instância, não podem substituir a decisão do Júri, podendo, quando muito, determinar a realização de novo Júri. Em razão da relativa imutabilidade das decisões do Tribunal do Júri, a significar que os tribunais não podem substituir a decisão proferida pelo júri popular, sempre se entendeu não haver lógica em se esperar o resultado de apelação ou outro recurso, para só então ser executada a pena. Se o Tribunal de Justiça não altera o mérito da deliberação, na medida em que a responsabilidade do réu já foi assentada soberanamente pelo Júri, não seria razoável esperar o trânsito em julgado de tal decisão soberana.

Esse entendimento ficou assentado em alguns julgamentos do STF, que confirmam a tese de que a execução imediata de decisão condenatória do Júri não viola o princípio da presunção de inocência (previsto no artigo 5º, inciso LVII, da CF). Em 07 de março de 2017, a 1ª. Turma do STF, no julgamento do HC 118.770-SP, que teve como relator designado para lavrar o acórdão o Min. Luís Roberto Barroso, fixou a seguinte tese: “A prisão de réu condenado por decisão do Tribunal do Júri, ainda que sujeita a recurso, não viola o princípio constitucional da presunção de inocência ou não-culpabilidade”. Confira-se a ementa desse julgado:

“DIREITO CONSTITUCIONAL E PENAL. HABEAS CORPUS. DUPLO HOMICÍDIO, AMBOS QUALIFICADOS. CONDENAÇÃO PELO TRIBUNAL DO JÚRI. SOBERANIA DOS VEREDICTOS. INÍCIO DO CUMPRIMENTO DA PENA. POSSIBILIDADE.
1. A Constituição Federal prevê a competência do Tribunal do Júri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida (art. 5º, inciso XXXVIII, d). Prevê, ademais, a soberania dos veredictos (art. 5º, inciso XXXVIII, c), a significar que os tribunais não podem substituir a decisão proferida pelo júri popular.
2. Diante disso, não viola o princípio da presunção de inocência ou da não culpabilidade a execução da condenação pelo Tribunal do Júri, independentemente do julgamento da apelação ou de qualquer outro recurso. Essa decisão está em consonância com a lógica do precedente firmado em repercussão geral no ARE 964.246-RG, Rel. Min. Teori Zavascki, já que, também no caso
de decisão do Júri, o Tribunal não poderá reapreciar os fatos e provas, na medida em que a responsabilidade penal do réu já foi assentada soberanamente pelo Júri.
3. Caso haja fortes indícios de nulidade ou de condenação manifestamente contrária à prova dos autos, hipóteses incomuns, o Tribunal poderá suspender a execução da decisão até o julgamento do recurso.
4. Habeas corpus não conhecido, ante a inadequação da via eleita. Não concessão da ordem de ofício. Tese de julgamento: “A prisão de réu condenado por decisão do Tribunal do Júri, ainda que sujeita a recurso, não viola o princípio constitucional da presunção de inocência ou não-culpabilidade.”

Essa orientação manteve-se firme no STF, como se constata de outro julgamento da 1ª. Turma, no HC n. 144.712-SP, realizado em 27 de novembro de 2018, que também teve como relator designado para lavrar o acórdão o Ministro Luís Roberto Barroso. Nesse segundo julgamento, a 1ª. Turma reafirmou que é suficiente a decisão do Tribunal do Júri para a possibilidade de execução da pena, não sendo necessária qualquer outra condição. A ementa desse julgado ficou assim redigida:

“PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS ORIGINÁRIO. HOMICÍDIO. CONDENAÇÃO PELO TRIBUNAL DO JÚRI. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE OU ABUSO DE
PODER.
1. A orientação firmada pelo Plenário do STF, no julgamento do HC 126.292 e do ARE 964.246-RG, ambos da relatoria do Min. Teori Zavascki, é no sentido de que a execução provisória da pena não compromete o princípio da presunção de inocência. Ademais, o julgamento condenatório em segundo grau de jurisdição impõe a prisão preventiva como medida de garantia da ordem pública.
2. Por outro lado, a Primeira Turma do STF já decidiu que não viola o princípio da presunção de inocência ou da não culpabilidade a execução da condenação pelo Tribunal do Júri, independentemente do julgamento da apelação ou de qualquer outro recurso (HC 118.770, Redator para o acórdão o Min. Luís Roberto Barroso).
3. Habeas corpus denegado, revogada a liminar.”

