O Superior Tribunal de Justiça concluiu que, a despeito de situações fáticas variadas no tocante ao descumprimento do dever de segurança e vigilância contínua das vias férreas, a responsabilização da concessionária é uma constante, passível de ser elidida tão somente quando cabalmente comprovada a culpa exclusiva da vítima. (Tese julgada sob o rito do art. 543-C do CPC/73 – Tema 517) Jurisprudência em Teses – Edição nº 61
No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu que no caso de atropelamento de pedestre em via férrea, configura-se a concorrência de causas, impondo a redução da indenização por dano moral pela metade, quando: (i) a concessionária do transporte ferroviário descumpre o dever de cercar e fiscalizar os limites da linha férrea, mormente em locais urbanos e populosos, adotando conduta negligente no tocante às necessárias práticas de cuidado e vigilância tendentes a evitar a ocorrência de sinistros; e (ii) a vítima adota conduta imprudente, atravessando a via férrea em local inapropriado. (Tese julgada sob o rito do art. 543-C do CPC/73 – Tema 518) Jurisprudência em Teses – Edição nº 61
Essas conclusões se esboçam nos seguintes julgados:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. ACIDENTE ENVOLVENDO COMPOSIÇÃO FÉRREA. RESPONSABILIDADE CIVIL DA CONCESSIONÁRIA. TRAVESSIA DA VIA FÉRREA PELA VÍTIMA, ORA RECORRIDA. UTILIZAÇÃO DE PASSAGEM CLANDESTINA. CARACTERIZAÇÃO DA CULPA CONCORRENTE. RESPS REPETITIVOS N. 1.172.421/SP E N. 1.210.064/SP. DEVOLUÇÃO DOS AUTOS À ORIGEM PARA PROSSEGUIR NO JULGAMENTO DA APELAÇÃO, QUANTO AOS PEDIDOS FORMULADOS NA PETIÇÃO INICIAL. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 7/STJ. REVALORAÇÃO JURÍDICA DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DELINEADO NO ACÓRDÃO RECORRIDO. FATOS ALEGADOS PELA AGRAVANTE QUE NÃO CONSTAM DO ARESTO HOSTILIZADO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA INSURGENTE. PRECLUSÃO TEMPORAL. AGRAVO DESPROVIDO. 1. A Segunda Seção desta Corte Superior, ao julgar o REsp repetitivo n. 1.172.421/SP, sob relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, DJe de 19/9/2012, em relação à responsabilidade civil da concessionária de serviço público por acidente envolvendo composição férrea, firmou a seguinte tese: […] no caso de atropelamento de pedestre em via férrea, configura-se a concorrência de causas, impondo a redução da indenização por dano moral pela metade, quando: (i) a concessionária do transporte ferroviário descumpre o dever de cercar e fiscalizar os limites da linha férrea, mormente em locais urbanos e populosos, adotando conduta negligente no tocante às necessárias práticas de cuidado e vigilância tendentes a evitar a ocorrência de sinistros; e (ii) a vítima adota conduta imprudente, atravessando a via férrea em local inapropriado. 2. Outrossim, através da mesma sistemática, nos autos do REsp 1.210.064/SP, a Segunda Seção do STJ orientou que a responsabilidade da concessionária só pode ser afastada na hipótese em que cabalmente demonstrada a culpa exclusiva da vítima, pontuando as situações que não são suficientes a derruir o dever de indenizar, entre elas, “a existência de cercas ao longo da via, mas caracterizadas pela sua vulnerabilidade, insuscetíveis de impedir a abertura de passagens clandestinas, ainda quando existente passarela nas imediações do local do sinistro”. 3. Na hipótese, valorando adequadamente o conjunto fático-probatório delineado no acórdão recorrido, verifica-se o dever de indenizar da concessionária, em decorrência da culpa concorrente da vítima, não sendo o caso de incidência da Súmula 7/STJ. 4. Quanto à alegação da agravante, deduzida no sentido de que a vítima, no momento do acidente, estava embriagada e deitada sobre os trilhos, não há como acolher tal afirmativa sem que se proceda ao reexame do conjunto de fatos e provas dos autos, haja vista que tais fatos não constam do acórdão recorrido, o que atrai a incidência da Súmula 7/STJ. 5. Por fim, a alegada ilegitimidade passiva da agravante está acobertada pela preclusão temporal, uma vez que não refutada no momento processual oportuno. 6. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp 1322164/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 30/09/2019, DJe 03/10/2019)
