Suspensão do aluguel para bares e restaurantes durante a fase vermelha: o que diz a lei?

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Restaurante
Créditos: Andrey Burmakin / Shutterstock.com

Este artigo visa esclarecer uma questão bastante comentada no momento: é possível, judicialmente, o dono de bar e restaurante pedir suspensão do valor do aluguel se o estabelecimento for obrigado a fechar portas por uma determinação do governo, como propões a fase vermelha do Plano São Paulo?

Conforme o decreto, na fase vermelha de combate ao contágio por Covid-19, nos finais de semana as atividades essenciais, como supermercados e farmácias, poderão funcionar normalmente, já os bares, restaurantes, padarias e similares poderão trabalhar apenas com sistema delivery, drive-thru e take away (retirada), enquanto as demais atividades devem ficar fechadas. Tal medida tem como prazo 30 e 31 de janeiro e 6 e 7 de fevereiro, podendo sofrer prorrogações, já no tocante aos dias úteis, as atividades citadas terão de se encerrar as 20h, exceto as essenciais, válido em todas as regiões do Estado de São Paulo.

A iniciativa gerou diversos protestos de donos de estabelecimentos do ramo de alimentação e bebidas, como bares e restaurantes. Diversos deles alegam que a maior parte do faturamento dessas empresas são justamente em horários em que a determinação manda fechar as portas, como à noite e aos fins de semana.

Vale ressaltar que, atualmente, o Sindicato dos Lojistas do Comércio de São Paulo impetrou Mandado de Segurança Coletivo contra as medidas restritivas impostas pelo Governo do Estado de São Paulo. No entanto, teve seu pedido liminar negado pelo desembargador relator Xavier de Aquino, no processo nº 2013495-48.2021.8.26.0000.


“Vistos.

1.Processe-se, sem a concessão de liminar ante a ausência dos requisitos que a ensejam.

2.Trata-se de Mandado de Segurança coletivo impetrado pelo Sindicato dos Lojistas do Comércio de São Paulo em face das medidas restritivas impostas pelo Governo do Estado de São Paulo através da edição do Decreto Estadual65.487, de 22 de janeiro de 2021.

3. Em que pese os argumentos do Sindicato impetrante, observa-se que não obstante a preocupação com o engessamento da economia do país e a possibilidade de crescimento do desemprego, esta não pode ser maior do que a preocupação com a vida, cabendo ao Estado e aos Municípios, por força do que dispõem o artigo 6º e 196 da Constituição da República, lançar mão de medidas que visem à redução do risco de doenças e agravos, priorizando a saúde como direito social e garantia fundamental.

4. Não é demais acrescentar que estamos em guerra contra o COVID-19 e que os períodos de isolamento social foram estendidos diante da triplicação diária do número de mortos nesta segunda onda da pandemia, atingindo litoral e interior paulista, consoante descrevem os números postos à informação de todos os cidadãos pelo Governo do Estado1 e pela mídia falada e escrita; portal razão, as medidas extremas, por ora, se afiguram necessárias,

5. Quadra relevar que as restrições impostas nesta nova fase da pandemia pelo DE 65.487, de 22 de janeiro de 2021, são amparadas em estudos técnicos e tem prazo certo de duração, não se podendo acolher a tese de que, operando os associados do impetrante em seu ramo de atividade até as 20horas de cada dia da semana, com fechamento aos finais de semana, mas coma possibilidade de entregas pelo sistema delivery ou vendas on-line sofram prejuízo maior que a perda de inúmeras vidas, como se tem verificado no Estado de São Paulo e no país, como um todo.