Como fica claro, mesmo depois de editada a Lei 11.689/08, os juízes brasileiros, com o respaldo do Supremo Tribunal Federal, continuaram a adotar a execução imediata de decisão condenatória do Júri.

De toda sorte, com o objetivo de aperfeiçoar a legislação processual penal, o chamado “Pacote Anticrime” (Lei 13.964, de 24.12.19) produziu nova alteração na redação da alínea e do inc. I do art. 492 do CPP (Dec-Lei 3.689/41), acrescentando a hipótese de execução imediata da decisão do Tribunal do Júri, com a prisão do condenado, quando a pena aplicada for igual ou superior a 15 anos de reclusão. A nova redação atribuída a esse dispositivo pelo “Pacote Anticrime” ficou expressa da seguinte maneira:

“Art. 492.  Em seguida, o presidente proferirá sentença que:
I – no caso de condenação:
(…)
e) mandará o acusado recolher-se ou recomendá-lo-á à prisão em que se encontra, se presentes os requisitos da prisão preventiva, ou, no caso de condenação a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão, determinará a execução provisória das penas, com expedição do mandado de prisão, se for o caso, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos;”

A aplicação desse dispositivo, na sua nova redação, vem sendo contestada, sob a alegativa de que contraria o que foi decidido pelo STF no julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade de n.º 43/DF, 44/DF e 54/DF, ocorrido em 07 de novembro de 2019. Nesse julgamento, como se sabe, o Supremo derrubou a possibilidade de execução da pena após condenação em segunda instância, por entender constitucional o art. 283 do Código de Processo Penal (na redação dada pela Lei nº 12.403), o qual exige “sentença condenatória transitada em julgado” como condição para prisão de natureza não cautelar.

O art. 283 do CPP foi interpretado em face da garantia do art. 5º., LVII, da Constituição Federal, o qual estabelece que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. O resultado é que, para execução de pena fixada em sentença condenatória, tem-se que esperar todo o trâmite do processo criminal, até o julgamento do último recurso, na última instância judicial.

É nesse sentido, diga-se, que vem se posicionando o Colendo Superior Tribunal de Justiça, através de suas 5ª. e 6ª. Turmas, especializadas em matéria penal. O STJ vem afastando a aplicação da segunda parte da alínea e do inc. I do art. 492 do CPP (na redação que lhe foi atribuída pela Lei 13.964), por considerar que depois do julgamento das ADCs n. 43/DF, n. 44/DF e n. 54/DF não pode haver execução provisória de pena fixada em sentença condenatória, ainda quando proferida pelo Tribunal do Júri. Representativo dessa posição é o aresto proferido pela 5ª. Turma do STJ no AgRg no RHC 130.301/MG, que teve como relator o Ministro Ribeiro Dantas, e cuja ementa ficou assim posta:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. TRIBUNAL DO JÚRI. EXECUÇÃO IMEDIATA OU PROVISÓRIA DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. DESCABIMENTO. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO CONCRETA PARA A PRISÃO PROVISÓRIA. ART. 492, I, “E”, DO CPP. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO À CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO. ART. 97 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. NÃO OCORRÊNCIA. INTERPRETAÇÃO CONFORME. DESNECESSIDADE. AGRAVO DESPROVIDO.
1. Na hipótese, a determinação da expedição do mandado de prisão após a condenação pelo Tribunal do Júri, fundamenta-se em decorrência exclusiva da condenação do paciente pelo Conselho de Sentença. Não se declinou, contudo, qualquer motivação concreta para necessidade da prisão. Em consulta ao sítio do Tribunal de origem, observou-se que a fase ordinária ainda não tinha sido concluída.
3. É cediço que o Supremo Tribunal Federal, julgando definitivamente as Ações Declaratórias de Constitucionalidade n. 43, 44 e 54, decidiu pela constitucionalidade do art. 283 do Código de Processo Penal, firmando nova orientação, erga omnes e com efeito vinculante, no sentido de que a execução da pena privativa de liberdade só poderá ser iniciada após o trânsito em julgado da condenação.
4. Menciona-se, ainda, que houve alteração da lei, após o julgamento da Suprema Corte, no art. 492, inc. I, alínea “e”, do CPP, em que é determinado que o Juiz Presidente do Tribunal de Júri proferirá sentença que, em caso de condenação, “mandará o acusado recolher-se ou recomendálo-á à prisão em que se encontra, se presentes os requisitos da prisão preventiva, ou, no caso de condenação a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão, determinará a
execução provisória das penas, com expedição do mandado de prisão, se for o caso, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos”.
5. Contudo, o entendimento predominante na Quinta e Sexta Turmas desta Corte segue a diretriz jurisprudencial de que não se admite a execução imediata de condenação pelo Tribunal do Júri, sob pena de afronta ao princípio constitucional da presunção de inocência. Precedentes.
6. In casu, expeciona-se o art. 97 da Constituição de República, tendo em vista que não houve juízo de inconstitucionalidade, mas apenas interpretação conforme. Ora, a interpretação desta Corte é que, a prisão antes de esgotados todos os recursos cabíveis, apenas poderá ocorrer por decisão individualizada, com a demonstração da existência dos requisitos para a prisão preventiva, previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal, sob pena de violação ao princípio da presunção de inocência.
7. Agravo regimental desprovido.”

