Funasa deve indenizar ex-agente de saúde intoxicado com DDT

Data:

Funasa deve indenizar ex-agente de saúde intoxicado com DDT | Juristas
Créditos: BrunoWeltmann / Shutterstock.com

Em sessão de julgamento, por unanimidade, os desembargadores da 2ª Câmara Cível negaram provimento ao recurso interposto pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e mantiveram a condenação do órgão ao pagamento de R$ 30 mil de indenização a V.B. de M., agente público que ficou doente em decorrência da inalação de inseticidas no desempenho da função.

Consta do processo que V.B. de M. iniciou o trabalho como agente público de saúde em 1975, na função de combate a epidemias, incluindo a malária, e usando o inseticida dicloro-difenil-tricloroetano (DDT). Como o produto é tóxico para o organismo humano, o apelado apresentou quadro de intoxicação em razão da exposição a esses inseticidas.

A apelante defende a prescrição da pretensão do autor, haja vista que na inicial alegou que há décadas sofre problemas de saúde decorrentes da intoxicação pela manipulação do DDT na época que desempenhava a função de agente público de saúde, ou seja, muito antes do ajuizamento da ação, fato que ocorreu em 2001.

Argumenta ainda que estava no exercício regular do seu direito, pois era sua responsabilidade o combate e prevenção a vetores endêmicos e, por isso, era necessário fazer uso desses produtos, inclusive tendo autorização dos órgãos estatais para tal prática.

Alega também que a responsabilidade jurídica não cabe nesse caso, pois apenas se dirige à pessoa jurídica ou de direito privado prestadora de serviço público que cause danos a terceiros por meio de ato de seu agente.

Ressalta que os agentes passaram por treinamentos e capacitações no manuseio do DDT e de outros produtos químicos, bem como houve a disponibilização de proteção individual e também havia o adicional de insalubridade pago a seus trabalhadores.

Aponta que eventuais sintomas ou doenças observadas em agentes públicos expostos ao tóxico em questão estão relacionadas a causas diversas como alcoolismo, uso de drogas, obesidade, hipertensão arterial, distúrbios cardiovasculares, entre outros, e defende que não existe ligação entre o dano causado e a exposição do autor ao DDT, sendo esse produto mais seguro que muitas substâncias químicas de uso geral doméstico.

Busca o reconhecimento da prescrição e extinção do feito e, em caso de rejeição, pede que o pedido inicial seja julgado improcedente e, se também não houver o provimento, que seja reduzido o valor da indenização fixado na sentença de primeiro grau.

No entendimento do relator, juiz convocado Jairo Roberto de Quadros, a preliminar de prescrição de pretensão do autor não merece prosperar, pois o fato de alegar que há muito sofre por conta da inalação de produtos tóxicos não significa dizer que à época tivesse plena ciência da correlação com as patologias apresentadas, o que só foi comprovado a partir de atestado médico emitido em 2000, no qual o médico comprova que o quadro de saúde do autor é compatível com intoxicação crônica por inseticidas.

“Não há que se falar de prescrição da pretensão, uma vez que o autor só ajuizou a demanda quando tinha certeza do que os danos causados a sua saúde se tratavam, em 2001, de posse dos exames probatórios, logo, não havia ultrapassado o lapso temporal previsto para situações desse tipo, por isso, a sentença deve ser mantida nesse sentido”, afirmou o relator.

O magistrado argumenta ainda que é o caso de responsabilidade objetiva, pois para responsabilizar o ente estatal basta o nexo causal entre o dano produzido e a atividade desempenhada, independente da verificação da culpa. Segundo ele, nesse caso trata-se de dano causado pela administração a um de seus agentes, uma vez que este foi intoxicado por produtos químicos enquanto trabalhava, situação que configura violação ao direito constitucional à saúde.

Em relação ao valor da indenização, o relator afirma que deve ser fixado de maneira equitativa e em conformidade com a extensão do prejuízo, não podendo ser irrisório de maneira que nada represente para o ofensor nem pode ser exagerado de modo a promover o enriquecimento ilícito por parte da vítima.

