STJ livra usuário que portava droga e foi condenado a sete anos

Data:

Sexta Turma livra usuário que portava droga e foi condenado a sete anos
Créditos: edsonchagas / Shutterstock.com

“As estatísticas mostram que a mudança de tratamento promovida pela Lei 11.343/2006 – que aboliu a pena privativa de liberdade para a conduta de porte de drogas para consumo pessoal (artigo 28) – não impediu um incremento substancial das condenações por crime de tráfico de drogas.”

A afirmação foi feita pelo ministro Rogerio Schietti Cruz ao relatar um habeas corpus em que a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) cassou decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) que havia condenado um indivíduo a sete anos de prisão por tráfico. No julgamento, foi restabelecida a sentença de primeiro grau que enquadrara o réu no delito de porte de drogas para consumo próprio.

O acusado foi preso em 2015 portando 0,7 grama de crack. O Ministério Público o acusou de guardar, transportar, oferecer e vender drogas, mas o juiz entendeu que não ficou provada a prática de comércio e que o entorpecente era para consumo próprio.

A sentença, ao desclassificar a conduta para porte de drogas para uso próprio, extinguiu a punibilidade, pois o acusado já estava preso preventivamente por cinco meses – punição superior à prevista pelo artigo 28 da Lei de Drogas. O TJRS reformou a decisão, entendendo que o fato de o réu trazer a droga consigo já era suficiente para caracterizar o delito de tráfico (artigo 33).

Questão problemática

Ao analisar o pedido de habeas corpus, o ministro Schietti destacou que a apreensão de apenas 0,7 grama de droga e a ausência de diligências para comprovar a narcotraficância tornaram a condenação “totalmente descabida”. Segundo ele, não há, no acórdão do TJRS, nenhum fato que demonstre efetivamente a prática de tráfico. A única coisa provada no processo é que o indivíduo é consumidor de droga.

Para o relator, o caso é representativo de um problema que não foi resolvido pela nova Lei de Drogas. “A Lei 11.343 não determina parâmetros seguros de diferenciação entre as figuras do usuário e a do pequeno, médio ou grande traficante, questão essa, aliás, que já era problemática na lei anterior (6.368/1976)”, afirmou.

“Não por outro motivo”, continuou o ministro, “a prática nos tem evidenciado que a concepção expansiva da figura de quem é traficante acaba levando à inclusão, nesse conceito, de cessões altruístas, de consumo compartilhado, de aquisição de drogas em conjunto para consumo próprio e, por vezes, até de administração de substâncias entorpecentes para fins medicinais.”

Rogerio Schietti ressaltou que, no ano seguinte à vigência da atual Lei das Drogas, houve um aumento de 38% das prisões por tráfico, e tais estatísticas permaneceram expressivas em todos os anos seguintes, culminando em um aumento de 480% das prisões por tráfico nos últimos dez anos.

Excepcionalidade

Em seu voto, acompanhado por unanimidade pelos demais ministros da Sexta Turma, Schietti lembrou que a jurisprudência considera inviável discutir a desclassificação de conduta criminosa em habeas corpus porque isso geralmente exige o exame de provas, o que não é admitido nesse contexto processual.

Entretanto, o magistrado destacou que o caso julgado é excepcional, pois o indivíduo – primário e com bons antecedentes – foi preso com apenas 0,7 grama de crack e condenado a sete anos de prisão em regime fechado (um ano para 0,1 grama), quando a sentença reconheceu que não havia prova de venda de droga.

Além disso, Schietti assinalou que, para a desclassificação da conduta e o restabelecimento da sentença, não havia necessidade de exame de provas, mas apenas de revaloração jurídica dos fatos já reconhecidos no acórdão do TJRS.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):
Wilson Roberto
Wilson Robertohttp://www.wilsonroberto.com.br
Advogado militante, bacharel em Administração de Empresas pela Universidade Federal da Paraíba, MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas, professor, palestrante, empresário, Bacharel em Direito pelo Unipê, especialista e mestre em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa. Atualmente é doutorando em Direito Empresarial pela mesma Universidade. Autor de livros e artigos.

Deixe um comentário

Compartilhe

Inscreva-se

Últimas

Recentes
Veja Mais

Concessionária de energia é condenada a indenizar usuária por interrupção no fornecimento

A 33ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a condenação de uma concessionária de energia ao pagamento de R$ 10 mil por danos morais a uma usuária que ficou sem fornecimento de energia elétrica por quatro dias, após fortes chuvas na capital paulista em 2023. A decisão foi proferida pelo juiz Otávio Augusto de Oliveira Franco, da 2ª Vara Cível do Foro Regional de Vila Prudente.

Homem é condenado por incêndio que causou a morte do pai idoso

A 3ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou a condenação de um homem pelo crime de incêndio que resultou na morte de seu pai idoso. A decisão, proferida pela Vara Única de Conchal, reduziu a pena para oito anos de reclusão, a ser cumprida em regime fechado.

Remuneração por combate a incêndio no Porto de Santos deve se limitar ao valor do bem salvo

A 9ª Vara Cível de Santos condenou uma empresa a pagar R$ 2,8 milhões a outra companhia pelos serviços de assistência prestados no combate a um incêndio em terminal localizado no Porto de Santos. O valor foi determinado com base no limite do bem efetivamente salvo durante a operação.

Casal é condenado por expor adolescente a perigo e mantê-lo em cárcere privado após cerimônia com chá de ayahuasca

A 13ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) confirmou a condenação de um casal pelos crimes de sequestro, cárcere privado e exposição ao perigo à saúde ou vida, cometidos contra um adolescente de 16 anos. A decisão, proferida pela juíza Naira Blanco Machado, da 4ª Vara Criminal de São José dos Campos, fixou as penas em dois anos e quatro meses de reclusão e três meses de detenção, substituídas por prestação de serviços à comunidade e pagamento de um salário mínimo.