O juiz Mateus Milhomem de Sousa, do 1º Juizado Especial Criminal de Anápolis, propôs medidas para impor a obrigação de oficializar nascimentos e óbitos dentro do prazo legal. Entre as sugestões do magistrado, estão mudanças no Código Penal para criminalizar a conduta das pessoas que demoram ou, simplesmente, deixam de buscar os cartórios por má-fé.
A imposição legal para proceder com as certidões está prevista em Lei nº 6015/1973, contudo, o juiz ponderou que na normativa, apesar de constar a obrigação, não há previsão de nenhuma consequência legal. Dessa forma, ele sugeriu aos representantes no Legislativo que alterem os artigos 52, que trata sobre nascimento, e 79, sobre óbito. “Não existe maior descrédito do que uma lei criar uma obrigação sem sanção pois os legisladores e a Justiça perdem credibilidade toda vez que algo assim ocorre”. Assim, os textos que obrigam serão acrescidos do trecho “sob pena do crime previsto no artigo 247-A do Código Penal”.
O magistrado também pediu a criação do referido artigo, especificando o crime de “deixar de promover o registro de nascimento e de óbito quando obrigado por lei e dentro do prazo legal”. A pena seria detenção de três meses a um ano e multa. “Não estaríamos, apenas, criminalizando problemas sociais, mas, sim, criando uma abordagem mais séria para o grave problema, que é a omissão dolosa dos registros civis”.
Caso concreto
As sugestões foram dadas em uma sentença de extinção de punibilidade em porte de drogas, por causa da morte do réu. Madson Manoel de Lima respondia por esse e outros processos criminais, mas foi vítima de homicídio em dezembro de 2015. Sua família, entretanto, realizou o sepultamento munida, apenas, de declaração de óbito do hospital.
Os processos contra Madson continuaram a tramitar normalmente e, apenas quando o juiz ouviu testemunhas, soube da morte do acusado. Mateus Milhomem (foto abaixo, à direita) pediu a certidão de óbito aos cartórios da comarca, mas nenhum havia emitido o documento. Houve, então, diligências em busca dos familiares de Madson, mas ninguém fora encontrado. O falecimento só foi confirmado após ouvir a instituição de saúde na qual o acusado morreu, bem como o médico responsável pelo atendimento.
Segundo o magistrado, situação como essa é recorrente e tem causado problemas à Administração Pública. “A falta de certidão de óbito prejudica o arquivamento dos processos, lesa o erário, posterga o processo de inventário administrativo ou judicial, deixa bens fora do comércio, atrapalha as estatísticas e controles sociais e, até mesmo, políticas públicas. Sem falar que os familiares, no futuro, podem precisar de documento e vão travar a Justiça na sua falta ou impossibilidade imediata de consegui-lo”.
A permissão para enterros serem realizados sem a certidão é prevista no artigo 78 da Lei nº 6015/ 1973, para, apenas, circunstâncias excepcionais que existiam no passado, conforme explica o juiz, como “ausência de cartorários próximos, inexistência de plantão nos fins de semana e feriados, dificuldade de as pessoas não tão próximas conseguirem os documentos de identificação civil do falecido. Assim, esta exceção foi criada para evitar a putrefação ao ar livre ou de forma indigna ao ser humano, tanto no viés social quanto no de saúde pública. Nada disso ocorre atualmente em Anápolis e região”.
O dispositivo que permite a demora necessita de modernizações urgentes, na opinião do juiz. “(É preciso) melhorar o precário funcionamento da Justiça e auxiliar, e muito, o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) a combater fraudes no recebimento de benefícios, além de melhorar a base de dados necessária para a criação das mais diversas políticas públicas, e que dependem da emissão da certidão de óbito pelos cartórios de registro civil e suas comunicações de praxe”.
Medidas
Mateus Milhomem elucidou que é necessário demandar providências urgentes do Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO), Corregedoria Permanente dos Cartórios, prefeituras, gestores de cemitérios, agentes funerários para viabilizar ajustamento de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para cessar o problema.
Outra medida proposta pelo magistrado é a criação de uma declaração de óbito para ser preenchida pelo responsável pelo cadáver, para justificar eventual impossibilidade de ir ao cartório. “Assim, a declaração terá vários efeitos extremamente úteis, como blindar o gestor do cemitério e fixar responsabilidade na pessoa que apresenta a declaração de óbito, além de servir como orientador social e estimular o registro antes do sepultamento, pois, raramente, haverá qualquer motivo relevante para tanto, pois em nossa comarca serão viabilizados todos os plantões necessários e convênios com a Prefeitura e agências funerárias para agilizar, desburocratizar e facilitar o acesso aos cartórios”.
O objetivo, frisado pelo juiz, é fazer com que as obrigações legais sejam, de fato, obedecidas. “Neste projeto, nem mesmo o desconhecimento da lei poderá ser alegado, pois haverá campo de recebimento e esclarecimentos nas declarações de nascimento e óbito, melhorando o nível de conhecimento da população. (…) São evoluções que reputamos importantíssimas e serão um motor de evolução social, poupando a justiça de um enorme retrabalho e fazendo com que o Brasil, finalmente, possa atingir um patamar social melhor”.
Para dar ciência às proposições, Mateus Milhomem pediu que seja comunicado o teor da sentença ao diretor do Foro e demais juízes criminais da comarca, à Corregedoria Nacional de Justiça, ao Ministério Público do Estado de Goiás, Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (Asmego), Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), entre outras autoridades.