Instruções CVM 554 e 555: as mudanças no conceito de Investidor Qualificado e as regras aplicáveis aos Fundos de Investimento

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O mercado financeiro oferece uma série de ativos financeiros para que investidores apliquem os seus recursos, como títulos públicos e privados, ações de empresas, contratos futuros, etc. Um investidor, que reúna condições suficientes, pode até optar por investir diretamente nos ativos disponíveis no mercado, mas o mais comum é procurar pessoas e empresas especializadas na gestão dos seus recursos.

Neste cenário, os Fundos de Investimento se apresentam como uma das melhores alternativas, pois viabiliza a comunhão de recursos entre investidores, dentro de uma estrutura organizada e habilitada para gerir os recursos em uma carteira de investimentos guiada por um objetivo claro e uma política de investimentos determinada.

Os Fundos de Investimento funcionam tais como empresas, possuindo personalidade jurídica própria, CNPJ, registro, além de estar obrigado a publicar anualmente o seu resultado contábil, inclusive com parecer de auditoria independente.

No entanto, a estruturação de um Fundo de Investimento não é uma tarefa simples, pois a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) atua constantemente para que os fundos disponíveis no mercado financeiro atendam o investidor da melhor forma possível, sendo possível afirmar que a atuação da CVM é norteada pelo objetivo de proteger o investidor.

As Instruções CVM 554 e 555, editadas em 17 de dezembro de 2014, se enquadram nesta afirmação, ao passo que trouxeram uma série de alterações no conceito de investidor qualificado e nas regras aplicáveis aos Fundos de Investimento.

Principais alterações trazidas pelas novas instruções, especialmente em relação ao conceito do investidor qualificado e às regras aplicáveis a fundos de investimento. A Instrução CVM 554, a qual altera o conceito de investidor qualificado, assim como cria a figura do investidor profissional, por meio da modificação da Instrução CVM 539, de 13 de novembro de 2013, enquanto que a Instrução CVM 555, que substitui a Instrução CVM 409, de 18 de agosto de 2004, passando a dispor sobre a constituição, administração, funcionamento e divulgação de informações de fundos de investimento.

A Instrução CVM 554, trouxe mudanças ao conceito de “Investidor Qualificado”, assim como introduziu o conceito de “Investidor Profissional”, passando a uniformizar as regras anteriormente existentes a respeito de investimento e valor unitário mínimos dispostas em outras instruções editadas pela CVM.

De acordo com a Instrução CVM 554:

  1. a) Investidores Profissionais são (i) instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil; (ii) companhias seguradoras e sociedades de capitalização; (iii) entidades abertas e fechadas de previdência complementar; (iv) pessoas naturais ou jurídicas que possuam investimentos financeiros em valor superior a R$ 10.000.000,00 e que, adicionalmente, atestem por escrito sua condição de investidor profissional mediante termo próprio; (v) fundos de investimento; (vi) clubes de investimento, cuja carteira seja gerida por administrador de carteira autorizado pela CVM; (vii) agentes autônomos de investimento, administradores de carteira, analistas e consultores de valores mobiliários autorizados pela CVM, em relação a seus recursos próprios; e (viii) investidores não residentes.

  2. b) Investidores Qualificados são (i) investidores profissionais; (ii) pessoas naturais ou jurídicas que possuam investimentos financeiros em valor superior a R$ 1.000.000,00 e que, adicionalmente, atestem por escrito sua condição de investidor qualificado mediante termo próprio; (iii) pessoas naturais que tenham sido aprovadas em exames de qualificação técnica ou possuam certificações aprovadas pela CVM como requisitos para o registro de agentes autônomos de investimento, administradores de carteira, analistas e consultores de valores mobiliários, em relação a seus recursos próprios; e (iv) clubes de investimento cuja carteira seja gerida por um ou mais cotistas que sejam investidores qualificados.

Comparando com a regulamentação anterior do conceito de Investidor Qualificado”, houve um aumento do valor mínimo investido em ativos financeiros (de R$300.000,00 para R$1.000.000,00) para que pessoa que não se enquadre nas demais hipóteses seja caracterizada como investidor qualificado; e passaram a serem considerados investidores qualificados os investidores não residentes.

Outra importante introdução da ICVM 554 é o “Suitability” que alterou as regras de verificação da adequação do produto ao investidor, o que reforça a postura da CVM em proteger o investidor. Inclusive, em se tratando da CVM, é preciso ter em mente que a mera adequação aos limites da regulamentação não garantem a chancela da CVM para operar. Ao proceder a estruturação de um Fundo de Investimento é indispensável se preocupar em como a CVM irá olhar para este Fundo. Imagine que um seja estruturado um Fundo Renda Fixa Aberto com carência de 10 anos, se olharmos a Instrução CVM 555, vamos verificar que ele atende aos limites da regulamentação, porém a CVM certamente vai entender que se trata de um Fundo Longo prazo em razão da carência e, buscando proteger o investidor, vai requerer a mudança. Note-se que não houve qualquer espécie de transgressão à norma regulatória, porém a estruturação falhou em criar um produto aceitável para os padrões da CVM.

