O índice de denúncias de assédio moral e sexual no ambiente de trabalho atingiu um aumento significativo, quase dobrando durante o primeiro semestre deste ano em comparação ao mesmo período de 2022.
Conforme dados fornecidos pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) à Universa, entre janeiro e junho de 2023, o órgão recebeu um total de 6.309 denúncias formais de assédio moral, representando um aumento de 90% em relação ao primeiro semestre do ano anterior. Além disso, 682 denúncias de assédio sexual foram registradas, denotando um aumento de 23% em relação ao ano passado.
A Universa também consultou o Tribunal Superior do Trabalho (TST), que compartilhou informações sobre processos abertos relacionados a assédio moral e sexual na Justiça trabalhista. Além disso, o Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), lançado em julho de 2023 e contendo informações referentes a 2022, forneceu dados essenciais. Em suma, os números revelaram o seguinte:
Ocorrências de crimes de assédio sexual aumentaram 49,7% entre 2021 e 2022 (FBSP);
Mais de 45 mil novos processos relacionados a assédio moral e sexual foram iniciados no primeiro semestre deste ano, totalizando aproximadamente 250 novas ações na Justiça do Trabalho diariamente. Essa quantidade de processos é 16% maior em comparação ao mesmo período do ano anterior (TST).
Ambos os conjuntos de dados sustentam a ideia de que as vítimas têm se pronunciado mais sobre casos de assédio moral e sexual. Isso não necessariamente ocorre devido a um aumento na criminalidade, mas sim porque as mulheres estão mais encorajadas a falar, como avaliado por Luanda Pires, advogada e diretora do Me Too Brasil, especializada em gênero e diversidade.
Juliana Brandão, pesquisadora do FBSP, também concorda que o aumento no número de denúncias (e ações judiciais) pode estar relacionado à maior divulgação de informações sobre o assunto, principalmente a partir de casos que ganharam destaque na mídia, como as denúncias coletivas de funcionárias da TV Globo e da Caixa Econômica Federal.
De acordo com Juliana Brandão, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, “Grandes casos levam vítimas a acreditarem na possibilidade de uma reparação”.
Outro fator que contribui para esse aumento é a mudança no entendimento legal. Desde 2019, a Organização Internacional do Trabalho reconhece que, em casos de assédio moral e sexual, assim como já ocorre em crimes como o estupro, há inversão do ônus da prova. Isso significa que não cabe mais à denunciante provar que é vítima, mas sim ao agressor provar que não assediou. Essa mudança torna as vítimas mais confortáveis para prosseguir com o processo e aumenta a confiança na Justiça.
No entanto, é importante estar ciente da subnotificação: muitas mulheres que são vítimas de assédio moral e sexual não denunciam. Para combater esse problema, é necessário um sistema de Justiça que proteja os direitos das vítimas. Como afirma Luanda Pires, do Me Too Brasil, “Para vencer a subnotificação, precisamos de uma Justiça que trabalhe para proteger direitos, e não instituições”.
Luanda Pires acredita que o Brasil está caminhando para uma Justiça mais eficaz para as mulheres. Um exemplo disso é o Protocolo para Julgamentos com Perspectiva de Gênero, elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça em 2021 e obrigatório desde março deste ano. Esse protocolo orienta juízes e advogados a considerar a perspectiva de gênero ao analisar casos envolvendo mulheres, inclusive evitando a revitimização.
Em relação à etnia, as mulheres negras enfrentam um impacto desproporcional. O Ministério Público do Trabalho e o Tribunal Superior do Trabalho não detalham informações sobre gênero e raça em seus bancos de dados. Entretanto, uma pesquisa realizada pelo LinkedIn e a consultoria de inovação social Think Eva em outubro de 2020 demonstrou que 52% das vítimas de assédio no trabalho são mulheres negras, e 49% delas recebem até 2 salários mínimos; apenas 8% das vítimas relataram ter renda superior a seis salários mínimos.
“A mulher negra sofre mais porque, em regra, está em uma posição de maior vulnerabilidade social e econômica”, afirma Luanda Pires.
O entendimento sobre assédio moral e sexual está em constante evolução. O assédio moral é descrito na resolução 351 do Conselho Nacional de Justiça, que o conceitua como o “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”. Isso inclui exigência de tarefas desnecessárias, discriminação, constrangimento e abalo psicológico.
É esperado que o Brasil em breve assine a Convenção 190 da Organização Internacional do Trabalho, que aborda o assédio moral e elimina a necessidade de que a prática seja reiterada. Se essa regra internacional for adotada no país, uma única conduta será suficiente para se enquadrar na definição de assédio moral.
Luanda Pires observa que o entendimento sobre assédio moral e sexual está evoluindo não apenas entre as vítimas e no sistema judiciário, mas também nas grandes empresas, que estão adotando iniciativas para prevenir essa prática entre seus funcionários.
“Existe uma movimentação recente da iniciativa privada de entender que o controle do assédio deve acontecer antes da prática em si, e não depois que ela ocorre”, afirma. “Para isso, as empresas estão buscando informações e mudando o comportamento em relação a denúncias, mas ainda de forma muito lenta”.
Essa mudança está sendo mais observada em grandes empresas, especialmente aquelas com ações nas bolsas internacionais ou operações internacionais. No entanto, empresas médias e pequenas em geral ainda estão distantes dessa perspectiva, e como os números demonstram, os casos de assédio moral e sexual continuam recorrentes.
Canais de Denúncia:
- Ministério Público do Trabalho: Denúncias pela internet
- Tribunal Superior do Trabalho: Denúncias por telefone: (61) 3043-8600
- Disque 180
- Organizações de acolhimento a vítimas de crimes sexuais, como o Me Too Brasil
Com informações do Universa/UOL.
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