Os desembargadores da 3ª Câmara Cível deram provimento ao recurso interposto por A.M.P., inconformada com a decisão proferida nos autos da Ação de Obrigação de Fazer, que indeferiu seu pedido de tutela provisória de urgência.
Consta do processo que A.M.P. é portadora de artrose nos quadris direito e esquerdo, redução dos espaços articulares coxofemorais bilateralmente, com piora esquerda, e necessita de procedimento cirúrgico com urgência, em razão do sofrimento intenso causado pela dor, incapacidade física e possibilidade de complicações clínicas pelo uso excessivo de medicamentos, correndo o risco de ser obrigada a utilizar cadeira de rodas.
A apelante alega que juntou aos autos a documentação referente ao diagnóstico e prognóstico de seu estado clínico, dentre eles o laudo médico que relata com detalhes a necessidade do procedimento cirúrgico.
Sustenta que o laudo médico atestado por quem efetivamente a examinou e recomendou a cirurgia pleiteada é de extrema importância e há de ser valorizado, pois atesta a urgente necessidade de intervenção cirúrgica, ao contrário do parecer do Núcleo de Apoio Técnico (NAT), que somente analisou documentos.
O parecer da Procuradoria-Geral de Justiça é pelo provimento do recurso.
Para o relator do processo, Des. Eduardo Machado Rocha, o direito à saúde, além de ser direito fundamental a todas as pessoas, é indissociável do direito à vida, não podendo o poder público mostrar-se indiferente aos problemas que o macule, sob pena de incorrer em omissão, como neste caso.
O relator citou ainda a Lei nº 8.080/90, que criou o Sistema Único de Saúde, editada com fundamento na Constituição da República e que classifica a saúde como um direito de todos e dever do Estado (União, Estados-membros e Municípios), dispondo no art. 4º que o conjunto de ações e serviços de saúde devem ser prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta, e das fundações mantidas pelo poder público.
“Cabe asseverar que, diante da possibilidade de eventual conflito de princípios constitucionais, deve prevalecer o direito à vida e o da dignidade da pessoa humana, porquanto sobrepõem a quaisquer outros que possam ser invocados, como o da supremacia do interesse público sobre o privado. Sopesando o interesse econômico do Estado e o direito subjetivo inalienável do direito à vida e saúde, deve-se privilegiar o respeito inafastável à vida e à saúde humana”.
Por fim, salientou o desembargador que, em casos como este, o Estado tem obrigação de implementar políticas sociais a fim de assegurar o direito à saúde, não podendo justificar sua omissão alegando limitação orçamentária e cláusula da reserva do possível, sem demonstração objetiva da impossibilidade, uma vez que se trata de direito subjetivo fundamental constitucionalmente previsto, que deve ser atribuído o sentido de maior eficácia possível a fim de conferir o mínimo existencial.
“Ante o exposto, conheço do recurso e, com o parecer, dou-lhe provimento para conceder parcialmente a antecipação da tutela, a fim de determinar que os agravados providenciem, no prazo de 30 dias, o tratamento cirúrgico de artroplastia total do quadril, com os materiais disponibilizados pelo SUS, sob pena de multa diária de R$ 2.000,00 até o limite de 30 dias, para a hipótese de descumprimento da ordem judicial”.
Processo nº 1409382-66.2016.8.12.0000 – Acórdão
O art. 196 da Constituição Federal prescreve que é dever do Estado garantir o acesso universal e igualitário das pessoas à saúde, estando este dever constitucional acima de qualquer lei, portaria ou qualquer outro ato normativo, porquanto o que se visa garantir é o direito primordial à vida.
O art. 23 da Constituição Federal estabelece que: “É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (…) II – cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;”
A alegação de limitação orçamentária e cláusula da reserva do possível, não justifica a omissão do Poder Público, sem demonstração objetiva da impossibilidade, uma vez que se trata de direito subjetivo fundamental constitucionalmente previsto, que deve ser atribuído o sentido de maior eficácia a fim de conferir o mínimo existencial.
Consoante dispõe o artigo 300 do Novo Código de Processo Civil: “A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”. Assim, presente tais requisitos, a reforma da decisão agravada, que indeferiu a antecipação dos efeitos da tutela de urgência é medida que se impõe.
Comprovada a enfermidade, bem como a necessidade da realização do procedimento cirúrgico, prescrito por médico habilitado, aliado a ausência de condições econômicas da parte autora em adquiri-los, compete aos entes públicos seu fornecimento, devendo o parecer desfavorável do Câmara Técnica de Saúde (CATES), órgão de índole consultiva, ser desconsiderado.
(TJMS – Relator(a): Des. Eduardo Machado Rocha; Comarca: Campo Grande; Órgão julgador: 3ª Câmara Cível; Data do julgamento: 22/11/2016; Data de registro: 29/11/2016)