A Instrução CVM 555, por sua vez, revogou a Instrução CVM 409, procurando modernizar as regras aplicáveis a Fundos de Investimento, além de incorporar à regulamentação matérias já tratadas anteriormente pela CVM.

Com a nova Instrução CVM 555, a CVM tentou racionalizar o volume e a forma de divulgação de informações de fundos. Neste sentido, destacam-se algumas alterações relevantes relacionadas aos principais documentos de Fundos Fechados e Fundos de Investimento exclusivamente destinados a investidores qualificados e/ou profissionais:

  1. a) Termo de Adesão e Ciência de Risco: limitou-se a cinco mil caracteres e a conter informações adicionais, entre elas, por exemplo, os cinco principais fatores de risco do fundo e aviso informando que maiores detalhes sobre o fundo poderão ser obtidos no Formulário de Informações Complementares; e

  1. b) Formulário de Informações Complementares: trata-se de novo documento a ser disponibilizado pelo fundo. Dentre as informações a serem dispostas no Formulário de Informações Complementares, constarão, por exemplo, os fatores de risco inerentes à composição da carteira e a descrição da tributação aplicável ao fundo e a seus cotistas.

Além disso, a Instrução CVM 555 exige maior divulgação de informações a respeito dos prestadores de serviço do fundo, além de estabelecer novas disposições aplicáveis aos mesmos (tais como procedimentos para cobrança da taxa de performance no caso de benchmark negativo, proibição da zeragem (reset) da cota etc.).

Abaixo relacionam-se as principais alterações aplicáveis a fundos de investimento fechados e a fundos de investimento destinados a investidores qualificados e/ou profissionais, no que se refere aos prestadores de serviços contratados:

  1. a) Taxa de Custódia do Fundo: A taxa de custódia máxima do fundo passa a ser divulgada no regulamento, sendo a taxa de custódia também disponibilizada na Demonstração de Desempenho do Fundo, divulgação que a] a Instrução CVM 409 não exigia.

  1. b) A Instrução CVM 555 introduziu importantes alterações em relação à Taxa de Performance, conforme segue abaixo:

    – foi introduzido um novo método de cálculo da taxa de performance, o “método do ajuste”, passando agora a regulamentação a contemplar três métodos: “método do ativo”, “método do passivo” e “método do ajuste”. O “método do ajuste” consiste no cálculo da taxa de performance pelo método do ativo para todos os investimentos anteriores à última data de cobrança, sendo depois da referida data realizados ajustes individuais, a fim de promover a correta individualização da despesa entre os cotistas.

    – criou maior liberdade para o estabelecimento da taxa de performance em Fundos destinados a Investidores Profissionais ou Investidores Qualificados, desde que previsto no respectivo regulamento, no caso de: (a) fundos destinados a investidores qualificados, para os quais possível a dispensa de determinadas exigências dispostas nos §§1º, 2º e 5º do art. 86; e (b) fundos destinados a investidores profissionais, nos quais há grande liberdade no cálculo do estabelecimento da taxa de performance, sendo dispensada a observância dos arts. 86 e 87 da Instrução CVM 555.

    Rebate da Taxa de Administração: há a vedação expressa do recebimento, pelo administrador, gestor e consultor, de qualquer remuneração, benefício ou vantagem, direta ou indiretamente por partes relacionadas, que potencialmente prejudique a independência na tomada de decisão de investimento pelo fundo. Tal vedação não é aplicável no caso de fundos de investimento em cotas que invistam mais de 95% de seu patrimônio em um único fundo de investimento ou em caso de fundos de investimento exclusivamente destinados a investidores profissionais (desde que a totalidade dos cotistas assine termo de ciência específico).

Quanto aos investimentos no exterior a Instrução CVM 555 alterou os limites de concentração existentes na Instrução CVM 409 para o investimento em ativos no exterior, além de reforçar as regras de custódia de tais ativos. Os seguintes percentuais de concentração em ativos financeiros no exterior deverão ser observados por fundos destinados exclusivamente a investidores qualificados ou profissionais sob a vigência da Instrução CVM 555:

  1. a) Ilimitado, para:

(i) fundos classificados como “Renda Fixa – Dívida Externa”;

(ii) fundos exclusivamente destinados a investidores profissionais que incluam a denominação o sufixo “Investimento no Exterior”;

(iii) fundos exclusivamente destinados a investidores qualificados, desde que estabeleçam em seus respectivos regulamentos o mínimo de 67% do patrimônio líquido a ser investido em ativos financeiros no exterior, além dos demais requisitos dispostos no §1º do art. 101 da nova Instrução. 