A posição das turmas de Direito Penal do STJ, embora respeitável, parece-nos equivocada, pela razão de que a tese fixada no julgamento das ADCs n. 43/DF, n. 44/DF e n. 54/DF não se estende às condenações impostas pelo Tribunal do Júri.

O próprio Ministro Dias Toffoli, que ajudou a formar a maioria, proferindo voto de desempate, em favor da tese da constitucionalidade do art. 283 do CPP, cuidou de fazer uma distinção entre o precedente que estava sendo firmado e as decisões do Júri popular, deixando claro que a exigência do trânsito em julgado como condição para execução da pena não alcançava as decisões do Tribunal do Júri. Naquela oportunidade, o Ministro Toffoli deixou registrada a sua compreensão no tocante à especificidade do tribunal do júri, previsto na Constituição Federal para julgar os crimes dolosos contra a vida (art. 5º, inc. XXXVIII, d, da CF). Eis o teor de seu voto, quanto a essa distinção:

“Não obstante o foco seja a constitucionalidade do art. 283 do CPP, faz-se necessário abordar a especificidade do tribunal do júri, já que previsto na Constituição Federal para julgar os crimes dolosos contra a vida.
Esta Corte, em recente julgado no RE nº 1.235.340, de relatoria do Ministro Roberto Barroso, reconheceu a repercussão geral do tema, exatamente no sentido de discutir sea soberania dos vereditos do tribunal do júri, prevista na Constituição Federal, autoriza a imediata execução de pena imposta pelo conselho de sentença (Tema 1068).
Sobre esse tema, já tive oportunidade de votar e me manifestar no sentido do cumprimento imediato da pena após decisão do tribunal do júri.
É o caso, por exemplo, do voto-vista proferido no HC nº 114.214/PA, julgado na Primeira Turma em 5/11/13, quando consignei que o princípio constitucional da soberania dos vereditos confere à decisão dos jurados, em tese, um caráter de intangibilidade quanto a seu mérito”.

Em trecho seguinte de seu voto, o Ministro Toffoli enfatizou seu entendimento de que a condenação pelo Júri, independentemente do tamanho da pena, leva à execução imediata da decisão condenatória:

“Por isso, entendo, desde sempre, que, nos crimes julgados pelo tribunal do júri, em razão da estatura constitucional desse órgão do Judiciário, mormente a soberania dos vereditos, a condenação deve ser imediatamente cumprida”.

Ao concluir seu voto naquele julgamento sobre a constitucionalidade do art. 283 do CPP, o Ministro Toffoli fez constar expressamente que tal dispositivo não se aplica ao Tribunal do Júri, em razão da soberania dos seus veredictos:

“Nos casos de condenação por tribunal do júri, não incide a previsão contida no art. 283 do CPP, tendo em vista que, nesse caso, se aplica diretamente a soberania dos veredictos, expressa na alínea c do inciso
XXXVIII do art. 5º da Constituição, de forma que a execução da pena deve ser imediata, sem sequer se cogitar do julgamento, em segunda instância, de eventual apelação.”

