Governo do Distrito Federal terá que devolver ITBI pago em decorrência de negociação frustrada

Data:

Distrito Federal - ITBI
Créditos: Michał Chodyra / iStock

O Distrito Federal terá que ressarcir os valores pagos referentes ao Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) em face de negociação frustrada. A sentença é da juíza substituta da 6ª Vara da Fazenda Pública do DF.

Afirmam os demandantes que, depois de realizar a compra de um bem imóvel na MSPW/SUL, efetuaram o pagamento do ITBI, no valor de R$ 70.067,76 (setenta mil, sessenta e sete reais e setenta e seis centavos). Ao registrar a escritura pública de compra e venda, entretanto, foram informados pelo Cartório de Registro de Imóveis que a procuração, utilizada para a venda do imóvel, foi lavrada com base em documentos falsos. Os demandantes afirmam que, por conta desse fato, a compra não foi efetivada e pedem que o Distrito Federal restitua o valor pago, já que o fato gerador é inexistente.

Em sua contestação, o Distrito Federal afirmou que o pedido realizado pelos demandantes por via administrativa não prosperou, já que eles não apresentaram a documentação exigida. O demandado pediu para que o pedido fosse julgado improcedente.

Ao decidir, a juíza de direito destacou que o fato gerador do ITBI é a transmissão do bem imóvel com o “registro da transferência da propriedade no cartório imobiliário”. No caso em análise, de acordo com a julgadora, a pretensão de cobrança do ITBI tem fundamento na suposta celebração de negócio jurídico de compra e venda, entre a parte autora e uma terceira pessoa, representada por procuração com aparente ocorrência de fraude.

“Uma vez comprovada a frustração da negociação, não há que se falar na incidência do imposto ITBI”, pontuou a juíza, ao verificar que a certeza da restituição do valor pago só correu a partir da declaração judicial de nulidade do negócio jurídico celebrado.

Assim, a magistrada declarou inexistente o débito referente ao ITBI e condenou o Distrito Federal a restituir aos autores do valor pago de R$ 70.067,76 (setenta mil, sessenta e sete reais e setenta e seis centavos), referente ao tributo.

Cabe recurso da sentença.

Processo: 0704588-56.2018.8.07.0018  – Sentença (inteiro teor para download).

(Com informações do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT)

Inteiro teor da sentença:

Poder Judiciário da União
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS

6VAFAZPUB
6ª Vara da Fazenda Pública do DF

Número do processo: 0704588-56.2018.8.07.0018

Classe judicial: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7)

AUTOR: SALOMAO RODRIGUES, SUELI RODRIGUES

RÉU: DISTRITO FEDERAL

SENTENÇA

I – RELATÓRIO

Trata-se de ação de conhecimento ajuizada por SALOMÃO RODRIGUES e outros em desfavor do DISTRITO FEDERAL, partes qualificadas nos autos.

A parte autora afirma que inicialmente celebrou acordo de compra e venda para aquisição do imóvel MSPW/SUL quadra 7, conjunto 02, lote 04, com área de 20.000,00 metros quadrados, em 24/11/2014.

Destacam que, após a realização do negócio, efetuaram o pagamento do ITBI no valor de R$ 70.067,76. Afirmam que no momento do registro da escritura pública de compra e venda, foram informados pelo Cartório de Registro de Imóveis que a Procuração utilizada para a venda do imóvel foi lavrada com base em documentos falsos, tendo os autores sido vítima de negligência do Cartório de Notas.

Alegam que, diante dos acontecimentos, referido negócio não foi concretizado e, portanto, inexiste a transferência do bem a si.

Sustenta a inexistência do fato gerador do tributo, tendo o réu se recusado a devolver os valores pela via administrativa.

Requer, a restituição do valor pago corrigido, uma vez ausente o fato gerador do tributo.

Acompanham a exordial os documentos constantes da folha de rosto dos autos.

Citado, o réu ofertou contestação de ID 19660938, alegando que a questão acerca da validade do negócio está em discussão em outra ação e por isso a devolução não é legítima até que decida pela invalidade da transação. Destaca que o pleito administrativo não prosperou devido à inércia da parte autora em apresentar a documentação exigida. Requer, ao final, a improcedência do pedido.

Réplica da parte autora em ID 20723962.

Decisão de ID 23006985 determinou à parte autora comprovar o ajuizamento de ação para declaração de nulidade do negócio.

Concedido prazo para o ajuizamento de ação específica, conforme ID 23823238.

Os autos foram suspensos em face da pendência de decisão de Juízo diverso (ID 26347696).

A parte autora informou ter sido proferida sentença na ação declaratória de nulidade do negócio jurídico (ID 54193896).

Os autos foram conclusos para sentença.

É o relatório. DECIDO.

II – FUNDAMENTAÇÃO

A lide comporta julgamento antecipado, na forma do preconizado pelo art. 355, inc. I, do Código de Processo Civil, haja vista a desnecessidade de produção de outras provas.

Adentra-se no mérito da causa, presentes os pressupostos processuais, o interesse de agir e a legitimidade para a causa (art. 17 do NCPC).

O cerne da lide está em se reconhecer se, no caso dos autos, é cabível a devolução dos valores pagos a título de ITBI em face de negociação frustrada.

A Constituição Federal, ao enumerar as competências tributárias, estabeleceu, por vezes de modo implícito e dando uma certa margem de liberdade para o legislador, a norma padrão de incidência ( a regra – matriz) de cada exação.

