Clínica e falsa profissional deverão indenizar paciente que sofreu lesão durante procedimento

Data:

Clínica
Créditos: Michał Chodyra / iStock

O Centro Clínico Evidence e uma profissional sem habilitação médica foram condenadas a indenizar uma paciente que sofreu lesões em decorrência de “tratamento realizado por pessoa não qualificada”. A sentença é da 12ª Vara Cível da Comarca de Brasília (DF).

Afirma a autora que, no mês de setembro do ano de 2012, buscou a clínica demandada para realizar tratamento para combater as varizes nas pernas sob a supervisão de uma profissional que se apresentou como médica. Ela conta que, logo depois da primeira sessão, sugiram várias lesões, o que fez com que retornasse à clínica. Apesar de tomar a medicação prescrita, as lesões se agravaram. A paciente afirma que sofreu danos estéticos e pede a condenação das demandadas por danos morais, além da restituição dos valores pagos à época.

Em sua contestação, a clínica afirma que não possui vínculo obrigacional com a demandante, uma vez que não foi celebrado qualquer contrato de prestação de serviço. Além disso, a clínica somente cedia o espaço para que a profissional atendesse seus pacientes usando o próprio equipamento. A clínica pede para que os pedidos sejam julgados improcedentes. A profissional não apresentou contestação.

Laudo pericial anexado aos autos aponta que “o tratamento realizado por pessoa não qualificada para utilizar o equipamento em questão (…) originou cicatrizes nos membros inferiores da requerente” e que “as cicatrizes foram originadas por aparelho emissor de laser e são sequelas originadas por queimaduras”. Segundo a perícia, os danos estéticos possuem natureza leve e definitiva e não podem ser revertidos por tratamento posterior.

Ao decidir, o juiz de direito ressaltou que as fotografias anexadas aos autos e o laudo pericial mostram “com clareza a natureza e dimensão do dano”. Para o magistrado, houve culpa da profissional, uma vez que ela fez uso de equipamento para tratamento estético sem habilitação médica e manuseou a técnica de forma equivocada, causando lesões à autora.

O juiz de direito entendeu também que a clínica agiu com negligência ao deixar que a “segunda requerida se passasse como pessoa que integrava o seu corpo clínico, que ali atendia com o respaldo de seu nome e marca, com equipamento de origem desconhecida e para atividades tampouco supervisionadas”. “Qualquer consumidor se sente seguro em realizar procedimentos estéticos de pequena monta numa clínica de cirurgia plástica. A prova cabal da negligência da clínica advém com a utilização de receituário com sua marca”, complementou, destacando que as 2 demandadas devem responder solidariamente pelos danos causados.

Dessa forma, as 2 demandadas foram condenadas a pagar a autora a quantia de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) a título de danos morais. Além disso, elas deverão ressarcir o valor de R$ 700,00 (setecentos reais) referente ao custo do procedimento de estética.

Cabe recurso da decisão de primeira instância.

Processo: 0711204-35.2017.8.07.0001 – Sentença (inteiro teor para download).

(Com informações do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT)

Inteiro teor para download:

Poder Judiciário da União
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS

12VARCVBSB
12ª Vara Cível de Brasília

Número do processo: 0711204-35.2017.8.07.0001

Classe judicial: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7)

AUTOR: MARIA ZENY SOARES DE MATOS

RÉU: CLINICA DE CIRURGIA SUDOESTE LTDA – EPP, RENATHA THEREZA CAMPOS DOS SANTOS

SENTENÇA

Maria Zeny Soares de Matos ajuizou ação de indenização contra Centro Clínico Evidence e Renatha Thereza Campos dos Santos, na qual alegou que em 18/09/2012 iniciou tratamento de laser para varizes nas dependências da clínica requerida, sob a supervisão da segunda requerida. Após a primeira sessão, apareceram feridas de difícil cicatrização, sendo-lhe indicado medicamento. Não obstante continuou o tratamento. Esclareceu que o tratamento foi iniciado nas dependências da primeira requerida, mas continuou na clínica Fit Corpus, com o aparelho da primeira requerida. Houve instauração de processo criminal em face da segunda requerida, que tramita sob o nº 2014.01.1.150295-0. Afirmou ter sofridos danos estéticos. Pleiteou a restituição dos valores pagos à clínica (R$700,00 em setembro de 2012, além de juros e correção monetária), o pagamento de R$100.000,00 por danos morais e a condenação das requeridas a lhe custear tratamento estético para recuperar seu estado anterior.

A decisão interlocutória deferiu a gratuidade de justiça à autora.

