A legitimação de espólio do devedor para a recuperação judicial a que se refere o art. 48, § 1º, da Lei 11.101/2005 recebe pouca atenção doutrinária por serem muitíssimo mais comuns os casos de recuperação judicial de empresas organizadas sob a forma de pessoas jurídicas, como sociedades limitadas e sociedades anônimas.
No entanto, em se tratando de atividade de produção rural, é muitíssimo frequente que a atividade seja organizada por pessoas naturais, mesmo nos casos em que há produção em larguíssima escala, com valores expressivos envolvidos.
Para estes casos, ganha relevância a hipótese de legitimação de espólio para a recuperação judicial. Assim, o espólio de produtor rural legitima-se a postular recuperação judicial, conforme prevê o art. 48, § 1º, da Lei 11.101/2005, no qual se lê que: “A recuperação judicial também poderá ser requerida pelo cônjuge sobrevivente, herdeiros do devedor, inventariante ou sócio remanescente.” Conquanto referido dispositivo preveja um rol de legitimados a postular a recuperação judicial do devedor falecido, em caso de abertura de inventário e nomeação do inventariante, competirá a este representar o espólio em juízo, nos termos do art. 618, I, do Código de Processo Civil.
Ademais, a norma do art. 48, § 1º, da Lei 11.101/2005 também se aplica aos casos em que o produtor rural pessoa física falece no curso de sua recuperação judicial e o espólio se legitima a prosseguir no feito.
Na jurisprudência, encontram-se relevantes arestos reconhecendo a legitimidade de espólio do devedor produtor rural para a recuperação judicial.
Assim, já decidiu o TJSP, em precursor aresto da segura relatoria do Des. Araldo Telles, com a votação unânime dos respeitadíssimos Des. Ricardo Negrão e Des. Carlos Alberto Garbi, que: “Recuperação Judicial. Empresário Rural. Cabimento, desde que comprovado o desenvolvimento da atividade por mais de dois anos, inscrevendo-se perante o Registro Mercantil em data anterior ao pedido, legitimado o espólio, representado pela inventariante. Inteligência do art. 48, §§ 1º e 2º, da Lei 11.101/05.” (TJSP, AI 2048349-10.2017.8.26.0000, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, j. em 30.10.2017, v.u., rel. Des. Araldo Telles).
Em acórdão posterior, cujo voto condutor da precisa lavra do relator Des. Ricardo Negrão foi acompanhado à unanimidade de votos dos criteriosos Des. Sérgio Shimura e Des. Maurício Pessoa, decidiu a Corte Paulista que: “Recuperação Judicial. Insurgência contra a r. decisão que indeferiu o pedido de extinção do feito em relação à produtora rural Vera Lucia Jayme Moreno, em razão de seu falecimento Determinação de prosseguimento do feito com a inclusão do Espólio, já representado nos autos pela inventariante Infundada pretensão de reforma formulada pela credora Inteligência do disposto no art. 48, § 1º da Lei n. 11.101/2005” (TJSP, AI 2264791-62.2020.8.26.0000, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, j. em 16.07.2021, v.u., rel. Des. Ricardo Negrão).
Portanto, o espólio do produtor rural, representado pelo inventariante, legitima-se a requerer recuperação judicial ou a continuar na recuperação judicial do devedor falecido, com fundamento no art. 48, § 1º, da Lei 11.101/2005 e amparo em sólida jurisprudência.
Referência para citação: CAVALLI, Cássio. A legitimação do espólio de produtor rural para a recuperação judicial. Agenda Recuperacional. São Paulo. v. 1, n. 19, p. 1-2, ago./2023.
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