AGRAVO INTERNO. RECLAMAÇÃO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. RESPONSABILIDADE DA PRESTADORA DE SERVIÇO FERROVIÁRIO. CULPA CONCORRENTE. NÃO INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7 DO STJ. 1. A Segunda Seção, em sede de recurso representativo da controvérsia, reconheceu que a culpa da prestadora do serviço de transporte ferroviário acarretando o dever de indenizar se configura, no caso de atropelamento de transeunte na via férrea, quando existente omissão ou negligência do dever de vedação física das faixas de domínio da ferrovia com muros e cercas bem como da sinalização e da fiscalização dessas medidas garantidoras da segurança na circulação da população. Ainda, sedimentou que, a despeito de situações fáticas variadas no tocante ao descumprimento do dever de segurança e vigilância contínua das vias férreas, a responsabilização da concessionária é uma constante, passível de ser elidida tão somente quando cabalmente comprovada a culpa exclusiva da vítima. (REsp 1.210.064/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 08/08/2012, DJe 31/08/2012). 2. No caso, desnecessário o revolvimento fático-probatório, tendo em vista a existência de fundamentação contundente no acórdão proferido na apelação, no sentido do reconhecimento da culpa concorrente, uma vez que “ficou comprovado por fotos, vídeo e testemunhas, que os trilhos correm ao lado da rua, com acesso livre, sem cercas ou sinalização. Portanto, descurou a apelada de zelar pela segurança das pessoas que transitam no local, através da fiscalização da existência de medidas de segurança na circulação das pessoas da comunidade local”. 3. Agravo interno não provido. (AgInt na Rcl 34.988/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 17/09/2019, DJe 20/09/2019)
Segundo o § 6º, art. 37, da Constituição Federal, as pessoas jurídicas de direito público, e as de direito privado prestadoras de serviços públicos, responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, independentemente da verificação de culpa. Fica assegurado, no entanto, o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.[1]
Excludentes do dever de indenizar
As excludentes do dever de indenizar são as seguintes: i) excludentes de ilicitude (legítima defesa; estado de necessidade; remoção do perigo iminente; exercício regular de direito ou das próprias funções); ii) excludentes do nexo de causalidade; e iii) cláusula de não indenizar.
Excludentes de ilicitude
Basicamente, as causas que excluem a ilicitude da conduta do agente estão elencadas no artigo 188 do Código Civil.
De acordo com essa norma, não constituem atos ilícitos: i) os atos praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido; ii) a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente. Nesse caso, o ato só será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.
O indicado artigo estabelece hipóteses de danos provocados por atos lícitos. Esses atos lícitos são os atos praticados em legítima defesa, no exercício regular de um direito reconhecido, ou ainda para remover perigo iminente. Na hipótese de remoção de perigo iminente o ato deve ser absolutamente necessário, além de praticado sem excesso.[2]
As definições de estado de necessidade e legítima defesa podem ser encontradas nos artigos 24 e 25 do Código Penal.
De acordo com o art. 24 do Código Penal, considera-se em estado de necessidade quem pratica conduta para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.
A despeito dessa regra, não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo. Entretanto, embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços, nos termos do § 2º, do mencionado art. 24.
Já o art. 25 do Código Penal considera em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.
Com relação ao exercício regular do direito, o enunciado 553 das jornadas de direito Civil do CJF prevê que nas ações de responsabilidade civil por cadastramento indevido nos registros de devedores inadimplentes, realizados por instituições financeiras, a responsabilidade civil é objetiva.
De acordo com o art. 929, do Código Civil, se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188 (deterioração ou destruição de coisa alheia, ou lesão a pessoa), não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram.
Por fim, o art. 930 do Código Civil esclarece que, no caso do inciso II do art. 188 (deterioração ou destruição de coisa alheia, ou lesão a pessoa), se o perigo ocorrer por culpa de terceiro, contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado. Em complemento, o parágrafo único prevê que a mesma ação competirá contra aquele em defesa de quem se causou o dano (art. 188, inciso I)
Excludentes do nexo de causalidade
Existem outras causas que excluem a responsabilidade, mesmo que o dano decorra de um ato ilícito.