Clínica de Cirurgia Sudoeste Ltda. – Evidence apresentou contestação. Sustenta inicialmente a prescrição do direito da autora, com fundamento no artigo 206, §1º, V, do Código Civil. Alega a que não possui vínculo obrigacional com a autora, pois não foi celebrado qualquer contrato de prestação de serviços, emissão de nota fiscal ou comprovação de pagamento dos serviços em favor da primeira requerida. Afirmou que os receituários médicos juntados pela autora não comprovam o vínculo jurídico, pois não foram produzidos pelo representante legal da requerida. Está comprovado nos autos que os serviços foram prestados pela empresa Fit Corpus, conforme depoimento prestado pela própria autora perante a delegacia de polícia. A segunda requerida não possui qualquer vínculo com a primeira requerida, pois esta somente cedia o espaço para que Renatha atendesse seus pacientes com o equipamento desta. Não foram comprovados danos materiais. A extensão do dano foi em pequena proporção.

Renatha Thereza Campos dos Santos, apesar de regularmente citada (ID Num 7958856), deixou de oferecer contestação (ID Num 10107511).

Em réplica, a autora refutou a prescrição, postulando seja considerado o prazo prescricional estabelecido pelo artigo 27 do CDC, por se tratar de relação de consumo e reitera os termos da inicial.

A decisão interlocutória afastou a prescrição aventada em defesa, declarou saneado o processo, manteve a distribuição ordinária do ônus probatório, fixou os pontos controvertidos, determinando a produção de prova oral e pericial.

As partes apresentaram seus quesitos e assistentes.

Em audiência de instrução, a conciliação restou infrutífera. A segunda requerida fez-se presente e constituiu procurador. Foram ouvidas as partes e as testemunhas.

Posteriormente, o advogado da requerida Renatha renunciou a seus poderes, comprovando a notificação de sua cliente, que, apesar de intimada, não constituiu novo procurador.

O laudo pericial foi juntado aos autos (doc. id. Num. 50114335 – Pág. 1), sendo que, após, a autora e primeira requerida sobre ele se manifestaram.

Em seguida, a primeira requerida manifestou-se em alegações finais por escrito. As outras partes permaneceram inertes.

É o relatório. Passo a decidir.

O processo tramitou regularmente. Não há nulidades ou irregularidades cognoscíveis de ofício. Estão presentes os pressupostos de constituição e desenvolvimento válido do processo, bem como as condições da ação.

Cinge-se a controvérsia a definir se há responsabilidade das requerias pelos prejuízos extrapatrimoniais e materiais apontados pela autora. Em particular, as partes controvertem sobre os seguintes pontos fáticos: (i) a existência de vínculo obrigacional entre a autora e a primeira requerida; (ii) a relação jurídica eventualmente estabelecida entre as requeridas; (iii) o local em que foram prestados os serviços causadores dos danos alegados pela autora; (iv) o nexo de causalidade entre o tratamento realizado pela requerente e as lesões; (v) o grau das lesões; (vi) a situação atual das lesões; (vii) se há possibilidade de tratamento das lesões; (viii) se o procedimento estético realizado pela requerente normalmente acarreta lesões; (ix) se a requerente seguiu os cuidados necessários para a recuperação após o procedimento.

Anote-se, ademais, que a prejudicial de prescrição foi oportuna e adequadamente solucionada, não havendo que se voltar ao tema.

Então, deve-se contatar se a autora sofreu lesão em razão do comportamento negligente das requeridas.

Para a constatação do estado de saúde da autora era necessária a realização de perícia médica, o que foi feita. Após o exame da autora, o perito constatou “telangiectasias (pequeninos vasos muito finos na superfície da pele) em ambos os membros inferiores, e a presença de 4 (quatro) cicatrizes hipocrômicas circulares em coxa direita, medindo aproximadamente 2 cm (dois centímetros) de diâmetro cada uma; 1 (uma) cicatriz similar às anteriormente descritas em coxa esquerda; e 1 (uma) outra cicatriz com as mesmas dimensões, mais escura, em região anterior da perna esquerda. Todas as cicatrizes citadas podem ser vistas nas imagens obtidas por ocasião desta Perícia, as quais foram anexadas ao Laudo Pericial” (doc. id. Num. 50114335 – Pág. 3)

A perícia não hesitou em classificar esses achados como dano estético de natureza leve, com natureza definitiva, que não pode ser revertida por tratamento posterior. As fotografias juntadas com a perícia expressam com clareza a natureza e dimensão do dano.

A perícia, de igual modo, apontou categoricamente que “o tratamento realizado por pessoa não qualificada para utilizar o equipamento em questão, ora 2ª Requerida, originou cicatrizes nos membros inferiores da Requerente”. Mais que isso, “as cicatrizes foram originadas por aparelho emissor de laser e são sequelas originadas por queimaduras”.

Com isso, estão claros a culpa da segunda requerida e o nexo de causalidade. A requerida utilizou-se de equipamento para tratamento estético sem habilitação médica, e que, além disso, manuseou equivocadamente a técnica, de modo a causar as lesões em questão. Confiram-se as conclusões da perícia:

“A Sra. Maria Zeny Soares de Matos, 45 (quarenta e cinco) anos de idade, ora Requerente, foi submetida a tratamento com uso de equipamento emissor de laser (escleroterapia a laser), manejado por pessoa leiga em Medicina, a Sra. Renatha Thereza Campos dos Santos, ora 2a Requerida (…) As “microvarizes”, tecnicamente chamadas de telangiectasias e veias reticulares insuficientes, podem ser tratadas com o uso de laser transdérmico, um tipo de escleroterapia que substitui ou se associa ao tratamento de escleroterapia química convencional, por injeção com agulha. O procedimento em questão é um ato médico, portanto, trata-se de intervenção que deve ser conduzida por médico”.