6. Ausente, pois, a fumaça do bom direito não se há conceder a liminar, sabido é que os requisitos para tanto são cumulativos, consoante já se deixou assente na oportunidade do julgamento do MS 33697 MC/DF, verbis:“ É importante rememorar, neste ponto, que o deferimento da medida liminar, resultante do concreto exercício do poder cautelar geral outorgado aos juízes e Tribunais, somente se justifica em face de situações que se ajustem aos pressupostos referidos no art. 7º, III, da Lei nº 12.016/2009: a existência de plausibilidade jurídica (“fumus boni juris”), de um lado, e a possibilidade de lesão irreparável ou de difícil reparação (“periculum in mora”), de outro. Sem que concorram esses requisitos que são necessários, essenciais e cumulativos, não se legitima a concessão da medida liminar, consoante enfatiza a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: “Mandado de segurança. Liminar. Embora esta medida tenha caráter cautelar, os motivos para a sua concessão estão especificados no art. 7º, II da Lei nº 1.533/51, a saber: a) relevância do fundamento da impetração; b) impugnado possa resultar a ineficácia da medida, caso seja deferida a segurança. Não concorrendo estes dois requisitos, deve ser denegada a liminar.” (RTJ112/140, Rel. Min. ALFREDO BUZAID)”.”

No ramo imobiliário, principalmente nas locações comerciais, as tratativas extrajudiais para negociação, em que há um acordo entre as partes, aparenta ser a alternativa mais viável e célere em tempos de covid-19.  Tanto os locatários quanto os locadores devem ter em mente que, neste momento de incerteza, pode ser uma forma de beneficiar ambas as partes e reduzir os prejuízos.

Prevê o artigo 18 da Lei do Inquilinato que “é lícito às partes fixar, de comum acordo, novo valor para o aluguel, bem como inserir ou modificar cláusula de reajuste”.

Já na necessidade de ação judicial, as ações devem seguir a inteligência dos fundamentos jurídicos para renegociação de aluguel, visto que não há regulamentação no caso específico da pandemia.

Entende-se que os bares e restaurantes, com a fase vermelha determinada pelo Governo, tiveram e tem prejuízos inestimáveis com a queda de seus faturamentos, dessa forma, existem discussões as quais abrem a possibilidade de pedir a suspensão ou redução dos aluguéis, dentro dos fundamentos e princípios ensejadores das ações revisionais de alugueis, das quais foram muito discutidas desde o início da pandemia, tanto no âmbito judicial quanto extrajudicial, com decisões favoráveis que podem ser utilizadas como jurisprudências – como, por exemplo, a redução na ação nº 2093903-60.2020.8.26.0000, visto que no atual senário de retomada da fase vermelha, ainda não possuem decisões.

Diante o exposto, entende-se que os bares e restaurantes, com a fase vermelha determinada pelo Governo, tiveram prejuízos inestimáveis com a queda de seus faturamentos, desta forma, existem discussões as quais abrem a possibilidade de pedir a suspensão ou redução dos aluguéis, dentro dos fundamentos e princípios ensejadores das Ações Revisionais de alugueis, das quais foram muito discutidas desde o início da pandemia, tanto no âmbito judicial, como extrajudicial, com decisões favoráveis que podem ser utilizadas como jurisprudências – como, por exemplo, a redução na ação nº 2093903-60.2020.8.26.0000, visto que no atual senário de ida e vindas para a fase vermelha, ainda não possuem decisões, podendo ser utilizando, como analogia, a inteligência das decisões sobre o tema, conforme segue:

“É o relatório.

Conforme já exposto na r. decisão que concedeu a antecipação de tutela recursal, a fim de ser deferido o pedido, há necessidade de se aferir a necessidade da urgência (art. 301 do CPC). Em primeiro lugar, cumpre observar que a concessão da tutela antecipada demanda a presença de requisitos legais, pois ela adianta os efeitos da tutela de mérito, propiciando imediata execução.

Deve existir prova inequívoca e o juiz se convencer da verossimilhança da alegação, e ainda existir receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou ficar caracterizado o abuso de direito de defesa ou manifesto intuito protelatório da parte ré.

Também não se pode conceder a tutela antecipada quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado. Prevê o novo CPC, a tutela de urgência no artigo 300:“A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco do resultado útil do processo.”.