Depois do julgamento das ADCs n. 43/DF, n. 44/DF e n. 54/DF, a 1ª. Turma do STF continuou afirmando que a execução imediata das decisões condenatórias do Júri não implica em violação do princípio da presunção de inocência, independentemente do tamanho da pena adotada, em razão da soberania dos veredictos do Júri popular. A manutenção do posicionamento originário da 1ª. Turma pode ser constatada em julgamento realizado em abril de 2021, cujo acórdão foi sumariado na seguinte ementa:

“PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. CONDENAÇÃO PELO TRIBUNAL DO JÚRI. JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AUSÊNCIA DE TERATOLOGIA, ILEGALIDADE OU ABUSO DE PODER.
1. O Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu que a aferição de eventual demora injustificada na tramitação da ação penal depende das condições objetivas da causa. As instâncias precedentes informam duração razoável da ação penal.
2. Na hipótese, a prisão preventiva também está justificada na reiteração criminosa. Superar esse argumento, como pretende a defesa, demandaria revolvimento fático, que
é inviável em sede de habeas corpus.
3. A Primeira Turma do STF já decidiu que não viola o princípio da presunção de inocência ou da não culpabilidade a execução da condenação pelo Tribunal do Júri, independentemente do julgamento da apelação ou de qualquer outro recurso (HC 118.770, Redator para o acórdão o Ministro Luís Roberto Barroso). No caso, o paciente foi condenado pelo Tribunal do Júri a mais de 25 anos de reclusão.
4. Ausência de teratologia, ilegalidade flagrante ou abuso de poder que autorize a concessão da ordem de ofício.
5. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STF – HC 198392 AgR, Relator ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 27/04/2021, DJe 12/05/2021)

É certo que existem dois precedentes da 2ª. Turma do STF em sentido contrário, afirmando a tese de que não pode haver prisão fundamentada exclusivamente na possibilidade de execução provisória da pena, mesmo após condenação pelo Tribunal do Júri, se ausentes fundamentos concretos para a prisão preventiva (nos termos do art. 312 do CPP). Esses precedentes foram firmados no julgamento do ED no HC n. 163.814, que teve como relator o Ministro Gilmar Mendes, em sessão realizada no dia 19 de novembro de 2019, e no julgamento do HC 174.759-CE, rel. Min. Celso de Mello, em sessão virtual ocorrida de 02 a 09 de outubro de 2020.

Mas no julgamento do HC n. 163.814 a Ministra Cármem Lúcia, que proferiu um voto-vista, concedeu a ordem de habeas corpus com outro fundamento, de que o paciente tinha dois netos sob sua responsabilidade, o que justificaria, no seu entender, a substituição para prisão domiciliar. Alertada pelo Ministro Edson Fachin sobre a circunstância processual de que o caso envolvia uma deliberação condenatória do Tribunal do Júri, bem como de que a discussão sobre a possibilidade de execução imediata de decisões do Júri popular (Tema 1.068) é objeto do Recurso Extraordinário 1.235.340, sob a relatoria do eminente Ministro Luís Roberto Barroso, a Ministra não fez o distinguishing sob a ótica da soberania dos veredictos do Júri popular e parece ter deixado para examinar melhor a matéria em outra oportunidade, pois na confirmação de seu voto afirmou que continuava a seguir “o que foi decidido pelo Plenário [nas ADCs n. 43/DF, n. 44/DF e n. 54/DF], até que sobrevenha inclusive essa discussão sobre o Tribunal do Júri”.

A questão, como se observa, só vai ser encerrada no âmbito do STF quando for concluído o julgamento do RE 1.235.340, quando a Corte Suprema decidirá definitivamente a constitucionalidade da execução imediata de pena aplicada pelo Tribunal do Júri. Nesse recurso extraordinário se discute, à luz do art. 5º, inciso XXXVIII, alínea c, da Constitucional Federal, se a soberania dos vereditos do Tribunal do Júri autoriza a imediata execução de pena imposta pelo Conselho de Sentença. Já foi reconhecida a repercussão geral da questão constitucional (Tema 1068), em 25.10.19.

O mérito do recurso (RE 1.235.340-SC) já começou a ser julgado, sob a relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso, que votou, acompanhado pelo Ministro Dias Toffoli, dando provimento ao recurso para fixar a seguinte tese:

“A soberania dos veredictos do Tribunal do Júri autoriza a imediata execução de condenação imposta pelo corpo de jurados, independentemente do total da pena aplicada”.

