Destinação de recursos de financiamento em finalidade diversa configura crime contra o Sistema Financeiro Nacional

Data:

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) deu provimento ao recurso em sentido estrito do Ministério Público Federal (MPF) para aceitar denúncia em desfavor de três acusados de atentar contra o Sistema Financeiro Nacional (SFN) e também para determinar o retorno dos autos à 4ª Vara da Seção Judiciária do Pará, cujo juízo a teria rejeitado por entender que não havia justa causa para a ação penal.

A denúncia atribuía aos acusados a prática dos delitos previstos nos artigos 19 e 20 da Lei nº 7492/86 que define os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. Os delitos dizem respeito, respectivamente, à obtenção mediante fraude de financiamento em instituição financeira e à aplicação em finalidade diversa da prevista em lei ou contrato, dos recursos provenientes de financiamento concedido por instituição financeira oficial ou instituição credenciada para repasse.

Em suas alegações, o MPF afirma que, em se tratando de crime contra o SFN, não se aplica o princípio da insignificância, “pois o bem jurídico tutelado é de natureza transindividual, que visa proteger a integridade física das finanças e do crédito”.

Para a relatora do caso, juíza federal convocada Rogéria Maria Castro Debelli, embora o magistrado no 1º grau tenha entendido que o valor obtido pelos acusados não punha em risco o Sistema Financeiro Nacional (pouco mais de R$ 15 mil), a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) afirma que a aplicação do principio da insignificância é caracterizada pela ofensa mínima ao bem jurídico tutelado, reduzido grau de reprovabilidade, inexpressividade da lesão e ausência de perigo social.

Segundo a magistrada, “a aferição da insignificância como requisito negativo da tipicidade requer uma análise muito mais abrangente que a simples expressão do resultado da conduta, sendo imperioso averiguar o desvalor da ação criminosa em seu sentido amplo, de modo a impedir que, a pretexto da insignificância apenas do resultado material, acabe desvirtuado o objetivo a que visou o legislador quando formulou a tipificação legal, além de representar um verdadeiro estímulo à prática de delitos, destacou a magistrada”.

Nesse sentido, a magistrada ressaltou que o bem jurídico protegido pelos artigos 19 e 20 da Lei nº 7.492/86 não é apenas o valor do empréstimo contratado, e que a norma visa garantir a correta aplicação dos recursos obtidos com o financiamento. “Tal espécie contratual oferece ao tomador vantagens em função exatamente desta finalidade de alavancar pequenos empreendedores, de modo a promover o desenvolvimento econômico e social do país, não se identificando, portanto, como indiferente penal, eis que o Estado é sujeito passivo principal do delito, sofrendo consequências graves que vão além da quantia do financiamento”, afirmou. “O bem jurídico tutelado não é exclusivamente material e patrimonial, mas também o sistema financeiro como um todo, que, para a sua solidez e desenvolvimento, necessita de segurança e credibilidade”, concluiu.

A 4ª Turma, responsável pelo julgamento do caso, acatou o voto da relatora e decidiu pelo provimento do recurso em sentido estrito do Ministério Público por unanimidade.

Entenda o caso

Consta dos autos que um dos acusados teria atestado falsamente que atendia aos requisitos necessários para obter financiamento por meio do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), ao fraudar a condição de assentado do Projeto de Assentamento Rio da Esquerda – também conhecido como PA São Sebastião. Posteriormente à obtenção de pouco mais de R$ 15 mil com o financiamento, com a ajuda dos outros dois acusados, este primeiro teria simulado uma compra e venda de bovinos objetivando dar destinação diversa ao crédito adquirido.

Processo nº: 0021126-27.2013.4.01.3900/PA - Acórdão

Data de julgamento: 09/09/2017
Data de publicação: 25/08/2017

AL

Autoria: Assessoria de Comunicação Social
Fonte: Tribunal Regional Federal da 1ª Região - TRF1

Ementa

PENAL. PROCESSO PENAL. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. ART. 19 E ART. 20 DA LEI N. 7.492/1986. CRIME FORMAL E INSTANTÂNEO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO.

