Não raras às vezes o estudante de direito é seduzido na graduação pelo corporativismo (ainda que em forma de brincadeira) que alguns professores empregam em suas cadeiras – leia-se matérias do curso de direito.
Certamente muitos já escutaram de algum professor que a matéria que ele lecionava era a mais importante do curso, ou que a profissão que ele desempenhava no cenário jurídico era a mais importante na formação do Estado de Direito.
Ouvindo isso e, acometidos pelas tensões e obrigações do ensino superior, muitas vezes com fortes resquícios dos vilipêndios do ensino médio, o aluno de direito percorre um caminho sem a projeção do fim. Quer dizer, caminha-se sem saber de fato o que se quer.
Diagnóstico este que se soma a um aspecto de acomodação, quase sempre verbalizada na retórica sedutora de que o leque científico em um curso de direito é exorbitante. Posso ser magistrado, membro do Ministério Público, Defensor Público, Delegado e, ao final, ainda posso ser advogado.
As primeiras fases da graduação entregam o diagnóstico acima mencionado. Poucos intencionam, preparam e direcionam um querer para a advocacia.
Não se desconhece, por óbvio, aqueles que trilham caminhos diversos e se adaptam posteriormente à advocacia com maestria, à luz de dedicações pontuais e compromissos retilíneos com o estudo. Só que o plot point não é este. O ponto da virada cinge-se no direcionamento e paixão dedicados ao exercício da advocacia, mas também ao entendimento e percepção acerca do arcabouço necessário de valências que atualmente o advogado deve acomodar para minimamente prosperar no mercado.
Na percepção transdisciplinar do direito, o domínio da profissão, em apertada síntese, reveste-se em oratória, combatividade, gestão, coragem, poder de execução, poder de síntese e relação institucional. Certamente quem bebe água limpa no entendimento deste cenário (paixão, direcionamento, valências) sai na frente no mercado.
Quem não se adapta ou credita facilidades no múnus da advocacia, tratando-a como atividade residual pode ficar no meio ante o fechamento do mar, transformando, como cita Binder, em um mero “rábula”, ou, como diria Alexandre Morais da Rosa, “analfabetos jurídicos e doutores googles”.
Quer dizer, ao final de tudo, ainda posso ser advogado…Talvez exigir em tenro tempo de faculdade uma opção ou direção jurídica ante o “leque profissional” seria negligenciar o que ainda estaria por vir.
Quanto mais cedo houver o entendimento de qual profissão se quer, menos gravoso será o caminho final, sobretudo a inserção no mercado de trabalho com o mínimo de qualidade a bem do desenvolvimento jurídico.
Não se busca inferir o teor de uma fórmula absoluta de sucesso. A figura em si de um advogado imprescinde da conjugação de algumas valências que são universais a todos aqueles que objetivam exercer o sacerdócio da advocacia com qualidade.
E esse perfil muitas vezes nasce antes mesmo do ingresso na faculdade, com assimilação por parte de nossos tutores, direcionando seus entes para o curso superior, quase sempre nebuloso a todo jovem.
Extrai-se inclusive dos provérbios da Bíblia: o fato de que os pais devem discernir a subjetividade e os talentos que Deus deu a cada um. Embora não devemos tolerar obstinação, cada criança ou adolescente tem potenciais que devem ser percebidos e estimulados pelos pais.
Logo, dada a sofisticação e o incremento com que a roda gira (relações sociais e conflitos sociais) – advocacia 5.0, inteligência artificial, advocacia defensiva, oralidade e dialeticidade, tratar a advocacia como resto, dedicando-lhe à facilidade, certamente não é a melhor opção.
Ao final, ainda posso ser advogado… As vitoriosas histórias de vida revelam que as maiores recompensas estão reservadas para aqueles que demonstram um empenho interminável de agir até obter êxito.