O Ministro Gilmar Mendes apresentou voto discordante, de modo a manter a vedação imediata da pena imposta pelo Tribunal do Júri, propondo a seguinte tese:

“A Constituição Federal, levando em consta a presunção de inocência (art. 5º., inciso LV), e a Convenção Americana de Direitos Humanos, em razão do direito de recurso do condenado (art. 8.2.h), vedam a execução imediata das condenações proferidas por Tribunal do Júri, mas a prisão preventiva do condenado pode ser decretada motivadamente”.

O julgamento do RE 1.235.340-SC não foi concluído em razão de pedido de vista, formulado pelo Ministro Ricardo Lewandowski em 25.04.20, mas a Procuradoria da República já ofereceu seu parecer pelo provimento do recurso. Para a PGR, a orientação jurisprudencial firmada no julgamento das Ações Declaratórias 43,44 e 54, que exige o trânsito em julgado da decisão condenatória como condição para o início do cumprimento da pena, não deve se estender às hipóteses de condenação pelo Tribunal do Júri, porquanto “não obstante o entendimento fixado pelo STF, a constitucionalmente assegurada soberania dos veredictos confere às decisões do Tribunal do Júri um especial e próprio caráter de intangibilidade material, o que permite um tratamento jurisprudencial diferenciado”.

Como se observa, tudo indica que a tese da possibilidade de execução imediata das decisões condenatórias do Júri prevalecerá no STF. Já se tem uma maioria provisória em favor desse entendimento, com respaldo dos votos dos Ministros Luís Roberto Barroso e Dias Toffoli; apenas o Ministro Gilmar Mendes apresentou voto discordante. A PGR também abraça a tese da prisão como efeito automático da condenação pelo Júri. Além disso, é preciso perceber que recentemente ocorreram mudanças na composição do STF que poderão inclusive levar a uma alteração até em relação à possibilidade de prisão com condenação na segunda instância. A orientação jurisprudencial firmada no julgamento das Ações Declaratórias 43,44 e 54, que exige o trânsito em julgado da decisão condenatória como condição para o início do cumprimento da pena, foi estabelecida por maioria de apenas um voto, proferido pelo Ministro Dias Tofolli, então Presidente da Corte Suprema, que desempatou em favor da exigência do trânsito em julgado. Depois desse julgamento já se aposentaram dois ministros que concorreram para formar a maioria: os ministros Celso de Melo e Marco Aurélio. Ainda é desconhecida a posição dos novéis ministros Nunes Marques e André Mendonça sobre esse tema. Provavelmente, o STF com nova composição deve revisitar esse tema da possibilidade de cumprimento provisório da pena havendo condenação em segunda instância, tendo em vista a importância social da questão.

A tese da possibilidade de prisão imediata, como efeito da condenação pelo Júri, com a devida vênia dos que pensam em contrário, atende aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Não há sentido em se impedir a prisão de condenado pelo Júri quando se sabe que eventual recurso não proporciona a modificação do resultado quanto ao mérito da decisão. As decisões do Tribunal do Júri não se revestem da precariedade característica das decisões proferidas por juízo singular em primeiro grau de jurisdição. Elas são qualificadas por emanarem de um órgão colegiado, ao qual a Constituição assegurou a soberania dos veredictos. É a soberania do Tribunal do Júri que “pré-exclui qualquer ideia de segundo grau, quanto à materialidade da decisão” (Ministro Ayres Britto, nos debates nos julgamentos conjuntos das ADCs 29 e 30 e da ADI 45780). De fato, a apelação no caso de decisão do Tribunal do Júri é significativamente restrita, não podendo o Tribunal de Justiça substituí-la. A decisão do Conselho de Sentença não pode ser materialmente alterada no Tribunal ad quem.

Quando do julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43, 44 e 54, o Plenário do STF, revendo posicionamento anterior, estabeleceu o trânsito em julgado como condição para o início do cumprimento da pena. Os ministros que ficaram vencidos e formaram a minoria dos votantes lembraram que a possibilidade de revisão de uma decisão condenatória em segunda instância é bastante restrita, já que as instâncias extraordinárias (STJ e STF) não apreciam questões de prova. O argumento em favor da provisoriedade da execução de pena aplicada pelo Júri é muito mais forte, pois a revisão não é apenas restrita, mas completamente vedada no que diz respeito ao mérito da própria decisão. A revisão, em grau de apelação criminal, não altera o resultado, pois, no julgamento dos crimes dolosos contra a vida, o Tribunal do Júri é instância exauriente na apreciação dos fatos e da prova e, além disso, suas decisões não podem ser materialmente substituídas pelos tribunais de juízes togados, em razão da soberania de seus veredictos (art. 5º., XXXVIII, c, da CF). Esse princípio constitucional confere à decisão dos jurados um caráter de intangibilidade quanto ao seu mérito.

