O desaforamento de um caso se encerra com o veredito do júri popular. Por isso, na hipótese de execução provisória da pena – que ocorre apenas depois da confirmação da condenação em segunda instância –, ela deverá ser determinada pelo juízo originário da causa, e não pelo presidente do tribunal do júri onde se deu o julgamento.
Com esse entendimento, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou um pedido de habeas corpus apresentado pela defesa de três líderes do Movimento dos Sem Terra (MST) condenados por homicídio, que alegava incompetência do juiz originário para o ato que determinou a execução provisória.
De acordo com o relator do habeas corpus, ministro Antonio Saldanha Palheiro, a interpretação pacificada no STJ sobre o desaforamento é restritiva, pois se trata de uma exceção às regras de competência. O desaforamento, segundo a jurisprudência, não retira da comarca onde ocorreu o crime o processamento dos atos, mas tão somente o julgamento do fato.
O desaforamento costuma ser determinado para garantir um júri imparcial ou a segurança do julgamento.
Deslocamento de competência
Após a mudança de entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a possibilidade de execução provisória da pena quando confirmada a condenação em segundo grau, a defesa questionou se isso seria aplicável ao caso, já que a sentença – anterior àquela evolução jurisprudencial – havia determinado que se aguardasse o trânsito em julgado.
Para a defesa, mesmo que fosse possível a execução provisória, ela só poderia ter sido determinada pela comarca onde ocorreu o julgamento do tribunal do júri, já que o desaforamento implicaria o deslocamento de competência não só para julgar o fato, mas também os seus desdobramentos. A defesa invocou o artigo 668 do Código de Processo Penal (CPP), que prevê que a execução da pena, onde não houver juiz especial, incumbe ao juiz da sentença ou ao presidente do tribunal do júri.
Segundo o ministro Saldanha, no entanto, o artigo 668 diz respeito aos julgamentos originariamente designados ao tribunal do júri, diferentemente das situações de desaforamento.
Os ministros rejeitaram a tese de impossibilidade da execução provisória da pena devido ao fato de a sentença haver mencionado a exigência de trânsito em julgado.
Leia o Acórdão.
Fonte: Superior Tribunal de Justiça.
Ementa:
HABEAS CORPUS . PROCESSO PENAL. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. POSSIBILIDADE. ADOÇÃO DA NOVA ORIENTAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. DESAFORAMENTO. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA
COMARCA EM QUE O FEITO FOI DESAFORADO. HERMENÊUTICA JURÍDICA. NORMA EXCEPCIONAL QUE COMPORTA INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. DESLOCAMENTO DO FORO TÃO SOMENTE PARA A
REALIZAÇÃO DO TRIBUNAL POPULAR. DENEGAÇÃO DA ORDEM.
- A nova orientação consolidada pelo Supremo Tribunal Federal, trilhada por esta Corte, é no sentido de possibilitar a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário (HC n. 126.292/SP, relator o Ministro Teori Zavascki, Tribunal Pleno, DJe 17/5/2016).
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Em seguida, por 6 votos a 5, o Plenário do Pretório Excelso indeferiu as cautelares requeridas nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade n. 43 e 44, entendendo que o disposto no art. 283 do Código de Processo Penal não veda o início da execução penal após a condenação em segundo grau de jurisdição (DJe 7/10/2016).
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A Corte Suprema, por seu Tribunal Pleno, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada, reafirmando sua jurisprudência dominante, no sentido de que a “execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau recursal, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio
constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal” (ARE n. 964.246, Rel. Ministro Teori Zavascki, julgado em 11/11/2016). -
Não há que se falar em violação ao trânsito em julgado tão somente em função de ter constado no dispositivo da sentença a determinação proibitiva de se iniciar, provisoriamente, a execução da pena, uma vez que, naquela ocasião, era este o entendimento vigente na Pretória Corte, daí o porquê da aposição do comando “aguarde-se o trânsito em julgado” , ou similar teor, verificado em diversas das sentenças submetidas a exame desta Corte Superior.
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Caso contrário, a despeito da evolução jurisprudencial do STF, estaria o Poder Judiciário engessado ao assinalado pela
sentença de primeiro grau, afigurando-se verdadeiro paradoxo jurídico. -
De acordo com o teor dos arts. 70 e 69, I, ambos do CPP, via de regra, a competência dar-se-á pelo local da infração, pois presume-se que, no distrito da culpa, o acervo probatório será construído com maior robustez, adotando-se, nesse campo, a expressão latina do forum delicti comissi .
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No procedimento do Tribunal do Júri, a competência ratione loci revela-se ainda mais preponderante, haja vista que os jurados do local dos fatos, frise-se, leigos sob a ótica jurídica, decidirão com base em razões pessoais, influenciadas pela cultura social circunscrita àquela localidade.
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Contudo, excepcionando essa regra, além dos casos de atraso no julgamento e excesso de serviço (art. 428, CPP), o art. 427 do Código de Ritos Penais estabelece que, nas hipóteses em que o interesse da ordem pública o reclamar ou houver dúvidas sobre a imparcialidade do júri ou a segurança pessoal do acusado, poderá ser determinado o desaforamento do feito para comarca distinta, da mesma região, onde não
existam aqueles motivos, preferindo-se as mais próximas. -
Em se tratando de norma de exceção, a jurisprudência desta Corte Superior tem consagrado entendimento que sua interpretação deve se dar de forma restritiva (AgRg no REsp 1111687/RO, Rel. Ministro NILSON NAVES, SEXTA TURMA, julgado em 16/06/2009, DJe 14/09/2009).
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Aplicação hermenêutica. As normas positivas que estabelecem pena restringem o livre exercício dos direitos, ou contêm exceção a lei, submetem-se à interpretação estrita – Leges quoe poenam statuunt, aut liberum jurium exercitium
coarctant, aut exceptionem a lege continent, strictae subsunt
interpretation . -
Delimitação da incidência do instituto da perpetuatio jurisdicionais no Tribunal do Júri, tão somente para submeter a
sua solução todas as questões, incidentes ou não, que surgirem no curso do feito, quando serão solucionadas pelo
juízo da comarca destinatária do desaforamento, enquanto não findo o juízo popular. -
Não ocorrência de violação ao artigo 668 do CPP, tendo em vista tratar-se de norma afeta aos julgamentos originariamente designados ao Júri, o que não se revela quando da ocorrência do instituto do desaforamento. 13. Sob o panorama da interpretação sistemática que deve ser conferida no caso sub exame, forçoso concluir que o art. 427 do Código de Processo Penal não comporta interpretação
ampliativa, de modo que o deslocamento de competência dar-se-á tão somente quanto ao Tribunal Popular, ao passo que, uma vez realizado, esgota-se a competência da comarca destinatária, inexistindo, in casu, qualquer violação quanto à execução provisória determinada pelo juízo originário da causa, em observância à exegese do art. 70 do CPP. -
Ordem denegada.
HABEAS CORPUS Nº 374.713 – RS (2016/0270076-0)
RELATOR : MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
IMPETRANTE : EFENDY EMILIANO MALDONADO BRAVO E OUTROS
ADVOGADO : EFENDY EMILIANO MALDONADO E OUTRO(S) – RS082227
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO
SUL
PACIENTE : ANTONIO COSSETIN DE OLIVEIRA
PACIENTE : VALDECIR DE OLIVEIRA
PACIENTE : JOSE CENCI