Habeas corpus é ação destinada a tutelar a liberdade de pessoa humana, não de coisa. Assim destacou o desembargador Jaime Ferreira de Araujo, do TJ/MA, ao não conhecer de HC impetrado por um advogado pleiteando a liberação do veículo de seu cliente. A decisão foi publicada no DJE do dia 05/02/2018.
Salientando a via inadequada, o magistrado concluiu que o causídico “não detém conhecimentos mínimos para o exercício da profissão”. Assim, determinou que sejam encaminhadas ao presidente da OAB/MA as peças do processo, bem como a decisão, e que ele seja inscrito na Escola de Advocacia para que, após, seja submetido a nova prova da entidade e, se não aprovado, que a Diretoria da Ordem decida se cassa ou não sua carteira.
“Rui Barbosa, se vivo fosse, teria vergonha de dizer que pertenceria à mesma categoria profissional deste impetrante.”
O caso
O paciente teve sua caminhonete roubada em dezembro de 2017, e o bem foi recuperado pela polícia Civil. A autoridade, no entanto, não autorizou a liberação do veículo ao dono. Diante deste cenário, seu advogado ingressou com o habeas corpus para obter a liberação, tendo o magistrado de 1º grau indeferido a tutela provisória. O advogado novamente argumentou que o veículo nunca foi periciado e que seu dono, com quase 60 anos, precisa dele para locomover-se para trabalhar.
Ao analisar, o magistrado verificou o caso de não conhecimento do remédio constitucional, sendo este destinado “a tutelar a liberdade de locomoção da pessoa humana”.
“Não demanda esforço extrair do texto normativo sua literalidade, de modo que o remédio constitucional manejado tem por objeto a liberdade de locomoção da pessoa humana, ou seja, tem como finalidade amparar a liberdade física do indivíduo, sendo, pois, um direito fundamental.”
“Apenas a pessoa humana pode figurar como paciente no habeas corpus, não um veículo, como sugere levianamente o impetrante“, completou. “Ora, considerando que o habeas corpus amolda-se no contexto de ergástulo ou de sua ameaça, só de pensar na possibilidade de expedição de salvo conduto de veículo, implicaria em erro grosseiro, impossível de ser sanado.”
Ao fim da decisão, o magistrado determinou a remessa dos documentos à OAB.
Advocacia
Em resposta, a OAB/MA divulgou nota repudiando “evidentes excessos” do magistrado. Veja a íntegra.
NOTA DE REPÚDIO
A OAB Maranhão, na manhã de hoje, tomou conhecimento de uma decisão judicial, cujo teor, amplamente divulgado em redes sociais e blogs, contém evidentes excessos, em que um Desembargador, extrapolando suas atribuições, recomenda a cassação do registro de determinado advogado, o que não se coaduna com os limites éticos e jurídicos esperados de uma decisão judicial, a qual deveria se ater ao objeto do processo e aos limites de suas atribuições e competência.
As decisões judiciais são para serem cumpridas ou contra elas se manejar o recurso cabível, por mais inadequadas, antijurídicas ou teratológicas que sejam. No entanto, a partir do momento em que ela transborde o limite do seu conteúdo e do objeto processual e traga a público uma situação de ofensa à advocacia, a OAB exerce, portanto, por meio desta nota, e sem prejuízo da abertura, já determinada, de processo de desagravo público, e dos demais procedimentos judiciais e administrativos cabíveis, seu mister na defesa da coerência institucional, não admitindo elementos que violem as prerrogativas dos advogados e advogadas, assim como venha externar elementos de ofensa à classe ou à instituição.
Destarte, da mesma forma que a Ordem dos Advogados do Brasil não se pronuncia sobre erros técnicos eventualmente cometidos por magistrados ou quaisquer servidores públicos, por mais crassos que possam ser, não suscitando suas inscrições na escola de magistratura ou órgão correlato, não admite que qualquer magistrado se arvore no direito, que não possui, de atacar a capacidade técnica de qualquer advogada ou advogado Maranhense.
De bom alvitre sopesar, outrossim, que sendo Autarquia Federal, a Seccional Maranhense da Ordem dos Advogados do Brasil não admite que venha a ser, a público, interpelada sem o devido processo legal ou instada a fazer ou deixar alguma coisa senão por ordem judicial emanada por Juízo competente, no caso, a Justiça Federal do Brasil e Tribunais Superiores.
Nesses tempos hodiernos, em que as relações sociais e institucionais no Brasil estão sofrendo sistemáticos ataques desarrazoados, impõe-se, principalmente ao Poder Judiciário, guardião que é da Constituição e das normas legais, parcimônia e cautela em suas decisões, enaltecendo os aspectos formais e sóbrios em detrimento da adjetivação, do exagero, do rebuscamento, dos excessos e de violação das tênues linhas que sustentam todo o sistema interrelacional da sociedade brasileira.
É com firmeza, portanto, que OAB/MA repudia e repudiará qualquer comportamento ou conduta, institucional ou humana, que se envergue de excessos e teratologias, bem como viole a intimidade de qualquer advogado ou advogada, que viole suas prerrogativas ou que os exponha publicamente ao vexame, colocando-se sempre na defesa do Estado Brasileiro, da Democracia, da República, das Instituições e da paz social.
Thiago Roberto Moraes Diaz
Presidente da Seccional Maranhão da OAB
Dê o play para assistir o posicionamento do presidente do presidente da seccional maranhão da OAB e do advogado Valter Bonfim Teíde Bezerra Filho:
- Processo: HC 0800561-11.2018.8.10.0000