O ministro Reynaldo Soares da Fonseca celebra uma década de atuação no Superior Tribunal de Justiça (STJ), período em que protagonizou decisões de grande relevância, consolidando precedentes que reforçam a proteção dos direitos de pessoas privadas de liberdade e revertendo condenações manifestamente injustas.
Oriundo do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Fonseca foi nomeado para o STJ em maio de 2015, assumindo a vaga destinada à Justiça Federal, aberta com a aposentadoria do ministro Arnaldo Esteves Lima. Sua nomeação foi feita pela então presidente da República, Dilma Rousseff. Antes disso, exerceu as funções de juiz no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios e de procurador do Estado do Maranhão.
Em 26 de maio, além de comemorar seus dez anos no STJ, o ministro foi agraciado com o Título de Cidadão Honorário de Brasília, concedido pela Câmara Legislativa do Distrito Federal. A homenagem foi inicialmente proposta pelo ex-deputado Rodrigo Delmasso (Republicanos) e formalizada pelo deputado Ricardo Vale (PT), atual primeiro vice-presidente da Casa.
Durante seu discurso de agradecimento, o ministro destacou a profunda conexão que mantém com a capital federal:
“Brasília não é apenas a capital da República. Para mim, é lugar de enraizamento, de pertencimento e de fé na construção coletiva da Justiça. É nesta cidade que cresci como juiz, professor, cidadão e ser humano. Este título que recebo hoje consagra um laço que já era de alma e coração.”
Representando a família, Leonardo Fonseca, filho do ministro, enfatizou o viés humanista que orienta a trajetória de seu pai no STJ:
“No STJ, meu pai reviveu a oportunidade de lidar com o Direito Penal e o Processo Penal, velhas matérias amigas, sobre as quais já havia obtido pós-graduação e exercido jurisdição, mas das quais estava afastado há algum tempo. Apesar disso, o que se tem visto na 5ª Turma e na 3ª Seção daquela corte, com a ajuda de colegas ministros e ministras incríveis, é seu inquestionável destaque — não apenas por seus votos consistentes e sua conduta serena, mas sobretudo por sua capacidade de ouvir, de ponderar e de decidir com equilíbrio.
Dupla contagem e garantia da dignidade
Durante sua trajetória no Superior Tribunal de Justiça – STJ, o ministro Reynaldo Soares da Fonseca sempre se destacou na área criminal, atuando na 5ª Turma e na 3ª Seção, ambas sob sua presidência. Em sua primeira década na Corte, firmou posicionamentos paradigmáticos por meio de votos e decisões monocráticas que se tornaram referência.
Um desses marcos ocorreu em junho de 2021, quando a 5ª Turma do STJ confirmou decisão monocrática de sua relatoria para que fosse computado em dobro o tempo de encarceramento de um condenado mantido em condições degradantes no Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, situado no Complexo Penitenciário de Bangu, no Rio de Janeiro (RHC 136.961).
A decisão, pioneira na aplicação do princípio da fraternidade em sede penal, estabeleceu um relevante precedente ao reconhecer que a permanência do preso em ambiente insalubre e indigno deve ser compensada com o abatimento qualificado da pena. Com isso, o STJ reafirmou o compromisso com os direitos humanos e com o controle da convencionalidade.
O ministro ressaltou que, desde o Decreto nº 4.463/2002, o Brasil reconheceu a competência contenciosa da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em casos relacionados à Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). Assim, suas sentenças são vinculantes e obrigam todos os órgãos estatais. “Todos os órgãos e poderes internos do país encontram-se obrigados a cumprir a sentença”, destacou o relator.
Ao interpretar o caso, o ministro observou que a decisão da CIDH, que motivou o reconhecimento do direito à contagem em dobro, não poderia ser limitada apenas ao marco da notificação oficial ao Estado brasileiro, já que as condições violadoras de direitos existiam anteriormente. Ressaltou, ainda, que os Estados-partes das convenções internacionais podem — e devem — adotar medidas mais protetivas do que aquelas previstas expressamente, desde que respeitada a finalidade do tratado.
