A Associação Juízes para a Democracia (AJD), manifestou-se por meio de uma nota, na última quarta-feira (14), a favor das eleições diretas no país, por considerar que são a “saída mais adequada política e constitucionalmente para distensionar o espaço público”.
O apoio surge “diante da completa deterioração da legitimidade do governo brasileiro à vista dos fatos levados à público nas últimas semanas e da crise de representação da expressão legislativa do poder de Estado”.
Leia os pontos destacados pela Associação:
- Antes de tudo, frisamos que os magistrados detém – apesar da limitação imposta pela LOMAN, que se resume à vedação de atividade partidária – liberdade de pensamento e direito a expressar suas opiniões a respeito do ambiente institucional brasileiro. Em primeiro lugar por serem cidadãos e cidadãs, aos quais, numa ordem constitucional democrática, impensável não reconhecer essas liberdades básicas para o exercício da cidadania. Também porque essencialmente já exercem atividade política, sendo integrantes do aparato de poder do Estado e por aplicarem normas de direito, necessariamente políticas, sendo que, na medida em que os tribunais devem elaborar o direito, devem fazê-lo em função do Estado e dos seus fins. Por fim, porque há de se reconhecer a estreita relação entre o político e o jurídico, no sentido de que um campo não pode ser pensado sem o outro, implicando no reconhecimento de que o campo político no Estado Democrático de Direito é a única e indispensável via para a realização do direito.
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A partir daí é preciso evidenciar que, um ano após a ilegítima destituição do governo eleito pela maioria dos brasileiros e da diuturna sucessão de notícias veiculadas à degradação da vida política brasileira, associada – diga-se – não apenas aos agentes políticos, mas à elite econômico-financeira-
empresarial do país e as promíscuas relações estabelecidas entre esses estamentos, consolidou-se o poder daqueles que, ademais da completa desconsideração pelo processo democrático e pelo papel da lei, buscam rapidamente realizar ‘reformas de teor antissocial, sem diálogo, análise ou pertinência técnica ou histórica’ (MARSHALL, Francisco. Pacto, harmonia e o boteco do Villa. In Zero Hora doc., 10 e 11 de junho de 2017, p. 18), em absoluta dissonância com o resultado dos últimos quatro pleitos presidenciais – pelo menos -, nos quais derrotadas as propostas de privatização do Estado, da poupança pública, de entrega das riquezas nacionais, de aviltamento das condições de trabalho e remuneração dos trabalhadores e, consequentemente, das condições de vida da maioria do povo brasileiro. -
Portanto, flagrante o desrespeito pelo princípio democrático, deixado ao relento na medida de a vontade soberana manifestada nas eleições ser francamente desconsiderada no exercício do poder delegado aos mandatários, representantes das expressões executiva e legislativa do poder do estado, ao passo que a legitimidade do próprio sistema democrático deve ser constantemente aferida pela manifestação da vontade dos cidadãos, nos pleitos eleitorais e através das demais forma de democracia direta previstas na Constituição da República.
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Nesse passo, é fundamental que a cidadania se manifeste urgentemente a respeito das alternativas postas pela Constituição para a solução dos impasses que – crise após crise – vão se acumulando e inviabilizando o efetivo cumprimento do projeto civilizatório por ela própria delineado e que, a passos rápidos, vai sendo destruído a partir da adoção de propostas de reforma que atentam contra seus fundamentos. É preciso, por isso, sublinhar que o constitucionalismo deve ser compreendido como a mediação possível, numa sociedade democrática, entre o direito e a política, impondo-se que em momentos de crise aguda – da legitimidade política e da própria representação popular – seja devolvido ao poder constituinte originário o direito fundamental de restabelecer a legitimidade das instituições de representação e apontar as soluções capazes de permitir ao país retomar o caminho do desenvolvimento sustentável e do respeito aos direitos e garantias fundamentais. Democracia, com efeito, não é apenas procedimento e os direitos subjetivos públicos são meio através do qual a democracia tutela o desenvolvimento da pessoa humana. Trata-se, portanto, de garantir valores que estão para além do procedimento e mesmo assim condicionam as decisões políticas.
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O artigo 81 da Constituição Federal prevê que, no caso de vacância dos cargos de presidente e vice, após a metade do mandato de quatro anos, o presidente que concluirá o tempo restante deve ser eleito indiretamente pelo Congresso Nacional. Contudo, a PEC 227/2016, do Deputado Miro Teixeira, pretende alterar o texto Constitucional para determinar que, em caso de vacância do cargo em até seis meses do fim do mandato, novas eleições diretas sejam convocadas no país, apresentando como justificativa: “o Congresso Nacional deve devolver ao povo, em qualquer circunstância, o direito de escolher o Presidente da República”.
Por outro lado, em 2015 o Código Eleitoral foi modificado para estipular eleições diretas em caso de vacância nos últimos seis meses, sendo outra alternativa posta para a solução dos impasses institucionais criados na presente crise, a possível aplicação desse dispositivo para a presidência da república, já que o referido artigo da Constituição determina em sentido aparentemente contrário.
- De todo modo, sustentamos que, considerando a perspectiva do constitucionalismo democrático, qualquer dessas alternativas não constitui instrumentalização da Constituição ou opção oportunista diante da necessidade de soluções capazes de permitir a superação do persistente conflito político que impede o país de dar conta da sua dívida histórica com os estratos explorados da nossa sociedade como indicado pelo Pacto Social de 1988. Convocar a soberania popular para decidir sobre seu destino é realizar a própria ideia de Constitucionalismo Democrático.
Portanto, as eleições diretas, neste momento, são a saída mais adequada política e constitucionalmente para distensionar o espaço público e para permitir ao povo, origem popular da validade da Constituição, assumir a responsabilidade de apontar os caminhos para a superação da crise, porquanto essa é uma questão política e não exclusivamente jurídica.
Fonte: Justificando