Estrangeiro que trabalhou no Mais Médicos não tem direito adquirido à contratação

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Programa Mais Médicos
Créditos: Michał Chodyra / iStock

A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso de um médico cubano que buscava permanecer no Programa Mais Médicos. Para o colegiado, a lei que estabeleceu o programa deixou expresso que não havia garantia quanto à continuidade do vínculo de trabalho para os profissionais estrangeiros.

Na origem do caso, o médico ajuizou ação ordinária pretendendo a declaração de inexistência de relação jurídica entre a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), entidade contratante, e o governo de Cuba. O objetivo da ação judicial era garantir a continuidade do profissional no Mais Médicos como contratado direto do governo brasileiro.

A sentença destacou que, embora o demandante da ação judicial buscasse tratamento igualitário com os demais médicos inscritos no programa, a colaboração de profissionais estrangeiros sempre teve nítido caráter precário, não existindo direito subjetivo à prorrogação.

No recurso dirigido ao Superior Tribunal de Justiça, o médico cubano alegou que o inciso II do parágrafo 2º do artigo 13 da Lei 12.871/2013, que criou o programa, não faz distinção entre brasileiros e estrangeiros, e o edital lançado em 2016 não poderia ter convocado novos profissionais sem antes chamar os cooperados.

O médico cubano afirmou também que a contratação de profissionais estrangeiros deveria ser realizada à luz da cooperação técnica entre instituições, com base em atos do Poder Executivo regulamentando a Lei 12.871/2013.

Cooperação internacion​​al

De acordo com o ministro Mauro Campbell Marques, relator do recurso, o termo “cooperação” – citado pelo médico –, no âmbito dos atos administrativos, precisa ser interpretado à luz dos princípios que o Brasil deve observar em suas relações internacionais.

“O termo ‘cooperação’ não pode se restringir às especificidades do trabalho de um cidadão estrangeiro. A finalidade desse termo comporta significado muito maior; trata-se, na verdade, de uma cooperação mútua entre os povos com o fim de promover o progresso da humanidade, tal como dispõe a norma expressa do artigo 4º, IX, da Constituição Federal de 1988”, explicou.

Ele ressaltou trechos dos artigos 17 e 18 da lei que criou o Mais Médicos, segundo os quais não há, para os médicos estrangeiros, o direito adquirido de permanecer nos quadros de agentes públicos de saúde.

“Assim, o recorrente não pode visar a sua permanência no Programa Mais Médicos para o Brasil a partir da condição de ser (ou de já ter sido) vinculado a esse programa social”, concluiu.

Não houve violação da isonomia, de acordo com o relator, tendo em vista que cabe ao Poder Executivo suprir as vagas na ordem de preferência estabelecida na lei que criou o programa. O ministro considerou ainda que o Judiciário não pode intervir no juízo de discricionariedade da administração pública, salvo para a defesa dos parâmetros da legalidade.

Demais violaç​ões

Sobre as alegações adicionais feitas pelo profissional – de violação da dignidade e de salário muito inferior aos dos profissionais brasileiros –, o ministro afirmou que não é possível constatar as supostas transgressões.

“Não há indícios de que os médicos cooperados suportaram tratamentos autoritários contra a sua concepção de pessoa. Não se verifica, ademais, que o valor social do trabalho realizado no programa lhes foi negligenciado”, declarou o relator.

Da mesma forma, Mauro Campbell Marques destacou que o valor da remuneração paga ao médico cooperado não denota violação do princípio do valor do trabalho porque supera o salário mínimo e porque o recorrente aderiu espontaneamente aos termos da Opas.