O autor interpôs ação revisional de aluguel cumulada com consignação em pagamento e pedido de tutela de urgência. Aduziu, em suma, que ante o decreto de quarentena no Estado de São Paulo, teve uma redução de 79% no faturamento (…).

Assim, requereu que o valor do aluguel fosse reduzido para R$ 1.408,26, pelo período de seis meses, ou até que as partes chegassem a um acordo. Requereu ainda que fosse autorizada a consignação do valor em Juízo, uma vez que teria recebido uma notificação onde fora informado de que o imóvel teria sido revendido para a corré MTC REALTY PARTICIPAÇÕES S/A. Observou que não fora respeitado o seu direito de preferência. Ainda, aduziu que recebeu outra correspondência, agora da corré REC CHARLIE EMPREENDIMENTOIMOBILIÁRIOS LTDA, para que ele desocupasse o imóvel. Alegou, que ante as correspondências recebidas, havia dúvidas a respeito de quem seria o atual locador.

É fato que o Decreto nª 64.881, de 22 de março de 2020, ao estabelecera quarentena no Estado de São Paulo, com o objetivo de restringir a circulação de pessoas, a fim de controlar o contágio pelo COVID19, afetou o funcionamento de vários estabelecimentos comerciais. (…).

Contudo, ante a restrição de circulação imposta, bem como o medo de contaminação é compreensível que o faturamento mensal da clínica tenha sido afetado. Analisando o documento juntado a fls. 63 Declaração de Faturamento é possível verificar que somando o faturamento dos meses de janeiro e fevereiro de 2020, temos o total de R$ 137.745,50, cuja média é de R$ 68.872,75. Comparando com o faturamento do mês de abril de 2020, quando em pleno vigor a quarentena, cujo montante foi de R$ 24.527,00, verificamos que houve uma redução de 64,39%. Logo, é razoável que haja uma redução, provisória, no valor da locação, inclusive para preservar o equilíbrio do contrato.

O Código Civil prevê que para os casos de desequilíbrio poderá o Juiz corrigi-lo. Transcrevo: Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação. Contudo, cabe um ajuste à antecipação de tutela concedida quando da distribuição deste recurso. Isso porque, este recurso foi distribuído em 12 de maio de 2020, naquela época, as medidas restritivas eram mais severas.

Atualmente, principalmente na Cidade de São Paulo, as atividades comerciais, inclusive as não essenciais, estão sendo liberadas para funcionamento, e, em consequência, aquele cenário do início da vigência da quarentena tem sido alterado. Entendo, que ainda é o caso de manter a redução do valor da locação, posto que a economia ainda está muito abalada, contudo, não no patamar estabelecido anteriormente (redução de 64,39% do valor da locação).

Note-se, como já mencionado acima, que o objetivo é alcançar o equilíbrio do pacto. Assim, entendo que é o caso de conceder a antecipação, para reduzir o valor da locação (R$ 7.000,00) em 40%, no período em que perdurar o período o decreto de quarentena.

Esse novo percentual de redução passa a vigorar a partir da publicação desta r. decisão, sendo que para o período anterior, permanece vigente o valor fixado liminarmente R$ 2.492,00 (…) .Conclusivamente, DOU PROVIMENTO PARCIAL ao recurso, para reduzir o valor da locação (R$ 7.000,00) em 40% no período em que perdurar o período o decreto de quarentena. Esse novo percentual de redução passa a vigorar a partir da publicação desta r. decisão, sendo que para o período anterior, permanece vigente o valor fixado liminarmente R$ 2.492,00. Os valores da locação, depositados em Juízo, deverão ficar à disposição do atual proprietário e locador do imóvel.”

Sobre o mesmo tema, temos a decisão do agravo de instrumento proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, pela 27ª Câmara de Direito Privado, nos autos 2065998-80.2020.8.26.0000:

“Vistos.

