Red Horse não é uma imitação da Red Bull
A bebida Red Horse (Cavalo Vermelho), produzida na cidade de Joinville, em Santa Catarina) e vendida em diversos estados brasileiros, não é uma imitação da Red Bull (Touro Vermelho), marca mundialmente conhecida e presente em 171 (cento e setenta e um) países.
O entendimento é da Quinta Câmara de Direito Comercial do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) e encerra mais um capítulo de uma batalha jurídica iniciada no ano de 2010, marcada por recursos, embargos de declaração, recursos especiais aos tribunais superiores e retorno dos autos ao tribunal de origem.
A Red Bull ingressou na Justiça com a acusação de que a empresa 101 do Brasil Industrial Ltda., fabricante da Red Horse, provocou associação indevida entre produtos semelhantes – duas bebidas energéticas destinadas ao mesmo grupo de consumidores. Isso demonstra, de acordo com a multinacional, uma tentativa de captação indevida de clientela e configura crime de concorrência desleal.
Em decisão liminar, a Justiça proibiu a fabricação, distribuição e comercialização da Red Horse, bem como determinou a retirada do mercado de todas as latinhas. A demandada apresentou reconvenção e alegou que, na tentativa de garantir monopólio, a Red Bull manchou a reputação da marca catarinense perante o mercado consumidor, mesmo ciente da improcedência do pedido. “Nosso produto passou a ser visto como plágio, genérico e ilícito”, disseram os representantes da Red Horse.
Desta forma, a empresa fabricante da Red Horse pediu a condenação da Red Bull por danos materiais (danos emergentes e lucros cessantes) e por danos morais. No mérito, sustentou que não existem circunstâncias que levem ao engano dos consumidores, por haver absoluta distinção entre os produtos. Ressaltou a importância de ser resguardada a livre iniciativa e a concorrência. “Um simples confronto entre os produtos permite evidenciar a ausência de semelhança entre eles. Há clara distinção nas cores, letras e figuras utilizadas”, disse o advogado da empresa de Joinville.
A Red Bull apresentou contestação à reconvenção para asseverar que a empresa catarinense é conhecida no mercado por seus atos de infração de direitos de propriedade industrial e que os autos evidenciam a prática de concorrência desleal. Assim, de acordo com este argumento, inexiste dever de indenizar, porque a Red Bull não praticou nenhum ato ilícito e os danos morais e materiais alegados não foram comprovados.
O juiz da 5ª Vara Cível da comarca de Joinville (SC) julgou improcedente o pedido da ação principal, e condenou a Red Bull ao pagamento das custas e honorários advocatícios. Julgou também improcedente a reconvenção para condenar a Red Horse a arcar com as custas da ação secundária e honorários advocatícios. As partes recorreram ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) e sustentaram, basicamente, os mesmos argumentos.
A desembargadora Soraya Nunes Lins, relatora da matéria, afirmou que a legislação assegura às empresas a proteção dos sinais visuais distintivos que identificam determinado produto. Isso impede que outro produto, da mesma classe, utilize elemento distintivo semelhante, capaz de gerar confusão aos consumidores pela dificuldade de diferenciação. Esta lei, prosseguiu a relatora, tem como objetivo proteger não só o titular do registro da marca como os próprios consumidores, para que não adquiram – induzidos ao erro – produtos diferentes dos que realmente pretendiam comprar.
Nessa perspectiva, a lei estabelece como crime de concorrência desleal a utilização de meio fraudulento para desvio de clientela e confere ao prejudicado o direito de postular indenização pelos prejuízos sofridos. De acordo com a relatora, “no caso em apreço, é possível perceber que existe semelhança entre alguns elementos que compõem as marcas e as embalagens dos produtos”.
No entanto, prosseguiu a relatora, ao procurar um produto para aquisição, o consumidor não se atenta a detalhes da embalagem e do rótulo, mas identifica o produto pela sua aparência geral. “A existência destas semelhanças entre alguns elementos que compõem as marcas e as embalagens não é suficiente para causar confusão nos consumidores e não faz com que eles associem um produto ao outro”, destacou Soraya em seu voto.
A relatora alegou que a análise comparativa deve levar em conta o conjunto dos sinais distintivos que identificam os produtos, e não os elementos de maneira isolada. Assim, segundo ela, é fácil a identificação e a distinção dos produtos, o que afasta a tese de desvio de clientela e também a tese de concorrência desleal.
Neste sentido, deu parcial provimento ao apelo da Red Horse para determinar que os danos materiais decorrentes do cumprimento da decisão liminar devem ser ressarcidos pela Red Bull, em razão de sua posterior revogação, independentemente de culpa. Esta apuração deverá ser realizada em liquidação de sentença. Por outro lado, rejeitou o pedido de indenização moral postulado pela Red Horse. A decisão do colegiado foi unânime.
Além da relatora, participaram do julgamento os desembargadores Cláudio Barreto Dutra e Monteiro Rocha.