Fonseca concluiu afirmando que compete às autoridades nacionais internalizar e dar efetividade às disposições da sentença internacional, promovendo os ajustes necessários em sua estrutura normativa e institucional para assegurar o cumprimento integral das obrigações assumidas perante a comunidade internacional.
Revisão de condenação injusta
Outro caso emblemático relatado pelo ministro ocorreu em fevereiro de 2023, quando a 5ª Turma do STJ absolveu uma mulher condenada a 60 anos de reclusão pelo crime de latrocínio cometido contra um casal de idosos (HC 793.011).
A acusada foi presa em flagrante em 2016 após um dos envolvidos confessar o crime durante o inquérito e mencionar seu suposto envolvimento como coautora. Mesmo sem elementos probatórios robustos, foi condenada em 2018, permanecendo presa preventivamente ao longo de todo o processo. A sentença foi confirmada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em 2019.
Ao analisar o habeas corpus, o ministro Reynaldo Soares da Fonseca destacou que a única prova existente nos autos contra a acusada era o depoimento extrajudicial do corréu, posteriormente retratado em juízo. Acrescentou que os policiais ouvidos em juízo apenas repetiram a narrativa apresentada na fase inquisitorial, sem apresentar novos elementos capazes de confirmar a participação da ré.
Fonseca salientou que a sentença condenatória não fazia referência a qualquer outra prova que vinculasse a mulher ao crime. Enfatizou, ainda, que a jurisprudência pacífica do STJ não admite a condenação fundada exclusivamente em declarações colhidas fora do contraditório, sem posterior confirmação em juízo.
“O juiz pode se utilizar da prova extrajudicial para reforçar seu convencimento, desde que corroborada por provas produzidas durante a instrução processual ou desde que essas provas sejam repetidas em juízo, o que não se verificou na hipótese”, concluiu.
Segue abaixo a reescrita do texto, com linguagem técnica, clara e coesa, preservando o conteúdo e o mérito das decisões do ministro Reynaldo Soares da Fonseca:
Transferência de mulher trans: reafirmação da dignidade e da autodeterminação
No dia 26 de maio, o ministro Reynaldo Soares da Fonseca, no exercício de sua jurisdição na 5ª Turma do STJ, determinou a transferência de uma mulher transgênero do presídio masculino para a Penitenciária Feminina do Distrito Federal (HC 955.966), em consonância com sua identidade de gênero.
A detenta, que inicialmente foi transferida para unidade prisional feminina, havia solicitado, por vontade própria, o retorno ao presídio masculino — pleito que foi deferido judicialmente. Tempos depois, formulou novo pedido de transferência à ala feminina, que, desta vez, foi indeferido pela Vara de Execuções Penais do DF. A decisão foi mantida pelo TJDFT, sob o fundamento de que as sucessivas transferências comprometeriam a estabilidade e a segurança do sistema penitenciário.
Ao reformar tal entendimento, o ministro Reynaldo Fonseca destacou a aplicabilidade da Resolução nº 348/2020 do Conselho Nacional de Justiça, que determina que o local de cumprimento de pena de pessoas LGBT+ deve respeitar, prioritariamente, a manifestação de vontade da pessoa custodiada.
O relator também citou precedentes da Corte (a exemplo do HC 894.227), reconhecendo como ilegal a manutenção de mulheres trans em presídios masculinos quando expressam desejo de permanecer em unidades femininas.
Acrescentou, ainda, que o fato de a custodiada não ter se adaptado anteriormente ao ambiente feminino não constitui fundamento suficiente para o indeferimento de novo pedido. Para o ministro, a autodeterminação de gênero e a dignidade da pessoa humana devem prevalecer como vetores interpretativos centrais.