Cuida-se de agravo de instrumento interposto por THEREZE MONTEIRO DA COSTA, MICHELLE BORDA MONTEIRO DACOSTA, CHRISTIANE BORDA MONTEIRO DA COSTA, GIOVANNIMONTEIRO RISI e MARIANNE MONTEIRO DA COSTA VALE DEOLIVEIRA, tirado contra a r. decisão copiada às fls. 21/24, proferida nos autos da “tutela cautelar antecedente” de nº 1026645-41.2020.8.26.0100, que deferiu a tutela de urgência, para reduzir os aluguéis devidos pela agravada para 30% do valor originalmente contratado. Sustentam os agravantes, em suma, que a renda auferida com a locação do imóvel é revertida para suas subsistências, de modo que a redução dos aluguéis para 30% do pactuado lhes trarão enormes prejuízos.

1.Conquanto nosso ordenamento jurídico adote o princípio da força obrigatória dos contratos (pacta sunt servanda), a atual situação econômica, instaurada pela pandemia do Covid-19, justifica a intervenção judicial nas relações contratuais, sobretudo para garantir o equilíbrio contratual, a boa-fé e função social, princípios limitadores da autonomia privada. Entretanto, considerando-se que os agravantes comprovaram que os aluguéis percebidos constituem sua única fonte de renda (fls.57, 68, 79, 90 e 100), o desconto de 70% do valor locativo, por prazo indeterminado, poderá acarretar prejuízos às suas subsistências. Nesse contexto, à luz do disposto no art. 317 e art.421, parágrafo único, do Código Civil1, DEFIRO PARCIAL EFEITO ATIVO, para fixar o desconto em 50% (cinquenta por cento) do valor locatício, a contar do presente mês, pelo prazo de 60 (sessenta) dias, ressalvada a possibilidade de modificação posterior, suspendendo-se o pagamento do montante remanescente até ulterior julgamento pelo colegiado. (…)”

Para propositura das ações judiciais, os fundamentos devem basear na teoria da onerosidade excessiva e da imprevisão, presentes no artigo 317 do Código Civil Brasileiro. Portanto, existe a possibilidade de readequação do preço, seja aluguel ou qualquer outra prestação, ao momento real por alteração no poder aquisitivo, podendo o juiz corrigir esse desequilíbrio, conforme considerar razoável e proporcional para as partes.

“Quando por motivos imprevisíveis sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação”, diz o artigo. Ou seja, nas obrigações, existe a possibilidade de readequação do preço, seja aluguel ou qualquer outra prestação, ao momento real por alteração no poder aquisitivo, no presente caso, com a decretação da fase vermelha da quarentena, podendo o Juiz corrigir esse desequilíbrio, conforme considerar razoável e proporcional para as partes.

A revisão contratual também encontra respaldo nos artigos 478, 479 e 480 do Código Civil, que tutelam os fundamentos dos “acontecimentos extraordinários e imprevisíveis”, os quais enquadram-se neste momento de pandemia e com a decretação da fase vermelha.

Os seguintes artigos dizem:

“Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação”.

“Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato”.

“Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.”

Além dos artigos mencionados, a possibilidade de revisão contratual pode e deve ser cumulada com os princípios da boa-fé e função social do contrato, os quais implicam diretamente na revisão dos valores. Esses fundamentos e princípios, nesse momento de pandemia e desequilíbrio econômico com baixo faturamento do comércio, devem ser utilizados em conjunto com a demonstração de que o aluguel se tornou excessivamente oneroso, podendo ser comprovado com a demonstração de queda de faturamento, ou redução da remuneração mensal para instrução processual e obtenção de êxito na demanda.

Assim, com o fechamento de bares e restaurantes devido à fase vermelha, os proprietários destes estabelecimentos podem pedir não só suspensão do aluguel, como também a redução, desfazimento do contrato sem aplicação de multa e suspensão de reajustes, utilizando-se como base os fundamentos acima citados.

Rodrigo Gustavo Ângelo
Rodrigo Gustavo Ângelo
Advogado atuante na área de Direito do Trabalho, Civil e Familiar. É associado do escritório BMDP Advogados Associados.

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