Acesso à Justiça: Brasil tem um advogado para cada 140 brasileiros, mas 50 milhões ainda ficam excluídos

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Contrato de parceria entre advogados
Créditos: alebloshka / Depositphotos

O Brasil ostenta a maior proporção de advogados para a população mundial, com um profissional para cada 140 pessoas, totalizando 1,4 milhão de advogados no país. Entretanto, mesmo com esse número expressivo, quase 50 milhões de brasileiros enfrentam dificuldades para obter assistência jurídica pela Defensoria Pública da União (DPU). Os principais obstáculos incluem a falta de escolaridade, a baixa renda da população e uma infraestrutura pública insuficiente. A informação é do Portal R7.

A parcela mais afetada pela falta de acesso à Justiça é composta por brasileiros economicamente vulneráveis, cuja renda familiar não ultrapassa três salários mínimos, impossibilitando a contratação de advogados. Esse grupo constitui o público-alvo da DPU.

Em 2022, quase um terço da população brasileira, equivalente a 12,7 milhões de pessoas, vivia em situação de extrema pobreza, com renda diária de até R$ 33,90, enquanto 67,8 milhões estavam na faixa da pobreza.

Atualmente, o país conta com aproximadamente um defensor público para cada 290 mil habitantes. A distribuição geográfica é outra questão crítica, pois apenas 27% das cidades com subseções da Justiça Federal possuem uma unidade da defensoria federal. A Emenda Constitucional 80 de 2014 estabelecia a presença de defensores federais em todos os municípios com juízes federais até 2022.

Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2022, o Brasil tinha 22.351 cargos de magistrados. O número de procuradores no país ainda não foi divulgado pelo Ministério Público Federal (MPF).

Além desses desafios, a DPU enfrenta limitações orçamentárias, contando com um montante anual de R$ 670 milhões. Esse valor é inferior aos orçamentos de grandes clubes de futebol da Série A, como Flamengo e Palmeiras, e está muito aquém das verbas destinadas a órgãos como o MPF e a Justiça Federal. Procuradores argumentam que o ideal seria o dobro desse valor para atender às demandas.

Fim do ‘juridiquês’

Mercado Digital para Advogados - Marketing Jurídico
Créditos: Thirdman / Pexels

Para facilitar o acesso à Justiça, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF) lançaram um pacto pela linguagem simples, visando eliminar o “juridiquês”. Em dezembro do ano passado, foi criado o Selo Linguagem Simples pelo CNJ para estimular os tribunais a aderirem ao pacto. Além da substituição de expressões técnicas desnecessárias, o pacto prevê a criação de manuais e guias para orientar o público sobre o significado de termos técnicos indispensáveis nos textos jurídicos. O objetivo é superar a dificuldade de acesso à Justiça causada pela falta de compreensão das pessoas sobre a quem recorrer.

Um advogado para cada 140 brasileiros

A precificação na advocacia não é estabilizada pelo mercado, e o valor referência mínimo é definido pela OAB. Os escritórios cobram com base na especialidade, investimentos em formação, cultura institucional, história, entre outros atributos. A tabela de honorários da OAB-SP estabelece um mínimo de quase R$ 3 mil para atuação em um habeas corpus. Cobrar abaixo desse valor mínimo pode resultar em infração ético-disciplinar, sujeita a sanções que vão desde advertência até exclusão dos quadros da OAB. Atualmente, o salário-mínimo no Brasil é de R$ 1.412.

O criminalista Thiago Turbay citou algumas causas para a dificuldade da população em conseguir acesso à Justiça. “Creio que os vazios de assistência se devem à deficiência de políticas públicas de acesso à Justiça, que envolvem navegação e portas de entrada no sistema judicial, baixa densidade da defensoria pública, insuficiência de cultura de resolução de conflitos por meios alternativos e descrença quanto ao Judiciário, o que gera impacto na relação que este estabelece com a sociedade”, afirmou.

Na avaliação do também criminalista Rodrigo Barbosa, o Brasil investe mais em acusação do que em defesa. “Escolheu-se ter a acusação mais forte do que a defesa. Até recentemente, um promotor recebia muito mais do que um defensor público. Estou falando coisa de seis anos atrás. Ainda hoje toda comarca que tem um fórum, que tem um juiz, tem também um promotor, tem também Ministério Público, mas nem toda tem defensoria pública”, disse.

