É possível descontar prestações de empréstimo contratado pelo cliente na mesma conta corrente em que recebe seus proventos, não sendo razoável e isonômico aplicar a limitação legal aos descontos, de maneira arbitrária, a contrato específico de mútuo livremente pactuado com a instituição financeira.
Esse foi o entendimento majoritário da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar recurso que teve origem em uma ação proposta por cliente contra o Banco do Brasil.
O cliente, que é militar aposentado, tinha uma dívida em torno de R$ 114 mil decorrente de juros de cheque especial. Ele então firmou contrato de renegociação da dívida, a ser pago em 85 parcelas de pouco mais de R$ 2,5 mil. Entretanto, estava insatisfeito com os descontos, em torno de 50% dos seus proventos, feitos para o pagamento da dívida.
Desequilíbrio
O juízo de primeiro grau considerou parcialmente procedente o pedido do cliente e limitou o desconto em conta corrente ao montante de 30% de seus vencimentos líquidos. O banco e o cliente apelaram ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que negou provimento a ambos os recursos.
No STJ, o cliente alegou que a relação com o banco é de consumo e que o desequilíbrio contratual está caracterizado, pois o contrato é de adesão, pré-elaborado. Sustentou que a Constituição prevê a proteção ao salário, constituindo crime sua retenção dolosa.
Alegou ainda que o Código de Processo Civil (CPC) estabelece ser absolutamente impenhoráveis os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações e proventos de aposentadoria, e asseverou que o fato de ter autorizado os descontos não suprime a proibição ao banco de descontar percentual para pagamento das prestações contratuais, sendo necessária a autorização do titular para desconto de contrato de mútuo em folha de pagamento.
Adesão espontânea
De acordo com o relator do recurso, ministro Luis Felipe Salomão, consta da própria petição inicial que a adesão ao contrato de conta corrente onde o cliente recebe sua remuneração foi espontânea, e que os descontos das parcelas da prestação, “conjuntamente com prestações de outras obrigações firmadas com terceiros, conforme extrato que instrui a exordial, têm expressa previsão contratual e ocorrem posteriormente ao recebimento dos proventos do autor da ação, não caracterizando, pois, consignação em folha de pagamento”.
Para o ministro, não é razoável que apenas o banco não possa lançar mão de procedimentos legítimos para satisfação de seu crédito e que, eventualmente, em casos de inadimplência, seja privado, em contraposição aos demais credores, do acesso à Justiça para arresto ou penhora de bens do devedor.
Salomão lembrou que o contrato de conta corrente é contabilidade em que se registram lançamentos de créditos e débitos referentes às operações bancárias, conforme os recursos sejam depositados, sacados ou transferidos pelo próprio correntista ou por terceiros, “de modo que parece mesmo incompatível com a relação contratual/contábil vedar os descontos – ainda assim, apenas para as obrigações para com o banco –, visto que na conta corrente também são lançados descontos de terceiros, inclusive instituição financeira (cooperativa de crédito)”.
O ministro explicou que não é possível estabelecer limitação apenas aos empréstimos a envolver o banco e seu correntista, pois a mesma solução teria que ser adotada para pagamentos com cheques pós-datados, carnês e outras conhecidas formas de mútuos e pagamentos, sendo inadequado e dissociado da lei limitar o desconto em folha, denominado empréstimo consignado, e não o dinheiro mantido voluntariamente na conta corrente.
Fonte: Superior Tribunal de Justiça