  1. b) 40% do patrimônio líquido para fundos exclusivamente destinados a investidores qualificados, que não sejam fundos exclusivamente destinados a investidores qualificados, desde que estabeleçam em seus respectivos regulamentos o mínimo de 67% do patrimônio líquido a ser investido em ativos financeiros no exterior, além dos demais requisitos dispostos no §1º do art. 101 da nova Instrução.

Percebe-se um enrijecimento das normas aplicáveis ao investimento em ativos no exterior por fundos destinados exclusivamente a investidores qualificados, tendo em vista que anteriormente não existia limite de concentração em investimentos no exterior a fundos de investimento destinados a tais investidores, desde que exigido o investimento mínimo de R$1.000.000,00 e a adoção da expressão “Investimentos no Exterior” à sua denominação. A Instrução CVM 555 agora estabelece o limite de concentração geral de 40% do patrimônio líquido para fundos exclusivamente destinados a investidores qualificados, sendo o limite de concentração ilimitado apenas para os fundos que atendam aos requisitos do art. 101, §1º da nova Instrução.

A Instrução CVM 555, ainda, estabelece que fundos de investimento destinados a investidores qualificados, desde que previsto no regulamento, podem, dentre outras possibilidades dispostas na referida Instrução: (a) admitir a utilização de ativos financeiros na integralização e resgate de cotas, com o estabelecimento de critérios detalhados e precisos para adoção desses procedimentos; (b) dispensar, na distribuição de cotas de fundos fechados, a elaboração de prospecto e a publicação de anúncio de início e de encerramento de distribuição; (c) cobrar taxas de administração e de performance, conforme estabelecido em seu regulamento, sem prejuízo às dispensas dispostas no art. 88 da Instrução CVM 555; (d) estabelecer prazos para conversão de cota e para pagamento dos resgates diferentes daqueles previstos na Instrução CVM 555; e (e) prestar fiança, aval, aceite ou coobrigar-se de qualquer outra forma, em nome do fundo, relativamente a operações direta ou indiretamente relacionadas à carteira do fundo, sendo necessária a concordância de cotistas representando, no mínimo, dois terços das cotas emitidas pelo fundo.

Já para fundos destinados exclusivamente a investidores profissionais destacam-se as seguintes possibilidades dispostas na Instrução CVM 555: (a) utilização das dispensas dispostas no item 7 acima, aplicáveis a fundos destinados exclusivamente a investidores qualificados; (b) não observância das limitações de modalidades de ativo financeiro e os limites de concentração por emissor estabelecidas nos arts. 102 e 103 da referida Instrução; (c) aplicação de forma ilimitada no exterior, caso o fundo inclua em sua denominação o sufixo “Investimentos no Exterior”; (d) não observância de determinadas obrigações do administrador, relativas ao fornecimento de informações aos cotistas (constantes dos incisos I a V do art. 56 da Instrução CVM 555); e (e) aplicação dos seus recursos em qualquer fundo registrado na CVM.

Pertinente esclarecer que para fundos de investimento destinados a investidores qualificados, são permitidas a permanência e a realização de aplicações adicionais por cotistas que deixem de se enquadrar na categoria de investidor qualificado, desde que tais cotistas tenham ingressado no fundo até a data de início de vigência da Instrução CVM 555 e em concordância com os critérios de admissão e permanência vigentes à época.

Fundos de investimento exclusivos e fundos de investimento destinados exclusivamente a investidores qualificados que exijam aplicação mínima de R$1.000.000,00 podem adaptar-se às regras aplicáveis à categoria de investidor profissional, sendo permitidas a permanência e a realização de aplicações adicionais por cotistas que tenham ingressado no fundo até a data de início de vigência da Instrução CVM 555 e em concordância com os critérios de admissão e permanência anteriormente vigentes.

Thiago Fonseca
Thiago Fonseca
Advogado graduado pela PUC/RS, especialista em Direito Público pela ESMAFE/RS e em Direito Tributário pelo IBET (Instituto Brasileiro de Estudos Tributários), MBA em Gestão Financeira pela FGV (Fundação Getúlio Vargas). Especialista em mercado financeiro, especialmente Venture Capital e Private Equity, sendo responsável pela estruturação das operações da AUSTRO CAPITAL, e consultor de empresas que buscam receber investimentos de capital empreendedor.

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