União é condenada a indenizar casal que perdeu filhos menores em naufrágio de embarcação em rio do Pará

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A Sexta Turma do TRF1, por unanimidade, manteve sentença que condenou a União Federal e outros a ressarcirem em R$ 100.000,00 (cem mil reais), a título de danos morais, o casal autor que perdeu seus filhos em naufrágio em rio do Pará. O Colegiado ainda ratificou a condenação dos demandados ao pagamento de indenização por danos materiais no valor correspondente a dois terços do salário-mínimo, a partir dos 14 anos de idade, até quando os filhos falecidos dos autores completariam 25 anos de idade, reduzindo-se, a partir de então, para um terço do salário-mínimo até o limite de 65 anos. As quantias são devidas para cada um dos filhos falecidos.

No recurso de apelação, um dos demandados alegou que não ficou demonstrado contrato de arrendamento realizado entre o recorrente e o proprietário da embarcação naufragada, sendo que tal avença sequer existiu. Afirmou que restou devidamente comprovado nos autos o fato de que os passageiros viajaram espontaneamente na citada embarcação e que houve responsabilidade exclusiva do proprietário do barco ao permitir a superlotação. Por fim, asseverou que o acidente com a embarcação ocorreu por “fatores da natureza”, não havendo relação entre qualquer ato por ele praticado e o incidente.

A União Federal também apelou destacando que não houve omissão na fiscalização, tendo em vista que foram realizadas duas vistorias da Marinha na embarcação. Afirmou que no momento da última fiscalização antes do naufrágio, ocorrida em Santarém (PA), a quantidade de passageiros transportados estava dentro dos limites previstos, tendo o excesso de passageiros se dado em momento posterior. Sustentou não haver nexo de causalidade, logo o acidente não decorreu de excesso de passageiros ou de cargas na embarcação, mas, então, por causa das condições adversas do tempo.

Jirair Aram Meguerian
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O relator, desembargador federal Jirair Aram Meguerian, não acolheu as teses trazidas pelos recorrentes. De acordo com o relator, distintamente do alegado pelo primeiro recorrente, os autos provam a existência de contrato de fretamento comprovado por relatos testemunhais e por cópias de passagens compradas pelas vítimas, as quais embarcaram em veículo diverso do previsto, a corroborar o fretamento de barco de terceiro.

Já em relação à apelação da União Federal, o magistrado afirmou que houve sim conduta omissiva da União nos procedimentos de fiscalização da embarcação naufragada. “Restou constatado que o falecimento dos filhos menores do casal autor decorreu não somente do naufrágio, mas da inexistência de equipamentos de segurança na embarcação, como salva-vidas, em razão de sua superlotação; ademais, restou igualmente demonstrado que houve alerta dos passageiros para agentes de fiscalização acerca do número excessivo de pessoas a bordo, mas esses deixaram o navio partir apesar da irregularidade, atuando de modo negligente”, fundamentou.

Processo nº: 0005578-74.2004.4.01.3900/PA

(Com informações do Tribunal Regional Federal da 1ª Região – TRF1)

EMENTA

REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÕES CÍVEIS. RESPONSABILIDADE CIVIL. NAUFRÁGIO DE EMBARCAÇÃO. FALECIMENTO DE FILHOS POR AFOGAMENTO. SUPERLOTAÇÃO. AUSÊNCIA DE NÚMERO SUFICIENTE DE COLETES SALVA-VIDAS. NEXO DE CAUSALIDADE. CONSTATAÇÃO. OMISSÃO ESTATAL. BARCO QUE PASSOU FRENTE À CAPITANIA DOS PORTOS, VISIVELMENTE ABARROTADO. NEGLIGÊNCIA ADMINISTRATIVA. EXISTÊNCIA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO DONO DA EMBARCAÇÃO, DO RESPONSÁVEL PELO FRETE E DA ADMINISTRAÇÃO. FUNDAMENTO. CDC. DANOS MATERIAIS E MORAIS. MANUTENÇÃO. JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. INCIDÊNCIA PARCIAL DA LEI Nº 9.494/97, COM REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 11.960/09. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA.

I. In casu, trata-se de ação ajuizada pelos autores/recorridos em virtude do falecimento de seus dois filhos menores por ocasião de naufrágio do barco motor Dom Luiz XV-I, ocorrido em 17/12/2002, nas proximidades de Vila do Conde. Tem-se em debate a existência de responsabilidade civil da União, por suposta conduta omissiva, ao não realizar a fiscalização da embarcação, permitindo sua superlotação, bem como a responsabilidade civil do proprietário e do suposto arrendatário do barco naufragado, que deram causa direta à suposta irregularidade permitindo a venda excessiva de passagens e a conduta negligente de seus prepostos.

