O UOL obteve documentos junto ao Arquivo Nacional, a pesquisadores e no acervo da CNV (Comissão Nacional da Verdade) que revelam ações de José Sarney e das Forças Armadas para abafar crimes pós-ditadura (a partir de 1985). A ideia era evitar punição a agentes do Estado acusados de assassinatos, sequestros e torturas no regime. Houve expedição de relatórios com monitoramento de vítimas, familiares, políticos e partidos que solicitaram investigação sobre crimes.
De acordo com os documentos, produzidos entre 1985 e 1991, o ex-presidente orientou as instituições para conter o “revanchismo” de ambos os lados, por meio de movimentos de autoproteção dos militares e desqualificação das vítimas denunciantes. Um dos principais nomes denunciados era o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra (1932-2015).
Um relatório do Centro de Informações da Marinha, de 1985, afirmava que havia no Brasil “uma série de movimentos de denúncias de torturas e outros que buscam localizar os desaparecidos no tempo de luta armada e tentam, ainda, responsabilizar a União pelas mortes”.
Ele foi elaborado após denúncia emblemática da atriz e então deputada federal Bete Mendes, que afirmou a Sarney ter sido torturada por Ustra. No documento, estava escrito: “O caso do coronel Ustra fez com que o ministro do Exército mandasse expedir nota ao público interno manifestando apoio àquele oficial e a todos que haviam atuado contra a subversão e o terrorismo. Entretanto, o vazamento do documento trouxe nova onda de reações, especialmente de parlamentares, provocando nas lideranças políticas manifestações de apreensão pela intensidade dos ataques”.
Em outros documentos, constam críticas à Arquidiocese de São Paulo, que publicou o livro “Brasil: Nunca Mais”, com denúncias de torturas daquela época.
Em 2007, Sarney detalhou, em entrevista à cientista política Glenda Mezarobba, cuja pesquisa de doutorado na USP falava sobre o tratamento do Estado brasileiro perante as graves violações de direitos humanos ocorridas na ditadura, que “tinha muito cuidado em não permitir qualquer tipo de revanchismo, tanto à esquerda quanto à direita”.
Outro documento do comando do Exército no Rio de Janeiro, de 1985, cita a exoneração do tenente-coronel Valter Jacarandá, então subchefe do Estado-Maior do Corpo de Bombeiros do Rio, por Leonel Brizola, após José Carlos Monteiro, integrante do PCdoB e ligado a “ala Prestes” do partido, ter acusado o militar de tortura. O documento afirma que a atitude “configura um clima de revanchismo, que poderá se estender por outros setores”.
Jacarandá depôs às comissões Nacional e Estadual da Verdade em 2013 e confessou ter participado de sessões de tortura.
Lucas Predetti, historiador e ex-assessor da Comissão da Verdade do Rio, ressaltou que, em suas pesquisas para a tese doutorado na UFRJ, encontrou vários arquivos que falam da preocupação de militares com os movimentos de investigação: “No momento em que começam a surgir as primeiras denúncias de violações de direitos humanos, os militares se organizam e vão começar a construir todo um discurso não só para justificar a atuação durante a ditadura, mas também para desqualificar os familiares e os movimentos sociais que se organizam para denunciar as violências do regime”.
Mezarobba, autora do livro “Um Acerto de Contas com o Futuro: A Anistia e Suas Consequências – Um Estudo do Caso Brasileiro”, conduziu parte da interlocução com o Ministério da Defesa e as Forças Armadas em busca de esclarecimento sobre os casos de mortes e desaparecimentos forçados ocorridos no período.
O diálogo envolveu a leitura, por parte dos militares, de documentos produzidos pelos serviços de segurança e inteligência. A cientista política destaca que a postura agressiva de Bolsonaro não reflete a visão majoritária das Forças Armadas, que se mostra compromissada com os valores democráticos e não está interessado em recriminações de grupo.
(Com informações do Uol)