Magistrada julgou improcedente ação civil pública do MPT-SP por entender que contratos de trabalho devem ser analisados ‘sem romantismo’
A juíza do trabalho Shirley Aparecida de Souza Lobo Escobar, da 37ª Vara do Trabalho de São Paulo, julgou improcedente o pedido de reconhecimento de vínculo empregatício de entregadores do iFood e da Rapiddo, empresa do mesmo grupo.
A sentença de improcedência foi em uma ação civil pública do MPT-SP (Ministério Público do Trabalho de São Paulo), que ainda espera ser intimado da decisão.
Destaque-se também que ainda cabe recurso à decisão, que classificou esses trabalhadores como autônomos.
A magistrada alega, em sua decisão, que a organização do trabalho entre entregadores e o iFood é inovadora por ser intermediado por tecnologia e mostra-se útil como resposta às demandas da sociedade.
“Com a tecnologia e outros fatores sociais evoluímos para uma sociedade plural, multifacetada, com interesses muito variados e compostas por indivíduos com anseios igualmente variados”, afirma a magistrada na sentença.
A sentença, portanto, declara como lícito o modelo de negócio da empresa com o consequente reconhecimento de que a prestação de serviços dos entregadores, em regra, ocorre nos moldes de trabalho autônomo.
O Ministério Público do Trabalho de São Paulo (MPT-SP) destaca que “a convicção da tese defendida pelo órgão está robustamente firmada em autos de infração, minuciosos relatórios de fiscalização, depoimentos e provas produzidas em juízo. Desta forma, irá recorrer da decisão de primeira instância.
A juíza do trabalho Shirley Aparecida de Souza Lobo Escobar, em sua sentença, ainda destacou, que se deve observar contratos de emprego “sem romantismo”.
Lobo Escobar afirma que “é de se esperar que haja uma parcela significativa da população com habilidades, capacidades e ânimo para o trabalho de outra forma que não em contrato de emprego e, existindo mecanismos capazes de gerar tais oportunidades de trabalho, devem ser regulados com o objetivo de cumprirem sua função social”.
O Ministério Público requereu, ainda, uma multa de no mínimo R$ 24.000.000,00 (vinte e quatro milhões de reais) —5% (cinco por cento) do faturamento bruto do grupo — a título de indenização por danos morais coletivos e sustentava que os motofretistas sofriam com a “servidão digital” do aplicativo.
De acordo com a magistrada Lobo Escobar, os entregadores detêm o meio de produção, logo “possuí-lo o afasta da figura do empregado que presta seus serviços utilizando-se dos meios de produção do empregador e o aproxima mais da figura de autônomo”, diz.
Ademais, como o entregador se dispõe a trabalhar como e quando quiser, não caracteriza estar refém das determinações do aplicativo iFood.
Em nota à Folha de S. Paulo, Fabricio Bloisi, presidente do iFood, comemorou a decisão da Justiça do Trabalho de São Paulo. “Celebramos essa decisão histórica no país e no mundo que preserva o direito de profissionais optarem por atuar de forma flexível e destaca que a economia está mudando com as novas tecnologias —temos que pensar juntos em como criar leis modernas que, ao mesmo tempo, gerem a estes profissionais renda, oportunidade e bem estar, trazendo crescimento e desenvolvimento econômico ao nosso país— este é o futuro”.
A nota do iFood também afirma que a empresa persiste com o compromisso de dialogar e continuar oferecendo oportunidades de geração de renda para os entregadores que escolhem o aplicativo.
O advogado Ciro Ferrando de Almeida, sócio do Tenório da Veiga Advogados, que representa o iFood no caso ora noticiado, diz que a decisão é bastante emblemática para a empresa, pois reconhece as especificidades do modelo de negócio. “É muito importante que haja a superação de uma premissa de que somente o vínculo de emprego protege o trabalhador”, diz.
O inquérito civil da Procuradoria do Trabalho de São Paulo que deu origem à ação civil pública se baseou um outro processo, no qual a Loggi é ré. A sentença desse caso saiu antes e foi favorável ao pedido do Ministério Público do Trabalho. O advogado Almeida afirma que a sentença da Loggi criou uma insegurança no setor.
“O que a gente viu agora é que essa decisão acalmou o mercado”, diz. Rodrigo Takano, do escritório Machado Meyer, diz que, para a juíza do caso, o trabalho autônomo também é protegido por lei e esse é o enquadramento cabível aos que atendem esses aplicativos de entrega. “Como trabalhador empregado, você tem uma série de direitos, mas uma série de deveres, que esse prestador não tem com os aplicativos. É um entendimento também de que não é razoável imaginar que todo mundo queira trabalhar da maneira formal”, destaca.
(Com informações de Amanda Lemos e Fernanda Brigatti da Folha de S. Paulo)