Tão relevante quanto planejar o ajuizamento de uma recuperação judicial é a coordenação (e controle) do tempo que esse procedimento perdurará, considerando os impactos que esse tipo de processo possui sobre as atividades da companhia.
Efetivamente, estar em recuperação judicial significa ter a empresa atrelada à condição (injusta) de “quase falida”, além do mercado estigmatizá-la como inadimplente, pouco confiável e de baixa taxa de recuperabilidade, impondo óbices na condução do dia a dia da empresa para contratação com fornecedores essenciais e retenção de recursos humanos. Ainda, a praxe bancária torna quase impossível a capitalização da empresa recuperanda durante o período de recuperação.
Além disso, durante todo o procedimento, a empresa recuperanda deverá continuar arcando com os ônus de manter sua recuperação judicial ativa: pagamento dos honorários do Administrador Judicial, assessoria financeira e advogados de restruturação, além de prestação de contas mensais e comunicações ativas sobre suas operações aos credores. Esses custos são bastante relevantes, ainda que se considere a revitalização da saúde financeira de uma empresa que teve seu passivo reestruturado.
Outro entrave da eternização dos processos de recuperação é a dificuldade de obtenção de certidão negativa de recuperação e falência, colocando obstáculos operacionais às empresas que dependem de processos licitatórios, contratação com Poder Público e comercialização de energia no mercado livre (demanda cada vez mais pujante entre as empresas como forma de economia de gastos com esse insumo). Assim, para o exercício mais banal de suas atividades, as empresas em recuperação, inobstante a aprovação dos seus planos de reestruturação, precisam continuar se socorrendo do Poder Judiciário para garantir os meios necessários à retomada de suas atividades.
O prejuízo não é só das recuperandas, pois o impacto cronológico e financeiro da manutenção desse tipo de processo é invariavelmente sofrido pelos credores, na medida em que também dispendem recursos de tempo e dinheiro com a manutenção do próprio processo em si.
Essa preocupação foi traduzida pela Lei 11.101/05 (LFRE) na concatenação das principais fases processuais para que elas durassem, no máximo, os inatingíveis 180 (cento e oitenta dias) dias e, a partir do art. 61 da LFRE, no período de supervisão judicial de 2 (dois) anos, para acompanhamento da implementação das medidas de soerguimento e pagamento chanceladas pelos credores em assembleia. Demonstradas que todas as obrigações vencidas nesse período foram cumpridas, estava autorizado o encerramento da recuperação judicial (art. 63 da LFRE) e a empresa retornaria à vida normal.
Todavia, apesar desse cronograma legal pré-estabelecido, na prática, vários fatores contribuíram para o alongamento dos processos de recuperação judicial, sendo a principal razão para esse prazo alongado o entendimento jurisprudencial sobre o termo a quo para aplicação da norma prevista no art. 61 da LFRE (final do prazo de carência, conforme Enunciado II do Grupo de Câmaras Reservadas de Direito Empresarial do Tribunal Paulista) e a cogência da norma em questão, que não permitiria a livre disposição entre as partes para sua supressão ou sua adequação.
Considerando os ônus da recuperação judicial, esse posicionamento se mostrou prejudicial se considerarmos que 52,5% do processo de recuperação está alocado ao período de supervisão judicial no Estado de São Paulo, onde predomina justamente o entendimento que vincula as carências de pagamento ao período de supervisão judicial. No Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, esse percentual cai para 37,1%.
Com o objetivo de dirimir essas dificuldades percebidas ao longo de mais de 15 anos de vigência da LFRE – o que corrobora as nossas preocupações –, a Lei 14.112/20 trouxe importantes adequações à supervisão judicial para garantir um encerramento mais célere do processo: (1) o período de fiscalização judicial passou a ser uma faculdade do Juízo da Recuperação Judicial após a homologação do plano; (2) o seu prazo máximo é de até 2 anos (ou seja, pode ser inferior ou modulado); e (3) o termo inicial é a concessão da recuperação judicial (e não o último prazo de carência fixado no plano).
A desvinculação entre o prazo de carência e o período de fiscalização judicial é um respiro às empresas em recuperação, parecendo superar, a princípio, os entraves colocados pela jurisprudência de alguns Tribunais Estaduais. A vigência dessa nova disposição, inclusive, culminou no cancelamento do Enunciado II do Grupo de Câmaras Reservadas de Direito Empresarial do Tribunal Paulista, em sessão do dia 27.4.2021.
Todavia, apesar desse importante avanço, infelizmente a norma não tem alcançado a sua integral potencialidade em razão das recentes incertezas quanto à sua aplicação imediata às recuperações em curso que tiveram seus planos de pagamento aprovados antes da vigência da Lei 14.112/20. Especialmente no Tribunal de Justiça de São Paulo, há algumas decisões esparsas que têm aplicado sua antiga (e já cancelada) interpretação sobre o termo inicial do período de supervisão judicial, ao argumento de que as partes não podem ser surpreendidas com a antecipação do encerramento da recuperação, visto que as negociações se deram com base nas antigas disposições legais e jurisprudenciais.
No nosso entendimento, essa não é a melhor solução para o caso. A partir das regras de direito intertemporal fixadas na legislação de insolvência, concluímos que o próprio art. 5º da Lei 14.112/20 estabelece, como regra geral, que as modificações trazidas à LFRE ‘aplica[m]-se de imediato aos processos pendentes”, sendo certo que o art. 61 da LFRE não se enquadra em nenhuma das hipóteses taxativas e excepcionais previstas no §1° do referido dispositivo.
Não fosse isso, mesmo antes da vigência da Lei 14.112/20, o Superior Tribunal de Justiça já entendia que o biênio de fiscalização se iniciava findo o prazo de carência, a afastar a consolidação dos atos praticados aos casos de planos aprovados antes da reforma legislativa.
Essa questão está sendo discutido no recurso especial nº 2.031.421/SP, distribuído recentemente ao Superior Tribunal de Justiça. A discussão teve origem em recurso interposto por um dos credores do Grupo Renova, que visava afastar condições de pagamento fixadas aos credores quirografários. Apesar de negar provimento ao referido recurso, ante a impossibilidade de intervenção judicial em aspectos econômicos do plano, o Tribunal de Justiça de São Paulo de ofício aplicou disposição do antigo Enunciado II, valendo-se dos fundamentos acima expostos.
O acompanhamento dessa discussão no Superior Tribunal de Justiça é de suma relevância para a construção de um caminho mais homogêneo a ser seguido pelas empresas em recuperação que se encontram nessa situação e procuram legitimamente evitar a aplicação dos efeitos deletérios que a eternização dos seus processos pode acarretar às suas atividades. As decisões sobre o tema ainda são bastante incipientes, apesar de já relevarem uma tendência de a Corte Superior pacificar a imediata aplicação da nova disposição do art. 61 da LFRE, independentemente de o plano ter sido aprovado antes da sua vigência.
Casos como o acima citados ajudarão a consolidar a jurisprudência relativa ao tema e trazer previsibilidade de resultados, redução de custos e sucesso na negociação entre credores e devedores. Especialmente enquanto isso não acontece, relevante entender as bases do processo de recuperação judicial e acompanhar – do começo ao fim – o planejamento não só do ajuizamento da recuperação judicial, mas especialmente as medidas necessárias ao tão esperado encerramento, garantindo a efetiva recuperação das empresas assessoradas.
Thomas Benes Felsberg, Marina Serachiani Clemente e André de Vivo Rodriguez Drumon são, respectivamente, sócio-fundador e advogados da área de Reestruturação e Insolvência do Felsberg Advogados.
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