Representante dos autores do processo que levará o Supremo Tribunal Federal (STF) a julgar a aplicabilidade ou não do “direito ao esquecimento” na esfera civil, o advogado Roberto Algranti Filho iniciou audiência pública realizada nesta segunda-feira (12) para discutir o tema ressaltando a importância do direito à saúde na matéria. “Falando em direito ao esquecimento, lato sensu, ou, nesse caso, (em direito) da vítima, como não falar da saúde?”, questionou.
Argumentando que a questão é muito pouco abordada na doutrina, Algranti Filho citou a definição expressa na Revista Brasileira de Psiquiatria do stress pós-traumático, doença em que o paciente afirma viver somente um presente tenso, invadido pelas memórias do passado. “Isso não é retórico. É muito importante”, afirmou. Diante disso, o advogado ponderou se, tendo como referência o nosso sistema constitucional, seria razoável conceber a licitude da veiculação de uma tragédia, como a que envolve o processo, mesmo que o caso não seja contemporâneo, não tenha o interesse público evidente, não se trate de um fato verdadeiramente histórico, e, ao mesmo tempo, cause “comprovadamente” dano à saúde da vítima ou dos envolvidos.
O tema é tratado no Recurso Extraordinário (RE) 1010606, com repercussão geral reconhecida. O recurso foi interposto contra decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) que manteve sentença negando o pedido de reparação de danos feito pelos familiares da vítima de um crime de grande repercussão, ocorrido no Rio de Janeiro, na década de 1950. A família alega que o próprio tempo fez com que o crime fosse esquecido pela mídia e questiona a reconstituição e utilização do caso, sem autorização, em programa de TV. Pede indenização pela exploração comercial desautorizada de imagem pública de pessoa morta.
“Se fala muito dos requisitos ao direito ao esquecimento, restrições e características, mas eu vi muito pouco a análise da questão da saúde da vítima, se seria lícito matar para a vida quem quer que seja por uma notícia de interesse mórbido, de interesse do público, que eventualmente sirva para vender jornal, para vender publicidade, mas que não agregue nada de novo à sociedade”, argumentou. Essa ponderação, disse o advogado, é “essencial para a análise específica do direito ao esquecimento da vítima que, a meu ver, é muito mais dramático e sensível do que o próprio direito ao esquecimento gênero”.
Algranti Filho afirmou que o direito ao esquecimento tem sido tratado como um “tabu”, e não de forma técnica. Ele disse não acreditar que, caso venha a ser reconhecido, esse direito vá “cercear a liberdade de expressão ou servir de censura”. “Acredito, sim, que vai servir como uma referência para aqueles que exercem sua atividade de boa-fé, para saber até onde vai a licitude (do que é divulgado) a partir do momento em que se cause um dano terrível à pessoa noticiada pela matéria”, afirmou.
Ele acrescentou que o direito ao esquecimento não deve ser tratado de forma binária. “Entre o zero e o um, há um mundo de circunstâncias, e caberá aos magistrados, em todos os seus níveis e instâncias, sopesarem (quando esse direito for invocado por alguém)”, concluiu.
Fonte: Supremo Tribunal Federal