Não é demais lembrara que a revelia da segunda requerida está em linha com a prova testemunhal e documental apresentada nos autos.

Também é evidente, que tendo prestado o serviço em questão, a segunda requerida recebeu por ele. Ela reconhece tal fato em seu depoimento pessoal (Num. 17802934 – Pág. 7), sem impugnar o valor apresentado pela autora (R$700,00), que, de resto, não se revela exorbitante para o serviço em questão. Tendo prestado um defeito defeituoso, causando danos à autora, é evidente que a segunda requerida deve restituir esse valor à autora.

A primeira requerida, a Clínica Evidence, pretende esquivar-se da responsabilidade, sob um argumento formal. Não há contrato com ela assinado, não recebeu valores. Importa destacar, no entanto, que ao prestar seu depoimento pessoal, o representante legal da primeira requerida, a reconheceu que admitiu, por força de amizade, a presença de Renatha na clínica e de equipamento cuja origem não sabe precisar. Também reconheceu que os médicos pouco se encontravam no local, sendo incapazes de fiscalizar o que ali se passava (Num. 17802934 – Pág. 5).

Trata-se, à toda evidência, de negligência grave. Ao assim proceder, a Clínica Evidence deixou que a segunda requerida se passasse como pessoa que integrava o seu corpo clínico, que ali atendia com o respaldo de seu nome e marca, com equipamento de origem desconhecida e para atividades tampouco supervisionadas. Pouco importa identificar se a clínica auferiu lucro com tal fato ou não, pois sua responsabilidade não pressupõe que tenha auferido renda com o ilícito. O foco da discussão é o empréstimo de credibilidade para a segunda requerida, para que ela auferisse renda. Naturalmente, qualquer consumidor se sente seguro em realizar procedimentos estéticos de pequena monta numa clínica de cirurgia plástica. A prova cabal da negligência da clínica advém com a utilização de receituário com sua marca (doc. id. Num. 7398135 – Pág. 1), o que evidencia que material da clínica estava à disposição para que a requerida Renatha o utilizasse como melhor entendesse. O testemunho de Luciene Sampaio Ferreira deixa claro, aliás, que Renatha utilizava-se constantemente do espaço da clínica para atender seus pacientes. Assim, as requeridas devem responder solidariamente pelos danos causados.

Resta, assim, valorar os danos extrapatrimoniais sofridos. A lesão à integridade física e estética da autora certamente configura dano extrapatrimonial. Tendo em vista que a lesão à integridade física não pode ser reduzida, com precisão matemática, a uma cifra qualquer e que, não obstante, os danos morais devem ser ressarcidos conforme determina a Constituição Federal (art. 5º, X, CF), deve o julgador fixar, por arbitramento, uma quantia compensatória de forma a apaziguar a lesão sofrida com bens materiais outros. Nessa fixação por arbitramento, o julgador deve atuar rente à realidade dos fatos, atento às peculiaridades da hipótese sob análise, para não subestimar a lesão e tampouco ensejar o enriquecimento sem causa.

Dessa forma, é adequada a fixação dos danos morais em R$25.000,00 (vinte e cinco mil reais) considerando ambos os aspectos da lesão. A autora sofreu lesões nos membros inferiores, com dor, necessidade de tratamento e consequências definitivas. A lesão é perceptível por quaisquer terceiros.

Não cabe condenar os requeridos a custear procedimento reparatório, porque a perícia indicou que as cicatrizes são definitivas e não podem ser reparadas.

Dispositivo

Forte em tais razões, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na petição inicial para condenar as requeridas no pagamento à autora dos seguintes valores: (i) R$25.000,00 (vinte e cinco mil reais) para os danos extrapatrimoniais sofridos, quantia essa que deve sofrer correção monetária a partir desta data e devem ser acrescida de juros legais de mora (1% a.m.) desde a data do acidente (18/09/2012); (ii) R$700,00 (setecentos reais) pelos danos materiais, quantia essa que deve sofrer correção monetária e deve ser acrescida de juros legais de mora (1% a.m.) desde 18/09/2012.

Declaro resolvida a lide com amparo no art. 487, I, do CPC.

Diante da sucumbência mínima da autora, condeno os requeridos em despesas processuais e honorários advocatícios, esses que ora fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, com base no art. 85, §2º, do CPC, considerando, para tanto, o grau de zelo dos profissionais envolvidos, o lugar de prestação do serviço, a natureza e importância da causa, bem como sua duração.

Sentença registrada neste ato. Publique-se. Intimem-se.

Brasília-DF, 2 de abril de 2020.

Atalá Correia
Juiz de Direito Substituto

Clínica
Créditos: Michał Chodyra / iStock
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