Argumenta-se, contra a execução imediata de pena aplicada pelo Tribunal do Júri, que a soberania dos seus veredictos é relativa, pois a própria lei processual autoriza a desconstituição da decisão tomada pelo Conselho de Sentença quando esta “for manifestamente contrária à prova dos autos” (art. 593, III, d, do CPP). É esse o fundamento brandido por Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto, na crítica que fazem à execução imediata da decisão condenatória do Júri:

“Partiu-se, portanto, da premissa de que, face à soberania que é inerente ao Tribunal do Júri, decorrente de expresso texto constitucional nesse sentido (art. 5º, inc. XXXVIII, ‘c’, da Carta), seria admitida a imediata prisão do réu, assim que condenado pelo Tribunal popular. (…).
O alcance do princípio da soberania do Júri e a apelação – De se ver, inicialmente, que se conferiu ao princípio da soberania do Júri um alcance que aparentemente ele não ostenta. De sorte que, embora com previsão constitucional, esse princípio é relativo , sofrendo forte mitigação quando a lei permite, na dicção do art. 593, III, ‘ d’, do Código de Processo Penal, que o Tribunal de Justiça mande o réu a novo Júri, acolhendo apelação e reconhecendo que a decisão dos jurados foi manifestamente contrária à prova dos autos. E nem poderia ser diferente , já que , embora se admitindo a soberania dos veredictos , há que se ter um meio de revisão das decisões evidentemente equivocadas. Não que ao Tribunal de Justiça se autorize, por meio de uma apelação, condenar ou absolver o réu. Mas poderá, sem arranhar o aludido princípio constitucional, determinar que outro julgamento seja realizado. Nesse sentido o posicionamento do STF: (…). Daí porque já foi denominado esse recurso, quando manejado contra decisões provenientes do Júri, de apelação ‘sui generis’, já que atua como verdadeiro juízo de cassação, posto que, segundo lição de José Frederico Marques, ‘a soberania continua a existir, mas desaparece a onipotência arbitrária’ (Elementos de Direito Processual Penal, Campinas:
Bookseller, 1997, vol. IV, p. 228).”
(grifei )

A soberania dos veredictos do Júri não está na irrecorribilidade de suas decisões, mas na exclusividade para julgar os crimes dolosos contra a vida. O controle recursal é limitado a aspectos formais e nos casos em que a decisão refugir completamente à prova dos autos, mas novo julgamento é realizado pelo mesmo órgão colegiado. Ao Tribunal de Justiça não se autoriza, por meio de uma apelação, condenar ou absolver o réu, mas apenas determinar que outro julgamento seja realizado, pelo mesmo órgão, quando verifica que o primeiro foi realizado de forma manifestamente contrária à prova dos autos. O princípio da soberania do Júri impede, desse modo, que a decisão do Conselho de jurados seja substituída, em sede recursal, por um pronunciamento de outro órgão jurisdicional. A mera possibilidade jurídico-processual de a decisão do Júri comportar recurso, quando for “manifestamente contrária à prova dos autos”, não desnatura a soberania dos seus veredictos, pois, nessa hipótese, a cassação da deliberação, determinada pelo Tribunal de Justiça, não importa em resolução do litígio penal, cuja apreciação permanece na esfera do próprio Tribunal do Júri. O Tribunal de Justiça limita-se a determinar que outro julgamento seja realizado, pelo mesmo órgão colegiado composto por juízes leigos. Ao dar provimento à apelação na hipótese de decisão dos jurados “manifestamente contrária à prova dos autos” (letra “d” do inciso III do art. 593, do CPP), o Tribunal de Justiça submete o réu a novo julgamento (§ 3º do art. 593) perante o Tribunal de Júri.