  1. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, para se caracterizar hipótese de aplicação do princípio da insignificância e, assim, afastar a recriminação penal, é indispensável que a conduta do agente seja marcada por ofensividade mínima ao bem jurídico tutelado, reduzido grau de reprovabilidade, inexpressividade da lesão e nenhuma periculosidade social.

  2. A aferição da insignificância como requisito negativo da tipicidade requer uma análise muito mais abrangente que a simples expressão do resultado da conduta, sendo imperioso averiguar o desvalor da ação criminosa em seu sentido amplo, de modo a impedir que, a pretexto da insignificância apenas do resultado material, acabe desvirtuado o objetivo a que visou o legislador quando formulou a tipificação legal, além de representar um verdadeiro estímulo à prática de delitos.

  3. O bem jurídico protegido pelos arts. 19 e 20 da Lei n. 7.492/86 não é apenas o valor do empréstimo contratado, por isso que visa garantir a correta aplicação dos recursos obtidos com o financiamento, já que tal espécie contratual oferece ao tomador vantagens em função exatamente desta finalidade de alavancar pequenos empreendedores, de modo a promover o desenvolvimento econômico e social do país, não se identificando, portanto, como indiferente penal, eis que o Estado é o sujeito passivo principal do delito, sofrendo consequências graves que vão além da simples quantia do financiamento e de eventuais prejuízos, na espécie, ao PRONAF 'A'.

  4. Trata-se de delito formal e instantâneo, em face do que sua consumação ocorre no momento da aplicação em finalidade diversa da prevista em lei ou contrato, recursos provenientes de financiamento concedido por instituição financeira oficial ou por instituição credenciada para repassá-lo, sendo que o bem jurídico tutelado não é exclusivamente material e patrimonial, mas também o sistema financeiro como um todo, que, para a sua solidez e desenvolvimento, necessita de segurança e credibilidade.

  5. Recurso provido.

(TRF1 - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO 0021126-27.2013.4.01.3900/PA - Processo na Origem: 211262720134013900. RELATOR(A) : JUIZA FEDERAL ROGÉRIA MARIA CASTRO DEBELLI(CONVOCADA) RECORRENTE : JUSTICA PUBLICA PROCURADOR : MELINA ALVES TOSTES RECORRIDO : EDICARLOS VIDAL ROCHA ADVOGADO : PA00013894 - JULIANA DE ANDRADE LIMA E OUTROS(AS) RECORRIDO : ELIAS RIBEIRO DA MATA RECORRIDO : JOABIO MARTINS DOS SANTOS DEFENSOR COM OAB : DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO - DPU. Data de julgamento: 09/09/2017. Data de publicação: 25/08/2017)

Juristas
Juristashttp://juristas.com.br
O Portal Juristas nasceu com o objetivo de integrar uma comunidade jurídica onde os internautas possam compartilhar suas informações, ideias e delegar cada vez mais seu aprendizado em nosso Portal.

Deixe um comentário

Compartilhe

Inscreva-se

Últimas

Recentes
Veja Mais

Modelo de contrato de prestação de serviços de Personal Trainer para Triatetlas

O presente contrato tem por objeto a prestação de serviços de personal trainer especializado em treinamento para triatletas, com o objetivo de melhorar o desempenho do Contratante nas modalidades de natação, ciclismo e corrida.

Empresa de fotos e vídeos condenada por falha em filmagem de casamento

A 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) confirmou a decisão da Comarca de Lavras que responsabilizou uma empresa de fotografia e vídeo a pagar R$ 10 mil por danos morais e R$ 1,4 mil por danos materiais a uma noiva, devido a falhas na filmagem de seu casamento.

Homem trans será indenizado por não ter nome social reconhecido em registro bancário

A 18ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) alterou uma decisão inicial e determinou que um banco indenize um homem trans em R$ 10 mil por danos morais devido ao não reconhecimento do seu nome social nos registros bancários.

Justiça condena hospital, plano de saúde e médico a indenizar paciente por erro em cirurgia

A 14ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) confirmou uma decisão da Comarca de Belo Horizonte que responsabiliza um hospital, um médico anestesista e um plano de saúde pelo pagamento de indenizações à uma paciente, totalizando R$ 200 mil, divididos igualmente entre danos morais e estéticos.