Reconhecimento falho e absolvição histórica: justiça restaurativa em ação
Em julgamento ocorrido em 27 de fevereiro, a 5ª Turma do STJ, por unanimidade, concedeu Habeas Corpus (HC 870.636) para absolver um homem anteriormente condenado em 12 ações penais por estupro, em razão de vícios insanáveis nos procedimentos de reconhecimento e de provas inconsistentes.
Relator do caso, o ministro Reynaldo Soares da Fonseca observou que os reconhecimentos realizados não obedeceram às formalidades exigidas pelo artigo 226 do Código de Processo Penal, sendo, portanto, nulos. Ainda assim, esses reconhecimentos serviram como base exclusiva das condenações, reforçadas pela repetição do mesmo modus operandi e pelo fato de o acusado figurar como réu em ações semelhantes.
A absolvição mais recente — oitava dentre as 12 condenações originais — decorreu da constatação de erro judicial, revelado por atuação conjunta do Innocence Project Brasil e do Ministério Público de São Paulo. Exames de DNA em cinco dos casos revelaram que o perfil genético do réu não coincidia com o material coletado nas vítimas; quatro desses laudos apontaram correspondência com o perfil genético de outro indivíduo, vinculado a ao menos oito outros casos.
Além das irregularidades nos reconhecimentos — que incluíram reconhecimento fotográfico por imagem única, pessoal em condições inadequadas e em audiência sem resguardo das garantias legais —, a única base da condenação foi a palavra da vítima e o depoimento dos policiais, sem qualquer elemento probatório robusto.
“Se as condenações do paciente foram servindo de confirmação umas às outras, tem-se que, da mesma forma, a identificação do perfil genético de pessoa diversa, somada ao fato de o perfil genético do paciente não ter encontrado nenhuma coincidência no Banco de Dados de Perfis Genéticos, acaba por esvaziar a certeza dos reconhecimentos realizados pelas vítimas”, apontou o ministro.
Uso medicinal da cannabis: proteção à saúde diante da omissão legislativa
Em novembro de 2022, a 5ª Turma do STJ, por unanimidade, concedeu de ofício Habeas Corpus (HC 779.289) autorizando um paciente a cultivar maconha para fins medicinais, com a extração do óleo necessário ao seu tratamento, bem como a importar sementes da planta.
O julgamento representou um importante alinhamento jurisprudencial, acompanhando entendimento já adotado pela 6ª Turma do STJ e por diversos tribunais estaduais, segundo os quais não se configura crime de tráfico quando o cultivo da planta visa exclusivamente à produção de medicamento prescrito, sob controle sanitário.
O relator, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, pontuou que, diante da omissão normativa quanto ao uso terapêutico da cannabis sativa, não é admissível que o Estado impeça o acesso à saúde das pessoas que não têm meios financeiros para adquirir os produtos importados.
O acórdão também autorizou o transporte do material cultivado até instituições de pesquisa, como a Universidade de Brasília, nos estritos limites da prescrição médica. Fonseca reiterou a importância de garantir o direito à saúde com base nos princípios da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade e da vedação ao retrocesso.
Segue a reescrita do conteúdo, com linguagem mais técnica, fluida e adequada a contexto jurídico, acadêmico ou institucional:
Prisão domiciliar a pai responsável exclusivo
Em novembro de 2022, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça firmou importante precedente ao reconhecer que o benefício da prisão domiciliar, previsto no artigo 318 do Código de Processo Penal, também se aplica a pais quando demonstrada a imprescindibilidade de seus cuidados aos filhos menores de 12 anos (AgRg no HC 764.603).
Relator do caso, o ministro Reynaldo Soares da Fonseca destacou que o paciente é pai de três crianças, todas com menos de 12 anos, sendo uma delas diagnosticada com transtorno do espectro autista. Condenado por tráfico de drogas, sem envolvimento de violência ou grave ameaça, o réu apresentava bom comportamento carcerário e ausência de faltas disciplinares graves.