São situações em que há a eliminação do nexo causal entre o dano e a ação ou omissão do agente, como é o caso da força maior, do caso fortuito e da culpa exclusiva da vítima, como previsto no artigo 393 do Código Civil.
Convém lembrar que o nexo causal é um dos elementos da responsabilidade civil, que liga a conduta ao dano. O nexo causal é acentuado pela culpa, nas hipóteses de responsabilidade subjetiva, ou pela previsão legal de responsabilização sem culpa (em virtude de conduta ou de risco), na responsabilidade objetiva.
São quatro as excludentes do nexo de causalidade: i) culpa ou fato exclusivo da vítima; ii) culpa ou fato exclusivo de terceiro; iii) caso fortuito, ou ocorrência de evento totalmente imprevisível; c) força maior, ou ocorrência de um evento previsível, porém inevitável.
Sobre o caso fortuito e a força maior, merecem destaque os conteúdos dos artigos 393 e 399 do Código Civil.
Segundo o art. 393 o Código Civil, o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. O parágrafo único, por outro lado, prevê que o caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujo efeito não era possível evitar ou impedir.
Já o art. 399 do Código Civil indica que o devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, embora essa impossibilidade resulte de caso fortuito ou de força maior, se estes ocorrerem durante o atraso. Essa regra não se aplica se houver prova de isenção de culpa, ou de que o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada.
Cláusula de não indenizar
A clausula de não indenizar também é uma excludente do dever de indenizar.
Considerando a natureza pública da responsabilidade extracontratual, e sua consequente indisponibilidade, a cláusula de não indenizar só será admitida, em tese, para os casos de responsabilidade contratual.
Além disso, conforme previsão dos artigos 25 e 51, I, do CDC, nos contratos de consumo é nula a clausula que exclua o dever de indenizar.
O artigo 424 do Código Civil também prevê que nos contratos de adesão serão nulas cláusulas que excluam o dever de indenizar.
No mesmo sentido, nos contratos de transporte, conforme previsto no artigo 734 do Código Civil, e no enunciado 161 da Súmula da Jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, considerar-se-á nula a clausula que preveja a exclusão do dever de indenizar.
Essas previsões justificam-se, inclusive, pelo princípio da função social do contrato, concretizado na norma do artigo 421 do Código Civil.
Referências
Para aprofundamento dos estudos sobre a responsabilidade civil do Estado confira os seguintes volumes:
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[1] “Por tudo, a responsabilidade civil do Estado, prevista no art. 37, § 6°, da Constituição Federal, tanto pode ser apurada em razão do risco da atividade pública como em decorrência da culpa verificada no desempenho dessa atividade, por seus agentes. No primeiro caso, descabe a denunciação porque o agente responde apenas nas hipóteses de culpa, inexistindo regresso; no segundo caso, cabe o exercício do direito de regresso porque prevista em lei. Na verdade, tal qual o direito comum, a teoria do risco administrativo, que é aquela decorrente da atividade extracontratual do Estado por atos de gestão, rende ensejo à responsabilidade, independentemente da averiguação de culpa, porque de risco exclusivamente se trata, quando o ato lícito praticado pela Administração Pública tenha efeitos danosos sobre o indivíduo, de caráter genérico e anormal, sendo inexigível da parte o sacrifício a ela imposto, em benefício da coletividade.” QUARTERI, Rita, CIANCI, Mirna. Procurador do Estado. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Processo Civil. Cassio Scarpinella Bueno, Olavo de Oliveira Neto (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/198/edicao-1/procurador-do-estado
[2] De acordo com o art. 186, do Código Civil, quem, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, pratica um ato ilícito. O artigo 187, do Código Civil, ao tratar do abuso de direito, indica, de forma complementar, que também cometerá um ato ilícito o titular de direitos que, ao exercê-los, exceda de forma manifesta os limites estabelecidos pelo seu fim econômico, seu fim social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Já o art. 188, do Código Civil, ressalva que não constituem atos ilícitos: i) os praticados em legítima defesa; ii) os praticados no exercício regular de um direito reconhecido; iii) a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente. Neste caso, o ato só será legítimo se as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.