No caso dos autos, no que se refere ao ITBI, o Código Tributário Nacional disciplina de forma clara que incide o imposto nas seguintes hipóteses, elencadas no art. 35:

“Art. 35: (…)

I – a transmissão, a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis por natureza ou por acessão física, como definidos na lei civil;

II – a transmissão, a qualquer título, de direitos reais sobre imóveis, exceto os direitos reais de garantia;

III – a cessão de direitos relativos às transmissões referidas nos incisos I e II.

Da leitura do referido dispositivo, verifica-se que o fato gerador do tributo está agregado o ato de transmissão de direitos reais.

Nesse contexto, dispõe o Direito Civil que, no caso de transmissão imobiliária, esta só se considerará efetivada com todos os seus efeitos, quando do registro no Cartório do Registro de imóveis. Com esse ato é que o bem imóvel será considerado transmitido, passando a pertencer ao adquirente do bem. É o que preceitua o artigo 1.245 do Código Civil.

No caso concreto, depreende-se dos autos que a pretensão de cobrança do ITBI tem como fundamento suposta celebração de negócio jurídico de compra e venda entre a parte autora e Sheila Araújo Soares, representada por procuração, conforme documento de ID 17346086. No entanto, nota-se dos documentos acostados aos autos a aparente ocorrência de fraude perpetrada por terceiros, e, por esta razão, referido acordo não foi objeto de registro no Cartório Imobiliário.

Decerto, o fato gerador do Imposto Sobre a Transmissão de Bens Imóveis – ITBI, conforme reiterada jurisprudência, consubstancia-se na transmissão do bem imóvel, mais especificamente “ocorre com o registro da transferência da propriedade no cartório imobiliário, em conformidade com a lei civil” (STJ. 2ª T., REsp 771.781/SP, Rel. Ministra Eliana Calmon, jun/07).

Tal entendimento foi confirmado pelo Supremo Tribunal Federal, ao considerar como fato gerador do imposto de transmissão de bens imóveis a transferência efetiva da propriedade ou do domínio útil na conformidade da lei Civil, com o registro do Cartório imobiliário, chegando à conclusão que a Cobrança do ITBI sem a obediência dessa formalidade ofende o ordenamento jurídico em vigor (Representação nº 1121/GO do STF, relatada pelo Ministro Moreira Alves).

Portanto, em teoria, uma vez comprovada a frustração da negociação, não há que se falar na incidência do imposto ITBI. Nesse sentido é a jurisprudência deste e. TJDFT:

“PROCESSUAL CIVIL. DIREITO TRIBUTÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. FATO GERADOR DO IMPOSTO SOBRE A TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS “INTER VIVOS”- ITBI. REGISTRO DA COMPRA E VENDA NA MATRÍCULA DO IMÓVEL. SENTENÇA MANTIDA.

1. O fato gerador do ITBI no Distrito Federal é a transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, por natureza ou acessão física, da propriedade ou domínio útil de bens imóveis.

2. O fato gerador do ITBI é a prenotação no cartório de registro de imóveis. Apenas a transmissão do bem com o respectivo registro gera a obrigação de pagar o imposto.

3. Apelação conhecida, mas não provida. Unânime. (Acórdão n.969742, 20160110152653APC, Relator: FÁTIMA RAFAEL 3ª TURMA CÍVEL, Data de Julgamento: 08/09/2016, Publicado no DJE: 06/10/2016. Pág.: 219/226)”

Ocorre que, em que pese assistir razão ao autor quando a não incidência do ITBI no caso concreto, sendo necessária a restituição do valor pago, tal certeza se deu apenas quando da declaração judicial de nulidade do negócio jurídico celebrado, o que ocorreu em momento posterior ao ajuizamento desta demanda, conforme se depreende da sentença de ID 54193897.

Nesse ponto, percebe-se que a frustração do requerimento administrativo para devolução do valor se deu em face da não comprovação à época do distrato da escritura pública (ID 19660940) que, por óbvio, em se tratando de fraude, dependia, como dito, da manifestação judicial no caso. Assim, não se percebe a pretensão resistida da Administração, mas tão somente a exigência do cumprimento de normas legais, as quais foram supridas apenas no decorrer da instrução processual.

III – DISPOSITIVO

Ante o exposto, diante da declaração de nulidade do negócio jurídico celebrado JULGO PROCEDENTE O PEDIDO DEDUZIDO NA INICIAL, para declarar a inexistência do débito referente ao ITBI objeto dos presentes autos, devendo o réu restituir ao autor o valor de R$ 70.067,76 pago a esse título.

O valor a ser restituído deverá sofrer a incidência apenas de correção monetária pelo IPCA-E desde o pagamento, sem a incidência de juros em face da ausência de mora.

Nesse diapasão, resolvo a lide com apreciação do mérito, aplicando ao caso o artigo 487, inciso I, do CPC.

Pelo princípio da sucumbência e diante da ausência de complexidade da demanda, arcará a parte ré com honorários advocatícios, que arbitro em R$ 1.000,00 (mil reais), em observância ao §8º, do artigo 85 do Novo Código de Processo Civil.

Sem requerimento de cumprimento de sentença e operado-se o trânsito em julgado da sentença, feitas as anotações de praxe, dê-se baixa e arquivem-se os autos.

Registrada no sistema. Publique-se. Intimem-se.

Monike de Araujo Cardoso Machado

Juíza de Direito Substituta

* documento datado e assinado eletronicamente

Juristas
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