Segundo o ministro, ficou comprovado nos autos que a mãe das crianças está em local incerto e não sabido desde 2021. O Conselho Tutelar, diante dessa situação, atribuiu a guarda provisória à avó materna. No entanto, relatório psicológico revelou piora significativa no quadro clínico do filho autista e alterações emocionais nos demais filhos, decorrentes do afastamento dos genitores e da sobrecarga emocional vivida pela avó.
Diante desse cenário, a Turma concluiu pela imprescindibilidade da presença paterna para o bem-estar dos menores, autorizando, assim, a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar.
Atentado do Riocentro e a inaplicabilidade do conceito de crime contra a humanidade
Em 2019, a 3ª Seção do STJ decidiu manter o trancamento da ação penal movida contra seis militares acusados de participação no atentado do Riocentro, ocorrido em 1981 (REsp 1.798.903), sob o fundamento de que os fatos não podem ser enquadrados como crimes contra a humanidade.
Apesar do voto do relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, favorável à reabertura da ação com base na imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade, prevaleceu o voto divergente do ministro Reynaldo Soares da Fonseca.
Para o ministro Fonseca, a legislação penal brasileira não prevê tipificação autônoma para tais crimes, e o Brasil tampouco ratificou a Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade, de 1968. Mesmo se considerada a natureza de norma de jus cogens do tratado internacional, sua aplicação estaria condicionada à compatibilidade com os princípios constitucionais, especialmente os da legalidade e da irretroatividade penal.
O ministro ressaltou ainda que a utilização retroativa do Estatuto de Roma — que tipifica crimes contra a humanidade e foi incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro — não encontra respaldo constitucional, sob pena de violação ao artigo 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal.
Além disso, o atentado foi alcançado pela anistia prevista na Emenda Constitucional nº 26/1985, conforme entendimento prevalente à época dos fatos.
Trancamento de ação penal após absolvição cível por ausência de dolo
A 5ª Turma do STJ, em 2023, determinou o trancamento de ação penal movida contra uma empresária acusada de participação no suposto esquema de corrupção denominado “mensalão do DEM” (RHC 173.448).
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal já havia absolvido, em 2020, a empresária e sua empresa da acusação de improbidade administrativa, reconhecendo a inexistência de dolo por parte dos particulares, tendo identificado conduta dolosa apenas do agente público envolvido.
Ao relatar o caso, o ministro Ribeiro Dantas afirmou que não é admissível a manutenção de persecução penal se o juízo cível, após análise probatória, concluiu pela ausência de dolo — elemento subjetivo indispensável tanto para a configuração do ato de improbidade quanto para os crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.
Crime ambiental e responsabilização da pessoa jurídica
Pouco após sua nomeação ao STJ, o ministro Reynaldo Soares da Fonseca relatou caso emblemático no qual a 5ª Turma afirmou a possibilidade de responsabilização penal de pessoa jurídica por crime ambiental, independentemente de imputação simultânea a pessoa física (RMS 39.173).
A Petrobras e um de seus gerentes foram denunciados pelo Ministério Público Federal por degradação ambiental ocorrida durante a implantação do trecho marítimo do gasoduto do projeto Manati, na Bahia, em 2005. A estatal impetrou mandado de segurança alegando que, à luz do artigo 3º da Lei nº 9.605/98, a ação penal não poderia prosseguir sem a presença de agente físico no polo passivo.
O ministro Reynaldo Fonseca contextualizou que, embora a jurisprudência do STJ antes exigisse a chamada “dupla imputação”, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 548.181 (2014), firmou entendimento em sentido contrário, reconhecendo a possibilidade de responsabilização penal autônoma da pessoa jurídica por delitos ambientais.
Diante disso, o STJ reformulou sua posição para alinhar-se ao precedente vinculante do STF, afastando a necessidade de coautoria da pessoa física. A decisão da 5ª Turma foi unânime, permitindo o prosseguimento da ação penal contra a Petrobras.
(Com informações de Sérgio Rodas/Consultor Jurídico)