II. A responsabilidade civil da Administração Pública encontra previsão no art. 37, § 6º da Constituição Federal, sendo de natureza objetiva em razão da adoção da teoria do risco administrativo. Conjugando o preceito constitucional aludido, com o art. 159 do CC/1916, vigente ao tempo do sinistro, tem-se que a configuração da responsabilidade civil estatal se dá mediante a demonstração da prática de ato administrativo, dano e nexo de causalidade entre ambos, dispensada a aferição acerca da existência de dolo ou culpa.

III. No que diz respeito às condutas omissivas do ente público, a responsabilidade civil emerge mediante aferição subjetiva, ou seja, é necessário a demonstração da “culpa administrativa”, consistente na “falta do serviço”, adotando-se a teoria francesa da “faute du service”.

IV. Especificamente no que diz respeito aos danos decorrentes de naufrágios de navios particulares, conforme entendimento já esposado por esta E. Corte em mais de uma oportunidade, deve ser a União responsabilizada por danos causados aos passageiros e aos seus familiares em decorrência de seu falecimento ou desaparecimento, quando se constata a omissão do ente público em realizar a fiscalização da embarcação, sendo tal fato relevante para o acidente. Precedentes.

V. Caso em que restou constatado que o falecimento dos filhos menores dos autores decorreu não somente do naufrágio, mas da inexistência de equipamentos suficientes de segurança na embarcação, como salva-vidas, em razão de sua superlotação; ademais, restou igualmente demonstrado que houve alerta dos passageiros para agentes de fiscalização acerca do número excessivo de pessoas a bordo, mas estes deixaram o navio partir apesar da irregularidade, atuando de modo negligente.

VI. Existência de contrato de fretamento demonstrada por relatos testemunhais e por cópias de passagens compradas pelas vítimas, as quais embarcaram em veículo diverso do previsto, a corroborar o fretamento de barco de terceiro.

VII. Não há óbice em formação de convencimento com base em documentos obtidos mediante empréstimo a procedimento de inquérito policial, desde que tenham sido devidamente submetidos ao contraditório, situação esta verificada nos presentes autos.

VIII. A sentença recorrida que se mostra em consonância com o entendimento do C. STJ no sentido de ser devido o pagamento de pensão aos familiares dos falecidos, com fulcro no art. 948, II do CC/2002 e art. 1.537, II do CPC/1916, ainda que estes fossem menores de idade à época do passamento, devendo ser considerado, para tanto, quantia equivalente da 2/3 salários mínimos até o momento em que completassem 25 anos; a partir de então, o pagamento seria de 1/3 de salário mínimo, para cada falecido, até a data em que cada um completasse 65 anos, já que, embora se presuma que a partir dos 25 anos se forme novo núcleo familiar, tal fato não ilide por si só o dever de prestar alimentos aos pais, justamente em razão do vínculo familiar. Precedentes do C. STJ.

IX. Indenização por danos morais fixada em R$ 100.000,00 (cem mil reais) para cada filho falecido do casal autor que se coaduna com parâmetros jurisprudenciais. Precedentes.

X. Em se tratando de condenação não-tributária imposta à Fazenda Pública, antes da entrada em vigor do Código Civil/2002, os juros de mora deverão ser de 0,5% ao mês, nos termos do art. 1.062 do CC/1916; a partir da entrada em vigor do CC/2002, os juros de mora deverão ser de 1% ao mês, até o início da vigência da Lei nº 11.960/2009, quando se dará a aplicação do art. 1º-F, da Lei nº 9.494/97, com redação dada pelo referido diploma legal.

XI. Já no que se refere à correção monetária, considerando o julgamento do RE 870947, com Repercussão Geral reconhecida, acórdão ainda pendente de publicação, deve ser aplicado, a partir da publicação da Lei nº 11.960/09, o IPCA-E (disponível in http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=356240) ou a fórmula que vier a ser estabelecida pelo E. STF em eventual modulação dos efeitos do julgado.

XII. Recursos de apelação da União e do réu aos quais se nega provimento. Remessa necessária a que se dá parcial provimento (itens X e XI).

(TRF1 – Numeração Única: 0005578-74.2004.4.01.3900 – APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO N. 2004.39.00.005577-8/PA – RELATOR : DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN APELANTE : ANTONIO ROCHA JUNIOR ADVOGADO : PA00008175 – ANTONIO DE JESUS VALENTE DOS SANTOS E OUTROS(AS) APELANTE : UNIAO FEDERAL PROCURADOR : MA00003699 – NIOMAR DE SOUSA NOGUEIRA APELADO : SEBASTIAO LEMES RAMOS E OUTRO(A) ADVOGADO : PA00002746 – HELENA CLAUDIA MIRALHA PINGARILHO E OUTROS(AS) APELADO : CARLOS AUGUSTO GOMES DA SILVA E OUTROS(AS) REMETENTE : JUIZO FEDERAL DA 2A VARA – PA. Data do Julgamento: 12.03.2018)

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