As relações existentes entre os participantes e os promotores e organizações de eventos diversos, como shows e outros entretenimentos, são consideradas de consumo, nos termos dos artigos 02º e 03º ambos do CDC – Código de Defesa do Consumidor. Ademais, o lazer se trata de direito social garantido pela Constituição Federal. (Art. 6º – CF/1988).
A realização de um evento pressupõe o preenchimento dos requisitos de segurança, transparência e clareza nas informações prestadas aos consumidores quanto à data, horário, local, idade mínima permitida, o que eventualmente não pode ser consumido no local, dentre outros, além do dever de disponibilização do quanto necessário acerca do acesso aos interessados.
Nesse tocante, as vendas de ingressos podem ocorrer em bilheterias ou estabelecimentos previamente determinados e divulgados pelos organizadores, no entanto, a venda online é a que possui maior procura e expressividade em razão da comodidade, dificuldade de deslocamento dos consumidores, além de suprir as filas enormes que nem sempre garantem a efetiva compra, principalmente em grandes eventos em que os ingressos costumam se esgotar rapidamente.
Diante disso, os organizadores e produtores visando o aumento de lucros optam por terceirizar a gestão da venda online para empresas especializadas, geralmente renomadas e de grande porte, as quais disponibilizam canais eletrônicos indicados pelos próprios organizadores.
O certo é que, na referida venda online ocorre a cobrança da denominada taxa de conveniência, ora embutida automaticamente no valor final da compra de ingressos, sem que o consumidor possa optar pelo não pagamento, com percentuais variáveis de até 20% (vinte por cento) o que gera um acréscimo considerável na compra e que não é cobrado na bilheteria.
As empresas, por sua vez, defendem as cobranças alegando dentre outras acerca da comodidade do adquirente e da constante necessidade de aprimoramento da tecnologia.
No entanto, a efetiva comodidade com as vendas online é da empresa promotora de eventos, que lucra muito mais e ainda repassa ao consumidor o encargo de arcar com o serviço.
Logo, a ilegalidade da cobrança de taxa de conveniência já tem sido objeto de repulsa e de reclamação pelos consumidores aos respectivos órgãos de defesa e até mesmo judicialmente, vez que se sentem lesados diante da abusividade, por se tratar de venda casada indevidamente imposta, já que o consumidor pretende adquirir somente o ingresso não tendo que pagar nenhum adicional, com amparo à vedação expressa no artigo 39, inciso I do CDC, que ora dispõe que: “É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusiva (…) I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos”.
Assim, a cobrança de taxa de conveniência decorre da vinculação de outro serviço imposto pela terceirizada para condicionar a venda de ingressos, o que é vedado e que não pode ser repassado ao consumidor.
Visando combater tal prática, a matéria em enfoque acerca da ilegalidade tem sido submetida ao crivo do E.STJ e está obtendo o devido destaque nas mídias, tanto que os Ministros se pronunciaram recentemente pela ilegalidade e abusividade da cobrança da taxa de conveniência em face de grande empresa especializada, sendo que no RECURSO ESPECIAL Nº 1.737.428 – RS (2017/0163474-2).
Em tese, o voto da relatora ministra Nancy Andrighi prevaleceu de modo a coibir a transferência aos consumidores do efetivo risco do empreendimento, sob o entendimento que “os serviços remunerados pela taxa de conveniência deixam de ser arcados pelos próprios fornecedores.”
E ainda aduziu que “a venda do ingresso para um determinado espetáculo cultural é parte típica e essencial do negócio, risco da própria atividade empresarial que visa o lucro e integrante do investimento do fornecedor, compondo, portanto, o custo básico embutido no preço.”, além de ressaltar acerca da violação da boa-fé objetiva, coibição à venda casada e cerceamento à liberdade dos consumidores, combatendo-se as práticas desleais e abusivas, e ausência de equivalência e de acordo entre as partes, a empresa faça o ressarcimento aos consumidores que pagaram a taxa a partir de 2008, que ora corresponde ao período de 05 (cinco) anos que antecederam o ajuizamento da referida ação em meados de 2013.
Ademais, também merece destaque o posterior Julgado de outro recurso advindo de agravo em recurso especial Nº 1.215.160 – SP (2017/0310524-3) de 27/03/2019, pelo qual a Segunda Turma do STJ manteve o entendimento do E. Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP, que ora havia condenado outra empresa de renome em entretenimento pela prática discriminatória de vendas antecipadas apenas de ingressos decorrentes de compras com cartões de crédito específicos, além da cobrança de taxa de conveniência.
Entretanto, as recentes decisões acerca da ilegalidade da cobrança ainda se encontram em prazo recursal, de modo que não possuem aplicabilidade imediata e se aplicam apenas às empresas que já são partes nos referidos processos.
Em contrapartida, a Fundação Procon de São Paulo está notificando diversas empresas do setor com recomendações de suspensão de imediato da cobrança da taxa de conveniência e da efetiva devolução, de modo que medidas estão sendo adotadas visando coibir as práticas ilegais.
Autora
Vanessa Laruccia, especialista em relações de consumo do Massicano Advogados.