“O valor da indenização tem que representar quantia proporcional a fim de cumprir seu caráter pedagógico para com o ofensor sem, contudo, proporcionar enriquecimento ilícito ao ofendido, então, o valor fixado na inicial se mantém. Ante o exposto, conheço do recurso, mas nego provimento, mantendo incólume o decisum objurgado”.

Processo nº 0007082-52.2012.8.12.0002 – Acórdão

Autoria: Secretaria de Comunicação do TJMS
Fonte: Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul

Ementa:

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – PRESCRIÇÃO – NÃO OCORRÊNCIA – INTOXICAÇÃO NO EXERCÍCIO DE ATIVIDADE LABORAL – USO DE PRODUTO QUÍMICO NO COMBATE À MALÁRIA – EXPOSIÇÃO INDEVIDA DE AGENTE À INSETICIDA – RESPONSABILIDADE OBJETIVA – RISCO ADMINISTRATIVO – DANOS MORAIS CONFIGURADOS – QUANTUM INDENIZATÓRIO MANTIDO – PREQUESTIONAMENTO – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO.
1. O termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral.
2. A responsabilidade por danos causados pela Administração contra seus agentes, no exercício da função, por intoxicação devido ao manuseio de produto químico utilizado no combate à epidemias, é objetiva pelo risco administrativo.
3. Para fixação dos danos morais o julgador deve orientar-se pelos critérios adotados pela doutrina e pela jurisprudência, com atenção ao princípio da razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso.
4. Se o julgador aprecia integralmente as matérias que lhe são submetidas, se torna despicienda a manifestação expressa acerca de dispositivos legais utilizados pelas partes como sustentáculo às suas pretensões.
(Relator(a): Juiz Jairo Roberto de Quadros; Comarca: Dourados; Órgão julgador: 2ª Câmara Cível; Data do julgamento: 09/11/2016; Data de registro: 10/11/2016)

Wilson Roberto
Wilson Robertohttp://www.wilsonroberto.com.br
Advogado militante, bacharel em Administração de Empresas pela Universidade Federal da Paraíba, MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas, professor, palestrante, empresário, Bacharel em Direito pelo Unipê, especialista e mestre em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa. Atualmente é doutorando em Direito Empresarial pela mesma Universidade. Autor de livros e artigos.

Deixe um comentário

Compartilhe

Inscreva-se

Últimas

Recentes
Veja Mais

Concessionária de energia é condenada a indenizar usuária por interrupção no fornecimento

A 33ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a condenação de uma concessionária de energia ao pagamento de R$ 10 mil por danos morais a uma usuária que ficou sem fornecimento de energia elétrica por quatro dias, após fortes chuvas na capital paulista em 2023. A decisão foi proferida pelo juiz Otávio Augusto de Oliveira Franco, da 2ª Vara Cível do Foro Regional de Vila Prudente.

Homem é condenado por incêndio que causou a morte do pai idoso

A 3ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou a condenação de um homem pelo crime de incêndio que resultou na morte de seu pai idoso. A decisão, proferida pela Vara Única de Conchal, reduziu a pena para oito anos de reclusão, a ser cumprida em regime fechado.

Remuneração por combate a incêndio no Porto de Santos deve se limitar ao valor do bem salvo

A 9ª Vara Cível de Santos condenou uma empresa a pagar R$ 2,8 milhões a outra companhia pelos serviços de assistência prestados no combate a um incêndio em terminal localizado no Porto de Santos. O valor foi determinado com base no limite do bem efetivamente salvo durante a operação.

Casal é condenado por expor adolescente a perigo e mantê-lo em cárcere privado após cerimônia com chá de ayahuasca

A 13ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) confirmou a condenação de um casal pelos crimes de sequestro, cárcere privado e exposição ao perigo à saúde ou vida, cometidos contra um adolescente de 16 anos. A decisão, proferida pela juíza Naira Blanco Machado, da 4ª Vara Criminal de São José dos Campos, fixou as penas em dois anos e quatro meses de reclusão e três meses de detenção, substituídas por prestação de serviços à comunidade e pagamento de um salário mínimo.