Vê-se, portanto, que recorribilidade das decisões do Júri – em hipóteses restritas, acentue-se – não abala o princípio da soberania dos seus veredictos, nem deslegitima a execução antecipada ou meramente provisória da condenação, sabendo-se que somente esse órgão colegiado pode manifestar juízo próprio acerca da materialidade e autoria de crime doloso contra a vida. A estatura constitucional e os princípios basilares do Júri, a quem a Constituição outorgou o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, conferem às deliberações dos jurados a intangibilidade do mérito, razão porque não há necessidade de se aguardar o resultado de recursos interpostos contra suas decisões.

A regra é a execução imediata da pena decorrente de condenação pelo Júri, podendo ser excepcionalmente suspensa se o relator do recurso, no Tribunal de Justiça, verificar a existência de alguma questão substancial que possa resultar na anulação da sentença ou submissão do réu a novo julgamento, como prevê o art. 492, § 5º., II, do CPP (na redação dada pela Lei n. 13.964/19).

O inc. II do § 5º. do art. 492 tem redação mais ampla, prevendo a possibilidade de o relator da apelação, no Tribunal de Justiça, atribuir efeito suspensivo ao recurso quando verificar a existência de questão substancial que pode resultar em absolvição, anulação da sentença, novo julgamento ou redução da pena para menos de 15 anos de reclusão. A redação do art. 492, na redação que lhe foi dada pela Lei n. 13.964/19, é a seguinte:

“Art. 492.
§ 5º Excepcionalmente, poderá o tribunal
atribuir efeito suspensivo à apelação de que trata o § 4º deste artigo, quando verificado cumulativamente que o recurso:
(…)
II – levanta questão substancial e que pode resultar em absolvição, anulação da sentença, novo julgamento ou redução da pena para patamar inferior a 15 (quinze) anos de reclusão.”

No entanto, considerando-se o princípio constitucional da soberania dos veredictos do Tribunal do Júri (art. 5º, XXXVIII, “c”, da CF), o que impede o Tribunal de Justiça de substituir a decisão condenatória quanto ao mérito, ou seja, de absolver réu condenado pelo Júri, bem como que o tamanho da pena aplicada não tem influência para a execução provisória da pena, esse dispositivo legal deve ser interpretado restritivamente, para possibilitar ao Desembargador relator apenas suspender a execução provisória da pena nessas duas hipóteses: acentuada probabilidade de anulação da sentença ou de submissão do réu a novo julgamento. Não é demais lembrar que “o fundamento da exequibilidade das decisões tomadas pelo corpo de jurados não está no montante da pena aplicada pelo respectivo juiz-presidente, mas na soberania conferida aos veredictos do tribunal popular, por vontade expressa do texto originário da Constituição” (Min. Luís Roberto Barroso).

Importante lembrar que, mesmo nos casos em que o Desembargador relator vislumbra, nos fundamentos do recurso de apelação, intensa probabilidade de anulação da sentença ou de submissão do réu a novo julgamento, o
acusado não deve ser solto se presentes as condições para decretação da prisão preventiva (art. 312 do CPP). Somente se a prisão tiver decorrido exclusivamente da execução provisória da pena imposta pelo Júri é que a atribuição de efeito suspensivo à apelação deve produzir a soltura do réu-recorrente.

Ainda de se acrescentar, ao lado de argumentos estritamente jurídicos, questões de política judiciária e elementos de ordem social a justificar a execução imediata da condenação proferida pelo Tribunal do Júri. Permitir que um réu, após ser julgado e condenado, saia livremente do recinto da sessão juntamente com as demais pessoas presentes ao julgamento, poderia abalar a confiança da população na instituição do Tribunal do Júri. A mensagem que cena desse tipo poderia passar para a sociedade seria de que não existe Justiça no Brasil, gerando desesperança e intranquilidade social. Como disse o Ministro Luiz Fux, ao suspender a decisão do TJRS no caso da boate Kiss, impedir a imediata execução da pena imposta pelo Tribunal do Júri “abala a confiança da população na credibilidade das instituições públicas, bem como o necessário senso coletivo de cumprimento da lei e de ordenação social.”
Do ponto de vista de política criminal, a execução provisória da pena aplicada se pauta também em critério objetivo relativo à gravidade dos crimes julgados pelo Júri, sabendo-se que o homicídio qualificado (que será a maior parte dos casos) é crime hediondo (artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.072/90), havendo mandamento constitucional expresso de penalização mais rigorosa para crimes mais graves (art. 5º, inciso XLIII, da CF).
Finalizando, sobre a matéria objeto do presente trabalho, podemos estabelecer as seguintes conclusões:

1ª. A execução provisória de decisão condenatória proferida pelo Tribunal do Júri, ainda que sujeita a recurso de apelação ou qualquer outro, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal.

