Para o Direito Previdenciário, o que importa é a lei vigente à época

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O correto restabelecimento de benefício previdenciário na hipótese de equivocada aplicação de legislação futura

Theodoro Vicente AgostinhoSabido e consabido que a ciência jurídica é baseada em normas, regras, valores, princípios dentre outros mecanismos que almejam ou tentam regular fenômenos coletivos.

Para tanto, por exemplo, certos princípios são mais do que necessários para esse desiderato, vale dizer, importantes para o fluxo natural dos fenômenos sociais com a esperada ordem social.

Nas relações previdenciárias tal ótica é de vital e nevrálgica importância, tendo em vista que a natureza alimentar, existencial e fundamental dos direitos sociais previdenciários garantem uma análise diferenciada dos textos legais.

Assim, por exemplo, não pode um trabalhador que exerceu suas atividades sob a égide de determinas leis vigentes a época da própria prestação dos serviços, ser futuramente punido por novas e ulteriores normas que outrora sequer existiam.

Neste aspecto, acertadíssima a recente decisão tomada pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região que nos autos da apelação cível de número: 0810764-57.2011.4.02.5101 (clique aqui para ler a notícia), de 07/12/2016 restabeleceu uma aposentadoria sob esse aspecto.

Aqui o resumo da decisão que ousamos debater:

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. RESTABELECIMENTO. EXPOSIÇÃO A RUÍDO E AGENTES QUÍMICOS. COMPROVAÇÃO. DIREITO A CONTAGEM ESPECIAL. TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO SUFICIENTE. EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL (EPI). NÃO COMPROVAÇÃO DA NEUTRALIZAÇÃO DA INSALUBRIDADE. 1. A legislação aplicável para a verificação da atividade exercida sob condição insalubre deve ser a vigente quando da prestação do serviço, e não a do requerimento da aposentadoria. 2. Até o advento da Lei n.º 9.03295, em 29/04/95, é possível o reconhecimento do tempo de serviço especial com base na categoria profissional do trabalhador. A partir desta lei a comprovação da atividade especial é feita através dos formulários SB-40 e DSS-8030, até o advento do Decreto 2.172 de 05/03/97, que regulamentou a MP 1.52396, convertida na Lei 9.52897, que passa a exigir o laudo técnico. 3. Quanto ao agente nocivo ruído, o Superior Tribunal de Justiça firmou orientação no sentido de que é tida por especial a atividade exercida com exposição a ruídos superiores a 80 decibéis até a edição do Decreto 2.171/1997. Após essa data, o nível de ruído, considerado prejudicial é o superior a 90 decibéis. A partir da entrada em vigor do Decreto 4.882, em 18/11/2003, o limite de tolerância ao agente físico ruído foi reduzido para 85 decibéis. 4. No tocante à utilização do Equipamento de Proteção Individual -EPI, o entendimento jurisprudencial é no sentido de que este não descaracteriza a especialidade do trabalho, a não ser que comprovada a sua real efetividade por meio de perícia técnica especializada e desde que devidamente demonstrado o uso permanente pelo empregado durante a jornada de trabalho, o que não restou comprovado nos presentes autos. 5. O autor faz jus à conversão em comum do seu tempo de serviço prestado na Cia Distribuidora de Gás do Rio de Janeiro em condições especiais, devido à exposição, de forma habitual e permanente, aos agentes agressivos ruídos acima de 80 decibéis e monóxido de carbono derivado do gás manufaturado acima dos limites de tolerância, nos períodos de 13/10/76 a 20/01/86 e de 21/01/86 a 28/04/95, com a aplicação do multiplicador 1,40. 6. Correto o restabelecimento do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição ao apelado, desde a data de sua suspensão. 7. Negado provimento à apelação e à remessa necessária, nos termos do voto. (TRF2 - Processo: 0810764-57.2011.4.02.5101 – Classe: Apelação / Reexame Necessário – Recursos – Processo Cível e do Trabalho. Órgão julgador: 2ª TURMA ESPECIALIZADA. Data de decisão 07/12/2016. Data de disponibilização 14/12/2016. Relator SIMONE SCHREIBER)

Ao que se percebe, o INSS deu interpretação equivocada a legislação previdenciária, invocando os textos legais vigentes quando do pedido da aposentadoria, desprezando a época da prestação do trabalho.

Ora, inexiste argumento lógico e racional sob todos os ângulos para exigir laudos técnicos ambientais em épocas de trabalho que a atividade era presumida como de natureza especial, além de faltar regulamentação trabalhista a respeito.

De outro lado, como exigir laudos e formulários de empresas já extintas?

Também, como negar o reconhecimento de atividades especiais tão somente pela informação do fornecimento do Equipamento de Proteção Individual (EPI) quando sua eficácia não é comprovada?

Cabe aqui registrar que o pacote previdenciário existe e foi arquitetado para a proteção do trabalhador, frente aos infortúnios da vida e não o contrário, ou seja, ser uma exceção para a proteção com aplicação normativa restritiva.

Essa interpretação axiológica e sistemática deve acompanhar todos aqueles que batalham nas lides previdenciárias, sob pena de um vedado retrocesso social, além de convalidar uma nefasta insegurança jurídica não desejada pelo nosso ordenamento jurídico, fundamentado no bem-estar social.

Em tempos difíceis de relativização dos direitos sociais, pelo menos, com responsável análise, ainda o Judiciário tem sido a voz e vez dos abrigados pelo pacote previdenciário, cujas normas, no mínimo devem ser aferidas a seu favor, na absoluta interpretação in dubio pro misero!

  • Artigo escrito em conjunto com Sérgio Henrique Salvador, que é Mestrando em Direito das Relações Sociais pela FDSM; Especialista em Direito Previdenciário pela EPD/SP e em Direito Processual Civil pela PUC/SP; Conselheiro da 23ª Subseção da OAB/MG. Professor do IBEP/SP Instituto Brasileiro de Estudos Previdenciários (IBEP) e dos cursos CPJUR, FEPI, ÊXITO, UNISAL e PROORDEM.
Theodoro Vicente Agostinho
Theodoro Vicente Agostinhohttp://raeffraybrugioni.com.br/
Doutorando em Direito Previdenciário pela PUC/SP; Mestre em Direito Previdenciário pela PUC/SP; Especialista em Direito Previdenciário pela EPD/SP. Coordenador e Professor de Cursos de Pós-Graduação em Direito Previdenciário do CPJUR; Presidente da Comissão de Regime Próprio de Previdência da OAB-SP; Coordenador do Instituto Brasileiro de Estudos Previdenciários (IBEP); Conselheiro do CARF

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