Uma decisão inédita no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi tomada pela Segunda Turma, que considerou possível e válida a apreensão administrativa de veículos alugados flagrados na prática de crimes ambientais. Para a turma, não precisa de comprovação de sua utilização de forma reiterada e exclusiva em atividades ilícitas.
O colegiado considerou, por unanimidade, que essa comprovação de uso exclusivo para a prática de crimes constitui “prova diabólica” (impossível de ser produzida) para a autoridade ambiental, não tem previsão na legislação, e contraria os princípios legais de efetividade da proteção ao meio ambiente.
A proprietária do trator, em mandado de segurança, pontuou que não seria responsável pelo crime ambiental, uma vez que no momento da apreensão o veículo estava sob responsabilidade de terceiro, que o alugou. Ela ainda disse que o veículo era utilizado frequentemente em sua fazenda para manutenção de sua família, descaracterizando seu uso exclusivo para atividades ilícitas.
O juiz de primeiro grau determinou a restituição do trator à proprietária ao conceder o mandado de segurança. O Tribunal Regional Federal da 1ª Região manteve a sentença por entender que a apreensão para posterior decretação de perdimento (artigo 25, parágrafo 4º, da Lei 9.605/1998) aplica-se somente a veículos utilizados exclusivamente ou de forma rotineira na prática de infrações ambientais.
Decisão no STJ
O relator do recurso especial, ministro Og Fernandes, disse que “não é possível admitir que o Judiciário comprometa a eficácia da legislação ambiental e impeça a apreensão do veículo utilizado na infração tão somente porque o instrumento utilizado no ilícito originou-se de um contrato de locação, cessão ou qualquer outro meio juridicamente previsto”.
Ele começou seu voto apontando precedentes do próprio STJ que entenderam que a apreensão de veículo que realiza transporte irregular de madeira é possível somente se for comprovado que ele é empregado especificamente na prática de crimes ambientais. Por isso, em sua visão, o STJ não conhece de recursos especiais interpostos pelas entidades de defesa do meio ambiente nesses casos, já que é impossível reexaminar as provas do processo (Súmula 7).
Mesmo com essa ressalva, o ministro defendeu a revisão desse entendimento jurisprudencial devido à necessidade de se efetivar as políticas de preservação do meio ambiente, principalmente diante de um momento delicado para o Brasil, em que a comunidade internacional observa atentamente o papel das autoridades brasileiras no exercício das atividades de proteção ambiental.
Para Og Fernandes, essa conjuntura “atrai para o Judiciário o dever de interpretar a legislação à luz de tal realidade, recrudescendo a proteção ambiental e a correspondente atividade fiscalizatória”.
Objetivo das leis
O ministro salientou o disposto no artigo 25 da Lei 9.605/1998 que estabelece a apreensão de produtos e instrumentos, lavrando-se os respectivos autos, quando verificada a infração. Pontuou também o artigo 72, inciso IV, da mesma lei, que prevê a apreensão de animais, produtos e subprodutos da fauna e da flora, equipamentos, instrumentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração.
Ele entende que “Reduzir a apreensão dos produtos e instrumentos utilizados no ilícito aos casos em que se demonstre o emprego específico e exclusivo desses bens na prática de infração ambiental, além de caracterizar a exigência de requisito não previsto na legislação de regência, traduz-se em providência contrária aos objetivos das leis de proteção ao meio ambiente”.
Para Og Fernandes, a comprovação pela autoridade de que o veículo é utilizado específica e exclusivamente para a prática de infração ambiental é uma “verdadeira prova diabólica, tornando letra morta a legislação que ampara a atividade fiscalizatória”.
No caso dos autos, ele realçou que, mesmo que o bem tenha sido alugado ao infrator, a liberação do veículo retiraria inteiramente o caráter dissuasório da medida de apreensão, o que poderia inclusive incentivar a prática de locação de veículos para o cometimento de crimes ambientais.
Direito de defesa do proprietário
Por fim, o ministro Og Fernandes ponderou que o proprietário deve ser notificado, a partir da infração, para apresentar defesa. E que, caso não seja provada sua má-fé, poderá reaver o bem apreendido. Para o ministro, essa nova orientação não lança injusta restrição a quem não deu causa à infração ambiental, mas considera o risco da exploração da atividade econômica (locação) a quem a exerce.
E concluiu: “Permitir raciocínio oposto implicaria a possibilidade de os infratores firmarem ou simularem contratos de locação de caminhões, tratores etc., com o fito de garantir a impunidade das condutas lesivas ao meio ambiente”.
Com a decisão, a apreensão de um trator flagrado pelos fiscais do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) durante exploração ilegal na área da Floresta Nacional Bom Futuro (Rondônia), região que integra o bioma amazônico, foi confirmada.
Processo: AREsp 1084396
(Com informações do Superior Tribunal de Justiça)
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