2ª. A execução imediata da pena é efeito automático decorrente da condenação pelo Tribunal do Júri, devendo o Juiz determinar o recolhimento do condenado à prisão ou recomendá-lo no estabelecimento em que estiver encarcerado. Para a execução provisória da pena imposta pelo Tribunal do Júri, não se exige motivação particularizada ou de índole cautelar, nem tampouco fica a depender do tamanho da pena aplicada. Para a prisão do condenado, não há necessidade de verificar se a hipótese é de prisão preventiva ou se a pena imposta é superior a 15 anos, pela razão de que é decorrência exclusiva da condenação do réu pelo Conselho de Sentença. O Juiz não precisa justificar ou apresentar qualquer motivação concreta para a necessidade da prisão. A prisão é efeito automático da condenação pelo Tribunal do Júri. Ocorrendo a condenação pelo Júri, a determinação de recolhimento do réu à prisão é a regra, não dependendo do exame dos requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal, porquanto a execução imediata da pena imposta está em conformidade com a soberania do julgamento popular.

3ª. A soberania do veredicto do Conselho de Sentença, assegurada na cláusula constitucional inserta no art. 5º,
XXXVIII, ”c”, da CF, ergue-se como fundamento basilar a justificar a possibilidade de execução antecipada (ou provisória) de condenação penal (ainda que recorrível) emanada do Tribunal do Júri, pois o pronunciamento soberano dos jurados, ainda que sujeito à interposição de recurso de apelação (art. 593, III, do CPP), não é abalado como manifestação decisória intangível quanto ao mérito do litígio penal, pois somente a eles é conferido o poder de definir a existência do crime (materialidade) e a responsabilidade do acusado (autoria).

4ª. A intangibilidade dos pronunciamentos do Conselho de Sentença não é de caráter jurídico-processual, pois existe o controle recursal por outros órgãos do Poder Judiciário, a cujos tribunais compete verificar a regularidade dos veredictos sob o aspecto formal. A recorribilidade das decisões emanadas do Júri, nas hipóteses de conflito evidente com a prova dos autos ou para sanar nulidades, não ofende o postulado constitucional da soberania dos seus veredictos.

5ª. A regra é a execução imediata da pena decorrente de condenação pelo Júri, podendo ser excepcionalmente suspensa se o relator do recurso, no Tribunal de Justiça, verificar a existência de alguma questão substancial com intensa probabilidade de resultar na anulação da sentença ou submissão do réu a novo julgamento, como prevê o art. 492, § 5º., II, do CPP (na redação dada pela Lei n. 13.964/19).

6ª. Mesmo nos casos em que o Desembargador relator vislumbra, nos fundamentos do recurso de apelação, acentuada probabilidade de anulação da sentença ou de
submissão do réu a novo julgamento, o acusado não deve ser solto se presentes as condições para decretação da prisão preventiva (art. 312 do CPP). Somente se a prisão tiver decorrido exclusivamente da execução provisória da pena imposta pelo Júri é que a atribuição de efeito suspensivo à apelação deve produzir a soltura do réu-recorrente.

7ª. Ao lado de argumentos estritamente jurídicos, questões de política judiciária e elementos de ordem social justificam a execução imediata da condenação proferida pelo Tribunal do Júri. Impedir a imediata execução da pena poderia abalar a confiança da população na instituição do Tribunal do Júri, “bem como o necessário senso coletivo de cumprimento da lei e de ordenação social” (Luiz Fux).

Demócrito Reinaldo Filho
Demócrito Reinaldo Filho
Mestre e Doutor em Direito. Especializou-se em Direito Digital pelo Berkman Center e pela Fundação Konrad Adenauer. Foi fundador e é ex-presidente do IBDI – Instituto Brasileiro do Direito da Informação. É Coordenador do Comitê Gestor de Proteção de Dados do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Ingressou na magistratura por concurso público e atualmente é Desembargador do Tribunal de Justiça de Pernambuco.

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