Apelação Cível n. 0053698-12.2010.8.24.0038 – Acórdão (inteiro teor para download)
Ementa
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INIBITÓRIA C/C PERDAS E DANOS. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS FORMULADOS NA AÇÃO PRINCIPAL E NA RECONVENÇÃO. INSURGÊNCIA DE AMBAS AS PARTES. RECURSO DAS AUTORAS. PRELIMINAR DE CONTRARRAZÕES. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. PETIÇÃO DE APELAÇÃO QUE APRESENTA AS RAZÕES PELAS QUAIS AS APELANTES ENTENDEM QUE A SENTENÇA DEVE SER REFORMADA. CERCEAMENTO DE DEFESA EM RAZÃO DO JULGAMENTO ANTECIPADO DO FEITO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. DESNECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE OUTRAS PROVAS. ELEMENTOS DOS AUTOS QUE SÃO SUFICIENTES PARA O DESLINDE DA LIDE E CONVENCIMENTO DO MAGISTRADO. PRELIMINAR AFASTADA. MÉRITO. ALEGAÇÃO DE IMITAÇÃO DO CONCEITO E CONJUNTO-IMAGEM DA BEBIDA ENERGÉTICA “RED BULL” PELA BEBIDA DE MESMO TIPO DENOMINADA “RED HORSE”. EXISTÊNCIA DE SEMELHANÇA ENTRE ALGUNS ELEMENTOS QUE COMPÕEM AS MARCAS E AS EMBALAGENS QUE, TODAVIA, NÃO É SUFICIENTE PARA CAUSAR CONFUSÃO PERANTE OS CONSUMIDORES E NEM INDEVIDA ASSOCIAÇÃO ENTRE OS PRODUTOS. ANÁLISE COMPARATIVA QUE DEVE LEVAR EM CONTA O CONJUNTO DOS SINAIS DISTINTIVOS QUE IDENTIFICAM OS PRODUTOS, E NÃO OS ELEMENTOS DE MANEIRA ISOLADA. POSSIBILIDADE DE FÁCIL IDENTIFICAÇÃO E DISTINÇÃO DOS PRODUTOS, O QUE AFASTA A TESE DE DESVIO DE CLIENTELA. CONCORRÊNCIA DESLEAL NÃO CARACTERIZADA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA QUE SE IMPÕE, PRIVILEGIANDO O PRINCÍPIO DA LIVRE CONCORRÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DEMANDA EM QUE NÃO HOUVE CONDENAÇÃO. VERBA HONORÁRIA ARBITRADA POR EQUIDADE, NOS TERMOS DO § 4º DO ART. 20 DO CPC/1973. NÃO ADSTRIÇÃO AOS LIMITES PERCENTUAIS PREVISTOS NO § 3º DO MESMO DISPOSITIVO. MONTANTE FIXADO NA SENTENÇA EM CONSONÂNCIA COM OS CRITÉRIOS LEGAIS. MINORAÇÃO INCABÍVEL. RECURSO DA RÉ/RECONVINTE. RECURSO QUE NÃO HAVIA SIDO CONHECIDO POR TER SIDO CONSIDERADO PREMATURO. DECISÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DETERMINANDO O SEU JULGAMENTO. RETORNO DOS AUTOS. RECONVENÇÃO. PRETENDIDA INDENIZAÇÃO PELOS DANOS ADVINDOS DO AJUIZAMENTO DA AÇÃO E DO DEFERIMENTO DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. AUTORAS QUE PROPUSERAM A AÇÃO POR ENTENDEREM QUE HOUVE VIOLAÇÃO AO SEU DIREITO DE MARCA. EXERCÍCIO DO DIREITO DE AÇÃO (ART. 5º, XXXV, DA CF), SEM QUE TENHA SE VERIFICADO CONDUTA DESLEAL OU DE MÁ-FÉ. PLEITO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA QUE FOI DEFERIDO. DANOS DECORRENTES DO CUMPRIMENTO DA DECISÃO QUE DEVEM SER RESSARCIDOS PELAS AUTORAS, EM RAZÃO DE SUA POSTERIOR REVOGAÇÃO, INDEPENDENTEMENTE DA AUSÊNCIA DE CULPA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA PREVISTA NOS ARTS. 273, § 3º, 475-O E 811 DO CPC/1973. DETERMINAÇÃO DE PROIBIÇÃO DE FABRICAÇÃO, DISTRIBUIÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO DO PRODUTO, BEM COMO A SUA RETIRADA DO MERCADO, QUE ACARRETOU DANOS MATERIAIS À RÉ/RECONVINTE. APURAÇÃO A SER REALIZADA EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. DANOS MORAIS, POR SUA VEZ, NÃO CARACTERIZADOS. TUTELA ANTECIPADA DEFERIDA APÓS A ANÁLISE DOS PRESSUPOSTOS LEGAIS, EM JUÍZO DE COGNIÇÃO SUMÁRIA, QUE NÃO CAUSOU PREJUÍZO À REPUTAÇÃO OU À IMAGEM DA RÉ. DIVULGAÇÃO DA DECISÃO NA MÍDIA E REPERCUSSÃO EM REDES SOCIAIS QUE DECORRE DO DIREITO DE LIBERDADE DE IMPRENSA, À INFORMAÇÃO E DE LIBERDADE DE EXPRESSÃO. ACOLHIMENTO PARCIAL DO RECLAMO, PARA JULGAR PARCIALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS FORMULADOS NA RECONVENÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS FIXADOS NA AÇÃO PRINCIPAL. PRETENSÃO DE MAJORAÇÃO. MONTANTE FIXADO NA SENTENÇA QUE SE REVELA ADEQUADO E EM CONFORMIDADE COM OS CRITÉRIOS PREVISTOS NO § 3º DO ART. 20 DO CPC/1973. MANUTENÇÃO. RECURSO DAS AUTORAS CONHECIDO E DESPROVIDO. RECURSO DA RÉ CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
(TJSC, Apelação Cível n. 0053698-12.2010.8.24.0038, de Joinville, rel. Des. Soraya Nunes Lins, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 23-01-2020).