(Com informações do Superior Tribunal de Justiça – STJ)

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO N. 3/STJ. “PROJETO MAIS MÉDICOS DO BRASIL”. MÉDICO DE NACIONALIDADE ESTRANGEIRA COOPERADO. DIREITO SUBJETIVO DE PERMANÊNCIA NO PROGRAMA SOCIAL. INEXISTÊNCIA. RECURSO ORDINÁRIO NÃO PROVIDO.
1. Não há disposições constitucionais determinando a contratação de estrangeiros pelo Poder Público no âmbito da saúde pública. Ademais, tem-se que o termo cooperação em atos do Poder Executivo regulamentando a Lei n. 12.871/2013 deve ser interpretado à luz dos princípios que o Brasil deve observar em suas relações internacionais. Assim, o termo “cooperação” não pode se restringir às especificidades do trabalho de um cidadão estrangeiro. A finalidade desse termo comporta significado muito maior, trata-se, na verdade, de uma cooperação mútua entre os povos com o fim de promover o progresso da humanidade, tal como dispõe a norma expressa do art. 4º, IX, da CF/1988.
2. Não se observa desrespeito aos princípios da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho. Não há indícios de que os médicos cooperados suportaram tratamentos autoritários contra a sua concepção de pessoa. Não se verifica, ademais, que o valor social do trabalho realizado no programa lhes foi negligenciado. Ademais, o valor da remuneração líquida do médico cooperado não denota violação do princípio do valor do trabalho porque supera o salário mínimo e porque o recorrente aderiu espontaneamente aos termos previstos junto à OPAS.
3. O Brasil é um Estado Democrático soberano nos termos do art. 1º, I, da CF/1988. Logo, possui capacidade de editar suas próprias normas, sua própria ordem jurídica, de tal modo que qualquer regra heterônoma só possa valer nos casos e nos termos admitidos pela própria Constituição. Nesses termos, as deliberações políticas e legislativas do Estado Brasileiro devem ser observadas na formulação e manutenção de políticas públicas inclusive no âmbito da saúde pública.
4. No caso dos autos, a Lei n. 12.871/2013 criou o “Programa Mais Médicos” com a finalidade de formar recursos humanos na área médica para o Sistema Único de Saúde. Sem ignorar os desafios presentes na saúde pública brasileira, cabe ressaltar que o art. 13 e seguintes da Lei n. 12.871/2013 instituiram o “Projeto Mais Médicos para o Brasil”, no qual foi possibilitada a contratação de médicos estrangeiros.
5. Entre as disposições pertinentes ao “Projeto Mais Médicos para o Brasil”, a inexistência de direito adquirido para os médicos estrangeiros de permanecer nos quadros de agentes públicos da saúde pública foi expressamente prevista. A propósito, os arts. 17 e 18, § 3º, ambos da Lei n. 12.871/2013. Assim, o recorrente não pode visar a sua permanência no “Projeto Mais Médicos para o Brasil” a partir da condição de ser (ou de já ter sido) vinculado a esse programa social.
6. O princípio da isonomia não foi maculado em face de novo Edital impedindo a admissão do ora recorrente, pois cabe ao Poder Executivo suprir as vagas na ordem de preferência estabelecida no art. 13, § 1º, da Lei n. 12.871/2013. O recorrente não se encontra em igualdade com outros médicos estrangeiros cuja contratação pode se realizar pessoalmente, sem a intervenção de uma organização internacional.
7. O art. 13, § 3º, da Lei n. 12.871/2013 confirma a discricionariedade da coordenação do Projeto Mais Médicos para o Brasil (exercida pelos Ministérios da Educação e da Saúde) para o funcionamento desse programa social.
8. Não cabe ao Judiciário intervir no juízo de discricionariedade, salvo para afastar ilegalidades. Precedentes.
9. Não demonstradas violações de preceitos constitucionais e infraconstitucionais, não é possível garantir a permanência do recorrente no “Projeto Mais Médicos para o Brasil”.
10. Recurso ordinário não provido.
(STJ – RECURSO ORDINÁRIO Nº 213 – DF (2019/0024798-0) RELATOR : MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES RECORRENTE : YUREX ALBERTO DIAZ MORALES ADVOGADOS : ERFEN JOSÉ RIBEIRO SANTOS – DF026784 ANDRE DE SANTANA CORREA E OUTRO(S) – DF025610 ELIAS SOARES DA COSTA – DF033784 RECORRIDO : UNIÃO RECORRIDO : REPÚBLICA DE CUBA RECORRIDO : ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DE SAÚDE – OPAS ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS – SE000000M. Data do Julgamento: 05/12/2019)
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