A preposição acima encontra espaço no paradigma do samurai, que treinava tiro ao alvo com arco e flecha. Quando o arqueiro postava-se diante do alvo com duas flechas na mão esquerda, seu instrutor dizia-lhe: os principiantes não devem ter duas flechas. Contando com a segunda, acabam por negligenciar a primeira.
A final de tudo, ainda posso ser advogado…Emergimos da parábola acima com a advocacia como atividade não residual, e o sentimento de existirem pessoas que passam a primeira metade da vida anunciando o que irão realizar (eu serei Juiz ou promotor, se não der, serei advogado), e a segunda metade explicando porque não a realizaram.
O subterfúgio está em coalizão negativa com profissionais despreparados, sem tranquilidade para suportar pressões inerentes à atividade advocatícia. Escrita deficiente, ausência de poder de síntese, comportamento inadequado aos combates processuais, quase sempre eivados pela oralidade.
A preocupação é latente, sobretudo pelo espaço glorioso que é dispensado ao advogado enquanto ser indispensável à administração da justiça. Sendo que, ao jogar-se aos leões jurisdicionalizados, enfrentar as mazelas de um processo, sobretudo no caso penal, queixumes de clientes, ligações inoportunas, desabafos acalorados, visitações em presídios, acaba-se por não conseguir lidar com os aspectos mencionados, ou então lidam com um grau de deficiência elevada.
A reclamada preocupação surge dos comentários preambulares acerca dos desideratos profissionais ainda na fase de graduação, mas também no diagnóstico acerca das frustrações de colegas que são externadas, bem como no próprio mercado de trabalho, onde, infelizmente, o advogado é tido como uma parte do judiciário que faz o básico, que não estuda, que não cria o desconforto na interação processual.
Ao negligenciar a primeira flecha, devido às outras que portamos, corre-se o risco de errar todas. Contudo, ao final, ainda posso ser advogado. Novamente emprestando entendimento na metáfora de Alexandre Morais da Rosa, “um atleta de natação passa 4 anos se preparando para uma única prova, ele não espera chegar próximo do dia, ou no dia, para fazer uma preparação adequada, ou uma visualização de um perfil, um referencial jurídico”.
Ao negligenciar a primeira flecha em face das demais que ainda estariam por vir, acaba-se dando um tratamento para a advocacia de dispensabilidade e última opção.
Não é demais recordar que nada de grande jamais será realizado sem grandes pessoas, disse Charles de Gaulle. E as pessoas só são grandes se estiverem destinadas a serem. Portanto, prefira a angustia da busca à paz pela acomodação, pois reside aí não só eventual frustração profissional, mas também possíveis prejuízos de cunho material e corpóreo para clientes no exercício da advocacia.
Os reflexos dessas negligências profissionais atingem diretamente a classe que, inarredavelmente goza de grandes profissionais que optaram, tiveram um querer advocatício com preparação própria, inerente ao desenvolvimento da profissão.
Ou ainda aqueles que por circunstâncias alheias, em um primeiro momento, não optaram, mas prepararam adequadamente as valências necessárias e tiveram sucesso.
Em tempo, fica a clareza de que o ser humano tem em si, além de falibilidades inerentes a qualquer ser humano, também inúmeras limitações. O direito e sobretudo a advocacia têm cobrado muito.
O ponto de qualquer advogado em dificuldade no início de carreira é colocar cada peça no local certo dentro de um escritório, almejando contemplar o que a advocacia cobra e sobretudo o mercado.
Será que existe uma força, um poder, uma ciência (chame do que quiser) que poucos descobrem e empregam e que ajuda a superar as dificuldades e alcançar sucessos incomuns?
Às vezes, na verdade, o que falta é coragem e paixão. Anos atrás, havia uma expectativa de alternativa humana (e.g., Jefferson Airplane, Hendrix, o poeta Dylan e sua musa Baez), mas hoje não há mais opção: o mundo foi reduzido a vencedores e perdedores.
Portanto, que eu ganhe, afinal de contas, eu serei um advogado!
Por Eduardo Herculano Vieira e Rafaela Baldissera, advogados
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