Tecnologia que pode promover regime remoto de trabalho amplia práticas de monitoramento e espionagem de funcionários
Com o crescimento de modelos de trabalho assíncronos e remotos na pandemia de Covid-19 em 2020 e 2021, muitas empresas adotaram softwares e tecnologias para medir produtividade de funcionários, considerando o máximo desempenho em detrimento do bem-estar. A prática de monitorar o desemprenho de sua equipe, que muitos chefes tem usado no exterior é conhecida como bossware. A informação é do Terra.
O termo pode ser traduzido para algo como "software do chefe" — uma mistura dos vocábulos em inglês "boss" (chefe) e "ware", em referência à palavra software.
Embora pareça algo novo, a pandemia apenas catalisou um hábito antigo das empresas vigiarem suas equipes. "Mesmo antes, com funcionários trabalhando no presencial, empresas já usavam tais ferramentas como contenção de atividades dispersivas", relata Daniele Nazari, psicóloga da plataforma de saúde emocional Zenklub.
Respaldando a afirmação da psicóloga, um estudo do Gartner de 2019, que analisou 239 corporações, mostra que mais de 50% das empresas analisadas usavam alguma técnica de monitoramento não tradicional — algo bem acima dos 30% verificados pela mesma consultoria em 2015. O que mudou de lá para cá foi a busca por softwares mais atualizados neste sentido.
Visão dos trabalhadores
Em março deste ano, após descobrirem que a empresa estava monitorando seus colaboradores os funcionários de um dos armazéns da Amazon nos EUA tentaram formar um sindicato. Mais do que isso: os scanners portáteis de rastreio de pacotes serviram de ferramenta para o monitoramento.
Em uma reportagem do jornal britânico The Guardian, em abril, um analista da costa leste dos EUA identificado como James (nome fictício), que trabalha há dez anos em uma grande varejista local e precisou aderir ao trabalho remoto na pandemia. Notou que era vigiado após uma reunião online com o objetivo de entender como preencher tempos livres do trabalho. Especificamente: evitar períodos em que a equipe não estava "inserindo informações no banco de dados".
Documentos divulgados em junho deste ano pela coluna Motherboard, da Vice, apontam as métricas "Time Off Task" (TOT, ou tarefa de folga) da varejista. Ela marcava períodos ociosos dos empregados, incluindo idas ao banheiro ou momentos pontuais de descompressão e conversas com colegas. Há relatos de pessoas que urinaram em garrafas para evitar que as pausas fossem contabilizadas como "tempo ocioso".
Em tempos de assédio moral, pressão por desempenho e expectativa de entregas incoerentes, crises como depressão e burnout entraram em pauta. Uma pesquisa da InfoJobs, de setembro de 2022, aponta que 60% dos profissionais não se sentem psicologicamente seguros onde trabalham. Destes, 77% afirmam não existir ações ou suporte para o bem estar de funcionários. "A pandemia, o isolamento social e o medo da covid-19 aceleraram a discussão sobre saúde mental nas empresas", observa Ana Paula Prado, CEO da consultoria.
Ilegalidade
Por mais controverso que pareça, o monitoramento está longe de ser ilegal. E a prática nem sempre tem finalidade arbitrária — ao menos não em teoria. Uma das justificativas é garantir que o equipamento fornecido pela empresa está sendo usado para fins laborais. Na pesquisa da digital.com, por exemplo, 50% das companhias dizem usar bossware com essa finalidade.
E no Brasil?
Segundo o Portal Terra, para o advogado especializado em privacidade e proteção de dados do escritório Opice Blum, Bruno e Vainzof, Henrique Fabretti Moraes, um trecho da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) justifica tal controle, afirmando que é dever da empresa assumir os riscos da atividade econômica. Ou seja: há espaço para a prática "sobretudo para proteção de patrimônio, dos clientes e dos próprios empregados".
Professor de direito tecnológico do Centro Universitário FIAP, Márcio Cots, disse à reportagem que nos casos em que a empresa concede notebooks e smartphones ao trabalhador, por exemplo, "há respaldo legal para que ela monitore o que é feito com seu patrimônio, incluindo nível de uso — o que poderia corresponder ao trabalho realizado pelo empregado".
A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) prevê limites e regras. Os advogados dizem que monitoramento de boa-fé deve ser sempre informado ao empregado, além do objetivo da coleta de dados.
Para Daniele Nazari, do Zenklub, "É compreensível que organizações sintam a necessidade de adotar esse tipo de monitoramento e levantar mais dados sobre produtividade de colaboradores, mas ele deve ser ferramenta de uma gestão integrativa", reforçou a psicóloga, ressaltando que softwares podem ser sim um dos critérios de avaliação — mas não o único. "Até porque é um recurso mecanizado e estamos falando de pessoas, que têm vidas, emoções, e contextos diversos dentro de suas casas no trabalho remoto", argumenta.
Com informações do Portal Terra.
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