Barbosa comparou ainda as estruturas físicas dos MPs com as das defensorias públicas e afirmou que a falta de acesso à Justiça é uma “escolha”. “O MP tem construções modernas, salas espaçosas, ar-condicionado com infraestrutura excelente, enquanto a defensoria pública geralmente é montada em uma sala ou em um galpão com divisórias e salas minúsculas. A partir daí, a gente vê que há uma escolha. A falta de acesso à Justiça não é algo que infelizmente acontece, é um projeto”.

Presos sem condenação

OAB / Advogados / advogado / advogada
Créditos: Michał Chodyra iStock

Hoje, há mais de 650 mil pessoas privadas de liberdade no país. Dessas, 197.331 são presos provisórios – que ainda não foram condenados –, e 141.289 estão em execução provisória – que aguardam recurso. Há ainda 334. 452 mil mandados de prisão pendentes de cumprimento, dos quais a grande maioria (306.252) é de procurados pela Justiça. Os demais estão foragidos (28.200).

Um mutirão organizado pelo CNJ resultou na soltura de 21 mil presos entre julho e agosto do ano passado. A iniciativa ocorreu após o Supremo Tribunal Federal (STF) reconhecer que há um “estado de coisas inconstitucional” no sistema prisional brasileiro, diante da superlotação dos presídios.

Marcio Ruzon, da Articulação Nacional pelos Familiares de Presos (Anfap), afirma que o que tem mitigado o problema de falta de acesso à Justiça é o trabalho “quase que missionário de ONGs e projetos que analisam os casos de forma gratuita”.

“Há um excesso da prisão preventiva e cautelar, que corresponde a 40% do continente carcerário. Triste número. Existem ONGs que analisam a execução penal, um dos grandes gargalos do sistema prisional, e outras que lutam para o fim do estado de coisas inconstitucional. As famílias nos procuram e nós emitimos relatórios junto aos advogados ativistas, que protocolam as denúncias nos órgãos responsáveis. A procura maior é por esse caminho”, diz.

Dificuldades e intimidação

A secretária Rafaela Silva relatou ao R7 as dificuldades e até intimidação que passou para obter acesso à assistência jurídica quando o atual marido foi preso por envolvimento no tráfico de drogas. O homem estava em liberdade condicional quando foi detido comprando maconha e ficou preso por oito anos.

“Eu era autônoma, não conseguia pagar valor de [advogado] particular. Não tinha muito acesso direto ao escritório do defensor público. Às vezes, tinha que ficar por e-mail, sem telefone em mãos, dependendo de lan house. Chegar no escritório dele tinha que ser por hora marcada, não podia chegar no horário que quisesse porque ele tinha os outros atendimentos. Além disso, o defensor tratava mal e deixava claro que um advogado particular cobraria caro”.

Segundo Rafaela ainda que, no final de 2019, conheceu um advogado que ajudava famílias que não tinham dinheiro para fazer consulta de processos ou algum pedido na Justiça. “Ele cobrava menos, um valor reduzido, para ajudar a família. E o preso sair mais rápido e ter a pena reduzida. Essas informações as famílias não conseguem ter com o defensor público. Eles não têm acesso ao WhatsApp e ao contato particular do defensor público, é só um e-mail que eles têm que responder por ordem de chegada, e assim vai.”

Uma estudante de direito que conversou com a reportagem e pediu para não ser identificada está com o marido preso em Bangu, no Rio de Janeiro, e disse que, por conhecer os trâmites, não teve dificuldade de fazer visitas e acompanhar processos, mas que ajuda famílias que não têm o mesmo acesso.

“O primeiro sufoco das famílias é como resolver a situação da carteira de visita. Porque, sem esse protocolo inicial, elas não conseguem levar muitas coisas, como bolsa de roupa, leite, açúcar, materiais necessários, essas coisas”, explica.

Segundo a entrevistada, a maioria das pessoas a procura por indicação de um advogado, que normalmente faz uma audiência de custódia, “mas não quer perder tempo com a família”.

“Porque a família não rende dinheiro. Aí, eu cobro uma taxa de R$150 a R$200 e faço essa documentação para eles irem ao Detran regularizar a carteira de visita, por exemplo”. Um atendimento desse, de acordo com pessoas da área jurídica, sairia entre R$ 2 mil e R$ 3 mil com um advogado.

Com informações do Portal R7.


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Ricardo Krusty
Ricardo Krusty
Comunicador social com formação em jornalismo e radialismo, pós-graduado em cinema pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

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